A bomba da desk é radioativa

Gilvan Freire

Poucas vezes a corrupção envolve apenas os que estão no centro das arapucas e são encontrados com as mãos sujas. Quando o aparelho criminoso é descoberto e detonado gera efeitos mais longínquos, que vão além dos laboratórios da gatunagem e se irradiam, como acontece nas explosões nucleares, alcançando pessoas mais distantes.

Neste caso da Desk, basta que a justiça quebre o sigilo bancário dos que foram flagrados com a mão na massa lamacenta (pedida pelo MP), para que se saiba até onde vão os raios dessa contaminação perversa que, assim como também ocorre com a onda radioativa da bomba nuclear, causa câncer e mata. Se bem que, no caso da Desk, o câncer é a corrupção mesmo, que fere mortalmente a moralidade pública e agride violentamente a sociedade e as autoridades e instituições encarregadas de zelar pelos interesses do povo e de proteger o patrimônio do Estado. A corrupção é um câncer de pele que destrói o tecido social.

COMO A PROFESSORA ARIANE SÁ ENTROU NISSO?

Antes de começar a esmiuçar o caso Desk, o ‘Gilbergate’, ou ’Gibagate’ como o cognomina Rubens Nóbrega, é preciso se fazer uma consideração obrigatória: a professora Ariane Sá, uma das 13 pessoas físicas arroladas como ré na contundente Ação de Improbidade movida pelo MP, foi sempre tida como servidora de conduta moral exemplar e como educadora de reputação acima de qualquer suspeita. Não está fora de cogitação que a professora Ariane Sá tenha sido usada sorrateiramente para permitir as fraudes estúpidas nas licitações de compra de bens de grande valor para a secretaria que dirigiu na Capital, durante o governo de RC e Luciano Agra.

Na ação do Ministério Público, assinada pelos intimoratos promotores Rodrigo Silva Pires de Sá e Ádrio Nobre Leite, está consignado, às fls. 25/26, o seguinte, de forma sintomática: “No que permite ao Contrato nº 162/2010, firmado com a empresa DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda., e, 1º de dezembro de 2010, no valor de R$ 3.086.073.00 (três milhões, oitenta e seis mil e setenta e três reais), embora subscrito pela ex-Secretária de Educação, a demandada Ariane Norma Menezes de Sá, o processo de aquisição que lhe deu causa, tombado sob o nº 2010/105229, tramitou completamente no âmbito da Secretaria Municipal de Administração, sob a batuta do então Secretário da pasta, o ora promovido, Gilberto Carneiro da Gama.”

A AÇÃO JUDICIAL É MINUDENTE, não dá para sintetizar sem prejuízo da compreensão dos fatos. Tentemos explicar a operação criminosa a partir dos procedimentos mais usados pela bandidagem que assombrou os cofres municipais de 2008 a 2010 e principio de 2011 em João Pessoa, cidade onde germinam belas acácias e sobrevoam abutres das rendas públicas. Nesse contrato de R$ 3.086.073.00, veja como foi feita a simulação criminosa, usando outras empresas da máfia para acobertar o processo de licitação.

“Desde o principio o contrato objurgado foi marcado por indícios de irregularidades que, conjugados com outros elementos identificados ao longo de seu tramitar, formam um juízo de certeza de que fora fruto do desejo deliberado dos agentes públicos que nele interviram para, em detrimento do patrimônio municipal, garantir lucro ilícito à empresa DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda., e, por via de conseqüência, aos sócios, pra Suplicados.

Da análise da cópia do processo de compra n. 2010/105229 remetida pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (fls. 1144/1310), percebe-se que, sem qualquer justificativa válida, logo em seu liminar, o procedimento traz a descrição dos produtos que serão adquiridos, segundo as características justamente dos itens constantes na Ata de Registro de Preços n. 123/2009 CCELP-PI, cuja vencedora fora a DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda., ou seja, antes de pesquisa de preços ou de estudo/parecer técnico, os agentes públicos responsáveis pela formatação do aludido processo detalham exatamente os produtos fabricados pela citada empresa, revelando a predileção por sua contratação desde o princípio.

Em passo seguinte, eis que o acoimado Dilson José Leão, ex-Chefe da Divisão de Compras da Secretaria, acosta ao processo 10 (dez) propostas comerciais de empresas diversas. Todavia, em que pese sua intenção de demonstrar a realização de “ampla pesquisa de preço”, muitos desses documentos não têm validade jurídica, enquanto outros, visivelmente viciados, porquanto as empresas supostamente consultadas mantinham vinculação subjetiva, como se verá a seguir.

A proposta comercial da MAXIMA Comércio e Serviço de Reformas em Móveis Ltda., no valor de R$ 3.722.290,00 (três milhões, setecentos e vinte e dois mil, duzentos e noventa reais), por sua estreita relação com a DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda., não tem isenção e, por isso, é imprestável para ser objeto de cotejo. Como se infere do Catálogo de Produtos desta empresa, o endereço da sede da empresa MAXIMA (Rua Vânia Maria A Rodrigues, n.112, Lauro de Freitas-BA) é o mesmo do escritório de representação da DESK no Estado da Bahia. Ademais, Werley Marques de Oliveira Júnior, sócio da MAXIMA, aparece como preposto da DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda. no Pregão Presencial n. 0042/2010-COSEL/EDUCAÇÃO, em Camaçari-BA. Apenas para argumentar, o genitor sócio da MAXIMA, aparece como testemunha do Contrato Social de Constituição da DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda. Por todas essas razões, a proposta da MAXIMA jamais poderia ser confrontada com o orçamento apresentado pela DESK, dada a ligação umbilical entre as pessoas jurídicas.

