Para quem olha de fora, a Braiscompany parece uma empresa em agonia. Todos os dias, ela recebe reclamações de clientes revoltados com a falta dos pagamentos mensais que o grupo deveria depositar em suas carteiras de criptomoedas. Os depósitos estão atrasados desde dezembro passado e geram filas de investidores na porta da sede da companhia em Campina Grande, na Paraíba.
Obsessão em atrair novos clientes
Segundo os ex-funcionários, uma das marcas registradas da cultura de trabalho da Braiscompany é uma verdadeira obsessão em atrair novos clientes. Todos os funcionários, mesmo os que não são brokers — como são chamados os encarregados de fechar contratos — são incentivados o tempo todo a fisgar investidores.
Coincidência ou não, metas agressivas de captação de novos recursos são uma característica de pirâmides financeiras. Esse tipo de esquema depende do dinheiro de novos clientes para pagar os investidores que já estão no sistema.
Uma ex-funcionária conta que a empresa, além de pagar comissão por cada pessoa indicada, também oferece outras recompensas “sociais”. O grupo já chegou a fazer festas VIP para os clientes gold, aqueles que investem altas cifras. Para essas festas também são convidados os funcionários que conseguirem fechar contratos de no mínimo R$ 30 mil no mês.
Segundo esta ex-trabalhadora, o grupo de clientes gold da Braiscompany é formado pela elite de Campina Grande: “Desembargador, juiz, promotor, policiais, advogados… tudo que é tipo de pessoa que você imaginar tem contrato na Braiscompany na cidade. Já vi gente do alto escalão da justiça paraibana fazendo contrato lá, tomando uísque na sede”, relembra.
A pressão maior de trazer clientes para a Braiscompany, no entanto, recai sobre os brokers. De acordo com um documento obtido, esses profissionais são divididos em categorias dependendo do tamanho de suas carteiras, que representam quanto dinheiro os clientes indicados por eles investem.
Em todas as categorias, os brokers têm metas mensais para bater. O Broker Trainee, por exemplo, cuja carteira é de R$ 200 mil a R$ 500 mil, deve todo mês aumentar em 50% a carteira acumulada até o mês anterior. Ou seja, ele deve dobrar o valor para ganhar um bônus de R$ 3 mil, mais 10% de comissão.
Já para o Gerente Select, que é a hierarquia mais alta de broker da Braiscompany, formada por aqueles que administram carteiras de mais de R$ 10 milhões, a meta mensal é 7% sobre a carteira acumulada até o mês anterior, com um bônus de R$ 10 mil, mais 15% de comissão.
Caso o broker não bata a meta mensal, sua comissão naquele mês cai pela metade. Caso não consiga bater a meta por três meses seguidos, ele entra em um programa de recuperação de performance e deve se explicar para os diretores da empresa.
Pressão para se encaixar no modelo
Uma profissional conta que, ao entrar na Braiscompany, estranhou o modo de funcionamento da empresa, especialmente a pressão para se encaixar em um molde. “Entrando ali você não pode ser mais você mesma. Você se torna robozinho de Antônio Neto”, ironiza ela, que relembra já ter tomado advertência uma vez por não usar sua rede social pessoal para promover a Brais.
Um outro ex-funcionário também relatou que ali todos seguem os “mandamentos” de Antônio Neto, até mesmo na forma de se vestir.
“Os brokers fazem o que era tarefa do Antônio no passado. Levam as pessoas para a empresa, fecham contratos e até mesmo as ajudam a criar conta em corretora para depositar dinheiro na Brais. Eles são um espelho do Neto e até se vestem igual ele: terno, calça curta colada, sapato sem meia”, brinca, lembrando do look que já até virou piada nos grupos de clientes da Brais.
A outra ex-funcionária complementa: “Tem gente que até chora quando vê ele [Antônio], como se fosse o Messias e Fabrícia a Virgem Maria.”
Ela explica que essa pressão por incorporar um molde se valia até mesmo quando o assunto era religião. “O Antônio falava que o sócio majoritário da Braiscompany era Jesus Cristo. Você tinha que estar sempre alinhado com os valores dele, caso contrário: tchau. Ateu não trabalha ali.”
O papel de Fabrícia Campos
De acordo com uma das ex-funcionárias ouvidas pela reportagem, embora Antônio seja o rosto da Braiscompany, é a sua esposa Fabrícia quem de fato toca o dia a dia empresa. Seria ela quem decide qual a porcentagem de lucro mensal que a Braiscompany vai distribuir por mês, além de controlar toda a parte de trade da empresa.
“Quem faz tudo acontecer ali é ela. O Antônio só assina e faz vídeo”, diz ela. “Ele é espertinho, mas quem é mais esperta é ela… muito mais.”
A profissional relembra também um caso polêmico que presenciou dentro da Braiscompany, que foi quando foi descoberto que Fabrícia recebia Bolsa Família enquanto ostentava uma vida de luxo.
Dados mostram que dinheiro do Bolsa Família fluiu para os bolsos da empresária, mesmo após ela ter fundado a Braiscompany com o marido, em junho de 2018. No total, ela recebeu do programa R$ 15.556, entre julho de 2014 e setembro de 2019.
Quando o Portal do Bitcoin repercutiu essa descoberta em matéria de 2020, o advogado da empresária disse que ela era do “sertão da Paraíba, desempregada, sem dinheiro e com necessidades” e, por isso, “fez uso de um direito como todo cidadão do Brasil”.
Essa versão, no entanto, é diferente do que lembra a ex-funcionária: “Ela andava de Gucci enquanto recebia Bolsa Família. Quando isso explodiu, correram pra botar panos quentes na história, mas a gente não esquece.”
