O rapto do jornalismo

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Nonato Guedes

Ricardo Noblat transcreve, em seu blog, artigo de Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, Espanha, sobre livro instigante denominado “O rapto do jornalismo”, de autoria de Pedro Lozano Bartolozzi, professor de Comunicação naquelas plagas. O jornalismo foi raptado, afirma Di Franco, pela perda de qualidade do conteúdo, abandono da sua vocação pública e equivocada transformação em produto para consumo privado. Ele defende a necessidade que essa tendência seja revertida a fim de se recuperar o entusiasmo do “velho ofício”, sendo urgente investir fortemente na qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público e independente, o futuro da democracia é incerto e preocupante.

As opiniões convergem para um aspecto: a sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade do conteúdo. A internet é vista como um fenômeno de desintermediação. Só restaria uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica, fazer-se jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, com excelência na prestação de serviço. Do contrário, seremos descartados por consumidores cada vez mais fascinados pelo aparente universo da informação na plataforma virtual. No Brasil, para além da permanência dos diários tradicionais, explodiram veículos populares de qualidade, convertidos em esplêndida plataforma educativa, de acordo com Di Franco, que acrescenta: “É fascinante ler alguns depoimentos dos novos leitores. São pessoas frequentemente marginalizadas do debate público que encontraram no jornalismo de qualidade uma carícia na sua autoestima. Sentem-se cidadãos”.

E prossegue ele: “A nova classe emergente é uma grande oportunidade. Se trabalharmos com criatividade e ousadia, assistiremos ao mais surpreendente fenômeno de migração de leitores de todos os tempos. Não estamos diante de um simples movimento de consumo. O consumidor de um veículo popular pode, amanhã, ter demandas sofisticadas. A vida é assim. Os populares podem ser a porta de entrada de produtos tradicionais”. Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico estão entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que fujam à monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão reducionista. Curiosidade não deve ser confundida com aprovação.

Di Franco observa que o prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista. Apostar em boas pautas, não muitas, mas relevantes, é outra saída. E abordar magnificamente alguns temas, específicos, ao invés de atirar em todas as direções. O leitor quer reportagem. “O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviços, contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina. É só procurar”, adianta. Quem tem menos de 30 anos, gosta de sensações, mensagens instantâneas, e nesse aspecto a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse tipo de público, deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Antes, os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.

Há um modelo a ser seguido? Carlos Alberto Di Franco diz que nas experiências que acompanha, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. “O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a renda social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar. Também na internet. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação, e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados”, pontua Di Franco, como quem saca um cruzado de direita.

E ele arremata: “Para mim, o jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística, pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E que, além disso, sejam bons gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante”.