O orçamento da CONSUMA Comercial Ltda – ME, no total de R$ 3.977.000,00 (três milhões, novecentos e setenta e sete mil reais), embora registrado que fora encaminhado por correio eletrônico, não há comprovação da sua remessa por esse meio. Além disso, não consta a assinatura do seu representante legal, vicio que, somado a divergência do seu conteúdo com o documento (catálogo) que foi acoplado à proposta, bem como da informação colhida no sitio da Receita Federal acerca da sua atividade empresarial, eis que não aparece a venda de mobiliário dentre aquelas enumeradas, conduz a certeza de sua inviabilidade. Facilmente se constata que o catálogo de produtos dessa empresa retrata itens que não guardam o mínimo de pertinência com o objeto da aquisição ora hostilizada, sendo produtos heterogêneos.

Já as proposta da GLOBAL Soluções Empresariais Ltda., no montante de R$ 4.000.405,00 (quatro milhões e quatrocentos e cinco reais), e INCOMEL Indústria e Comércio de Madeira Ltda. EPP, no total de R$ 4.005.000,00 (quatro milhões e cinco mil reais) oferecem produtos da marca NASA, entretanto são imprestáveis porque as empresas são representadas pela mesma pessoa, Leonardo Lins Pereira de Melo Neto. Este é sócio da GLOBAL e gerente da INCOMEL, vinculação que fulmina o conteúdo das propostas.

Interessante destacar, outrossim, que, pesar de saber se tratarem de firmas revendedoras, DIlson Oliveira Leão não se preocupou em instar a empresa fabricante do produto (NASA) que certamente ofertaria preços mais vantajosos. Ressalte-se que as características dos produtos NASA atendiam a necessidade da edilidade, tanto que as propostas de preço da GLOBAL e INCOMEL figuraram no Mapa Comparativo, mas nem por isso a fabricante, repita-se, foi consultada.

A empresa ART MOVEIS (Nadja Pereira Falcone) apresentou o orçamento de R$ 3.906.430,00, sem indicar o fabricante dos produtos. Contudo, ao ser perquirida, declarou, por escrito, em 5 de novembro de 2012, que não trabalha com o material objeto da pesquisa de compra, pairando, portanto, sérias suspeitas sobre a veracidade da sua proposta comercial.

Quanto às propostas das firmas APFORM, ELIZABETA POSSENTI e MIRANTI, embora inseridas nos autos do processo de aquisição, fica evidente que tais documentos não têm validade jurídica, porquanto não subscritos pelos respectivos representantes legais ou mesmo prepostos das empresas. Destaque-se que a proposta da MIRANTI foi supostamente produzida em 11 de novembro de 2010, aproximadamente um mês após o inicio do processo de compra e sem coincidir com as datas inseridas nos demais orçamentos, divergindo também quanto a prática dos demais atos do procedimento. Além disso, as empresas MIRANTI e ELIZABETA pertencem ao mesmo grupo familiar. Ademais, ficou demonstrado que Leandro Possenti integra o quadro social da MIRANTI e é Diretor da ELIZABETA, como demonstra a ata nº 022/2009, do Pregão Eletrônico nº 048/2009 do Ministério Público da União.

Destaque-se, ainda, que no próprio Mapa Comparativo de Preços (fl. 1263), subscrito por Dilson José Oliveira Leão, então Gerente da Divisão de Compras da SEAD, há informes capazes de apontar a ligação entre a MIRANTI e a ELIZABETA POSSENTI, eis que situadas no mesmo endereço e usufruindo do mesmo terminal telefônico.

Há, também, a proposta comercial da NAÇÃO Móveis (fls. 1251/1255), lavrada em 19 de Outubro de 2010, no valor de R$ 3.142.700,00 (três milhões, cento e quarenta e dois mil e setecentos reais) e, por fim, da empresa DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda., tombada sob o n. 0104/10, com preço total de 3.269.123,00 (três milhões, duzentos e sessenta e nove mil e cento e vinte e três reais)5, de 19/10/2010, igualmente sem assinatura do representante legal ou mandatário.

Inusitadamente, eis que surge nos autos uma nova proposta comercial da DESK (fls. 1257/1261), no valor de R$ 3.086.073,00 (três milhões, oitenta e seis mil e setenta e três reais), preço, agora, inferior ao proposto pela empresa NAÇÃO Móveis, estando a redução aplicada nos itens 51 e 52 (quadros brancos de 2m e 3m).

Embora perante esse inúmeros vícios, o demandado DIlson Leão validou pessoalmente os orçamentos e confeccionou o Mapa Comparativo de Preços excluindo, pasme, a proposta comercial da firma NAÇÃO que, como visto, era inferior ao preço inicialmente proposto pela DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda.

Em seguida, com intuito de homiziar a fraude e o direcionamento da compra à empresa DESK, Dilson José Oliveira Leão produz um novo Mapa Comparativo, desta vez inserindo a proposta retificada da mencionada firma, apontando a DESK como a empresa que atenderia de forma mais vantajosa o interesse da edilidade.

É importante lembrar que, embora tenha oportunizado à DESK – Móveis Escolares e Produtos Plásticos Ltda. apresentar cotar novos preços, não concedeu as demais firmas a mesma oportunidade, deixando claro sua intenção de beneficiar a citada empresa que, como visto, tinha oferecido um preço superior ao apresentado pela NAÇÃO Móveis.”

Depois eu conto mais.