Influência política na gestão
O lado político também fala alto dentro da empresa. O ex-funcionário diz que, durante as eleições de outubro de 2022, o ex-deputado federal Julian Lemos (União Brasil-PB) foi fazer campanha dentro da sede da Braiscompany em Campina Grande.
Lemos é um antigo aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que mais tarde cortou laços com o político. No ano passado, ele virou manchete ao acusar Bolsonaro de agredir Michelle. Como recordou a Folha de S. Paulo na época, o próprio Julian Lemos já foi alvo da Lei Maria da Penha ao ser acusado de agredir duas vezes a ex-mulher e uma vez sua própria irmã.
O ex-deputado tem uma relação muito próxima com Antônio Neto e até mesmo saiu em defesa da Braiscompany no seu Instagram pessoal, quando a empresa passou a atrasar os pagamentos dos clientes.
“Julian Lemos estava lá dentro da sede da empresa pedindo voto e eu achei isso muito errado”, critica a ex-funcionária. “O Antônio estava lá apoiando e dizendo que ‘Braiscompany é Julian Lemos e Julian Lemos é Braiscompany’”. Essa última frase foi divulgada em um registro do encontro, compartilhado no Instagram pela filha do ex-deputado, a Juliana Lemos, que trabalha na Braiscompany em João Pessoa.
A ex-funcionária acha que seus questionamentos sobre eventos como esse motivaram sua demissão.
“Lá tinha muita perseguição política do estilo ‘esquerdista não entra aqui’. Eu estava trabalhando normalmente e me chamaram para conversar com o RH. Eles só falaram que eu não me adequava mais na empresa, que eu não tinha mais o perfil”, relembra. “Agora tô em paz, sair de lá foi a melhor coisa que me aconteceu.”
Criação de manual de comportamento
A pressão por um modelo de comportamento também se revela em um documento interno obtido pela reportagem, que estipula como os funcionários devem se comportar em uma série de situações.
O documento incluiu, entre outros pontos, regras sobre o que a equipe deve responder quando um cliente perguntar sobre o passado de divulgação de pirâmides financeiras do casal que lidera a Brais.
Na seção “indagações sobre a D9 Club e o golpe dos 200 milhões”, os funcionários são orientados a responder o seguinte sobre as pirâmides:
“Para o cliente alcançar lucros altos [dentro da D9], era preciso ampliar a rede de clientes. Ou seja, quanto mais pessoa entrassem, mais recebia comissão. Foi nesse contexto que Antônio Neto e Fabrícia Campos, além de se cadastrarem e aportarem valores, ainda chamaram seus familiares e conhecidos”, diz trecho do documento, que continua:
“Antônio e Fabrícia nunca foram sócios e nunca conheceram Danilo [criador da D9]. Foram tão vítimas quanto as demais pessoas que foram lesadas por ele. O que aconteceu foi que algumas pessoas que aportaram valor na D9 devido ao marketing multinível passado por eles, passaram a culpar Antônio Neto e Fabrícia Campos pela perda do investimento.”
O documento também fala sobre as acusações de que a Braiscompany é pirâmide financeira, feitas no passado pelo investidor Tiago Reis. “Publicar comentários ou conteúdos babacas, preconceituosos e cheios de discurso de ódio na internet tem sido uma estratégia bastante eficaz para fazer com que outras pessoas acessem esse tipo de postagem, exatamente como os posts de Tiago Reis”, diz um trecho do documento.
Entre as recomendações aos funcionários, também consta a instrução de deixar claro aos clientes de que “qualquer empresa no mundo pode falir” e lhes dizer que a Braiscompany não precisa de registro da CVM para operar; na visão da empresa, o “aluguel” de Bitcoin não pode ser considerado Contrato de Investimento Coletivo.
Por fim, o guia também diz que os funcionários estão proibidos de enviar aos clientes notícias do mercado de criptomoedas publicadas por sites que também denunciam pirâmides financeiras, citando o próprio Portal do Bitcoin como exemplo.
A caixa preta do setor financeiro
Já outro ex-funcionário da Braiscompany que falou com a reportagem decidiu sair por conta própria, ao começar a suspeitar das operações da empresa. Ele conta que nunca conseguiu fazer o seu trabalho direito porque informações sobre a situação financeira da empresa não eram repassadas. Segundo ele, o departamento financeiro da empresa é uma espécie de “caixa preta”, ou seja, sem nenhuma transparência.
“Assim que entrei lá eu senti dificuldades porque, apesar de diversas reuniões e solicitações, nós nunca tivemos acesso às informações [financeiras]”, relembra o profissional. Ele participou de um momento importante de transição, quando a companhia deixou de operar com real e passou a usar apenas criptomoedas nas operações com os fundos dos investidores.
Esse ex-funcionário afirma que a mudança foi uma estratégia da equipe jurídica criada para escapar da fiscalização dos reguladores. A Braiscompany nunca foi regulada pela CVM como instituição financeira; dessa forma, ela não poderia captar recursos de terceiros para fazer gestão ou investir. Para tentar driblar os reguladores, a empresa então passou a usar apenas criptoativos.
Pela experiência, ele diz não acreditar nas afirmações já feitas por Antônio Neto Ais de que a empresa tem R$ 600 milhões sob gestão. “Eu acho que o número é bem maior. Em termos de contrato, eu creio que a empresa tem um passivo bilionário. Na época que trabalhava lá já se falava em R$ 2 bilhões, então hoje, que a empresa já tomou uma proporção nacional, os valores devem ser bem maiores”, opina.
Fonte: Portal do Bitcoin
Créditos: Portal do Bitcoin