Merenda vencida e mordaça na imprensa

Professor Jônatas Frazão (aposentado da UFPB)

O professor, mesmo que aposentado, não perde o diploma nem o título. E, como professor, mas acima de tudo como cidadão de uma Paraíba que, torço, ainda vai dar certo, vejo-me na obrigação de escrever sobre este assunto, que muito me incomoda, desde que tomei conhecimento. Trata-se de um descaso que ocorre na Escola Municipal Maria da Luz, localizada na BR 230, na saída de Campina Grande para João Pessoa.

Sábado passado, enquanto aproveitava o clima frio e nublado de Campina Grande a convite de amigos da UFCG, tomei conhecimento de que um grupo de professores da Escola Maria da Luz pretendia realizar uma manifestação para chamar a atenção das autoridades para o descaso com que estão sendo tratados pelo Poder Público Municipal.

Acontece que a merenda escolar servida na escola está vencida, todos sabem disso – da direção e professores a alunos e pais de alunos – e ninguém faz nada. Ou ninguém faz nada porque não lhes permitem que algo seja feito. Um caso que me deixou preocupado porque vemos que o modelo de mordaça na imprensa adotado pelo Governo do Estado pode estar chegando à Prefeitura de Campina Grande e isso não é nada bom.

As professoras me relataram que os itens usados no dia a dia para preparar a alimentação das crianças que estudam na Escola Municipal Maria da Luz estão vencidos há dias. Foram adquiridos na gestão passada e alguns itens já passaram da data de validade. E continuam a servir porque a atual administração não adquiriu merenda ainda. Ou seja: na falta de comida nova, manda a que está vencida mesmo. Absurdo.

Na Páscoa, contaram as professoras, inventaram de mandar fazer um bolo para uma festinha com as crianças. Ninguém se arriscou, pois o trigo vencido usado na receita era do conhecimento de todos. Enquanto a festa ocorria, as mães orientavam os filhos a recusar a iguaria. No final, sobrou bolo que foi jogado fora.

Arroz, macarrão, feijão, margarina, óleo. Quase tudo vencido. E quase tudo sendo usado no dia a dia. Foi quando uma professora decidiu que não pdoeria continuar assim. Encabeçou um movimento interno e, cheia de esperanças, decidiu, em nome dos alunos, dos pais e da decência, procurar a imprensa.

Manteve contatos com alguns órgãos de comunicação de Campina Grande e recebeu de quem a atendeu a garantia de que uma equipe iria visitar a escola para constatar se a denúncia era mesmo verdadeira. Passados alguns dias, todos já estavam perdendo as esperanças, quando o telefone toca. Era a produtora de uma TV de Campina Grande, interessada na história. “Vamos mandar uma equipe aí hoje”, disse a jovem ao telefone.

A professora se animou. Reuniu pais de alunos, alunos, funcionários da escola e demais professores. Chega a equipe. O repórter, que a professora disse não lembrar o nome, mas informou ser “um sujeito legal, simpático, meio baixinho, meio gordinho, meio careca, que já vi fazendo reportagem policial”, ouviu a todos e quis, como todo bom, jornalista, encerrar a matéria ouvindo o outro lado.

Foi ao encontro da diretora. Os professores, funcionários, alunos e pais o acompanharam. A diretora negou que alimentos com prazo de validade vencido estivessem sendo servidos aos alunos e chamou o repórter para fazer uma visita à dispensa. E, lá chegando, pegou o primeiro pacote de arroz, para provar que estava dentro da validade. Câmera filmando, microfone ligado. Triste cena para quem presenciou. As professoras me contaram que o constrangimento da diretora foi indisfarçável. O arroz vencera há quase dois meses.

Reportagem finalizada, denúncia feita, era só esperar ir ao ar e que as autoridades tomassem as providências. A espera passou de um dia para o outro, e mais outro, e mais outro, e mais outro. Uma semana. Nada. A professora que havia tomado a iniciativa de ligar para a emissora, liga novamente. A produtora atende. Ela acha que não era a mesma do primeiro contato, mas, mesmo assim, pergunta pela reportagem.

“Ah, sei, é a da merenda vencida, que Renato fez, né? Olha, infelizmente ela não vai ao ar. Não foi aprovada pela direção da TV. A senhora sabe, não é? Fala mal da prefeitura”. Foi a justificativa. Revoltada, a professora agradeceu a atenção de quem lhe atendeu e disse ter ido à para a escola, no dia seguinte, com duas preocupações.

A primeira era como ter que continuar convivendo com a merenda vencida, explicando para os alunos que eles deveriam abrir mão do lanche oferecido pela escola, pois poderia lhes fazer mal. A segunda era como educar crianças e jovens para um mundo que os espera, tendo que lidar com cerceamentos da liberdade de expressão.

Confesso que tão duro quanto ter que negar comida a quem tem fome é negar o direito de expressão a quem precisa de liberdade. Este é o mundo que espera nossas crianças. Até quando? Não é assim que se faz.