Respeitem Machado!

Lúcio Villar

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Há dois anos, tive um sonho. Não, um pesadelo.

Películas ‘escapavam’ de suas latas. Dezenas de fitas VHS mofadas, apodrecidas e desfiguradas. Fotografias amareladas e recortes de jornais voavam pela sala quente e imprópria (do Espaço Cultural) para armazenar tamanha riqueza de registros imagéticos e sonoros da Paraíba.

Diante de mim, Machado Bittencourt esbravejando em cena aberta de ‘filme silencioso’. Ensaio voltar ao sentido perdido, pois reza a lenda, os mortos serenam seus ânimos. Qual nada! Aqui, a normalidade cotidiana é absolutamente subvertida. Dou-me conta então do pesadelo.

Este, porém, se passa em velocidade chapliniana, sem sonorização. Machado lembra Michael Douglas em Um dia de fúria, revirando o que restou de seu acervo até levar as mãos à cabeça em desespero ante desfecho tão apoteótico quanto desolador:

– Fotogramas escorrem impunemente em transmutação líquida (síndrome do vinagre, típica da decomposição da película), pelas rampas criadas pelo traço de Sérgio Bernardes na mais surreal e fantástica tomada com força de ‘tsumani’. Desperto subitamente, ainda acometido do forte aroma do tempero doméstico…

Tal como um náufrago desesperançado, eis o melancólico resumo da fita: Machado perde as esperanças de que sua ‘garrafa’ lançada a um mar de indiferença e má-vontade, generalizadas e recorrentes… um dia seja encontrada!

Repliquei fragmentos de coluna publicada há dois anos em razão da ordem de “desocupação da sala” onde está o acervo de Machado Bittencourt no Espaço Cultural. Enquanto sua viúva, Célia, aguarda decisão da UEPB pela aquisição, a burrocracia cultural mistura as finas espessuras de relíquias fotográficas, películas e vídeos com lojas de artigos femininos, salão de beleza e lanchonete, todos no mesmo ‘pacote’ com prazo fatal de desocupação até dia 30.

No sábado, 27, completa-se 14 anos de sua prematura morte. Cerca de 40% de seu acervo já se perdeu.