A reforma política vai desandar?

José Dirceu

Apesar de comumente apontada por políticos das mais variadas vertentes ideológicas como ponto central da agenda de mudanças estruturais necessárias ao nosso país, a reforma política continua emperrada, devido à falta de consenso em torno de suas principais propostas. Depois da tentativa fracassada de votação de um de seus itens na última semana, fica no ar uma questão: a reforma vai desandar?

É inacreditável, mas nem mesmo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece a coincidência de mandatos e eleições gerais de vereador a presidente da República obteve consenso para votação. Obstruída, a sessão destinada à apreciação da proposta foi encerrada sem progressos.

A falta de entendimento entre os líderes partidários é gritante, mesmo depois de mais de 15 anos de discussões, tempo em que projetos para reformar o sistema político tramitam no Congresso, o que nos leva a crer que pontos mais complexos relacionados à reforma, os quais já enfrentam grandes resistências, dificilmente encontrarão acordo.

Inicialmente, foram destacados cinco temas para votação pelo relator da reforma política na Câmara, deputado federal Henrique Fontana/PT-RS. Dentre eles, o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, o voto em lista flexível e o ponto considerado a espinha dorsal do projeto: a adoção do financiamento público de campanhas. Porém, os líderes das bancadas decidiram não colocá-los em votação.

É natural que as mudanças propostas pela reforma política encontrem divergências, mas essas divergências precisam ser expressas em alternativas, em novas proposições, ou seja, em novas direções que apontem para uma solução — não o imobilismo.

Ou ao menos que sirvam para apontar o posicionamento claro, sem ambiguidades, daqueles que não desejam qualquer alteração. Mas o que assistimos, diante da falta de consentimento, é uma paralisia angustiante.

Não é mais possível conviver com financiamento privado de campanhas, que, na prática, significa a prevalência do poder econômico sobre propostas e ideias que objetivem melhorar a vida da população.

Como desabafou o deputado Fontana, a eleição hoje depende cada vez mais do dinheiro e cada vez menos de projetos, o que coloca a democracia brasileira nas mãos de 200 grandes financiadores.

O fim do financiamento privado não será o fim da corrupção, mas, sem dúvida, tornará o processo muito mais transparente, dificultando a prática do caixa dois e qualificando o debate eleitoral ao promover a equidade entre as candidaturas em termos econômicos.

A aprovação da reforma é realmente um desafio, mas os partidos não podem mais continuar se omitindo. É preciso que se comprometam e votem os itens da reforma, deixando claro para a sociedade aquilo que defendem.

O PT, que sempre esteve à frente desta luta, vem se empenhando quase que solitariamente para aprovar os pontos fundamentais do projeto. Assim, foi um equívoco que os parlamentares do partido tenham participado da obstrução à votação da PEC da coincidência de mandatos — decisão tomada por entenderem a necessidade de votação de uma reforma mais ampla — confundindo-se com aqueles que nunca lutaram para que a reforma acontecesse.

Inclusive, caso o fim do financiamento privado não seja aprovado no Congresso, o PT avalia a apresentação de uma emenda de iniciativa popular, o que também está sendo defendido por outras entidades nacionais, como a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

Há também a possibilidade de realização de um plebiscito sobre uma série de temas sobre os quais a sociedade seria consultada, e no qual poderiam ser incluídos vários aspectos da reforma política.

Ao menos tivemos um avanço relativo à proposta que impede a transferência de recursos públicos do Fundo Partidário e do tempo de rádio e TV dos atuais partidos para os novos, quando deputados migrarem para outra legenda no meio do mandato.

Nesta quarta, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei referente ao tema, o qual seguirá agora para o Senado. Essa medida é essencial para que possamos colocar fim ao mercado de mandatos que desmoraliza a fidelidade partidária já bastante combalida pelas exceções criadas pela própria Justiça Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal.

O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), afirmou a intenção de colocar a reforma política em pauta novamente no prazo de 30 dias — tempo mais do que suficiente para que os líderes partidários se posicionem e encontrem caminhos para sua apreciação, depois de todo o debate feito ao longo dos últimos anos.

Contudo, independentemente de haver consenso, o que será muito difícil dada a complexidade das mudanças, é preciso levar as matérias à votação e decidi-las pela maioria.

O que não se pode mais conceber é que algo tão importante para os destinos do país continue sendo protelado por meio de obstruções e adiamentos infindáveis, que apenas aumentam as frustrações da sociedade e de todos aqueles que acreditam na reforma como mecanismo principal para aperfeiçoar e fortalecer a democracia brasileira.

A reforma precisa acontecer.