Maranhão e o violão

Nonato Guedes

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Governante pode tudo? Nem sempre, até mesmo nas mínimas coisas. A reflexão vem a propósito do estilo de José Maranhão de administrar com mão de ferro. Era conhecida e proclamada sua obsessão pelo controle espartano dos gastos públicos. Na primeira investidura, com a responsabilidade de suceder a Antônio Mariz, que falecera, Maranhão esmerou-se ao máximo para atrair recursos federais, em Brasília. Chegou a abandonar reuniões com representantes do governo FHC ao descobrir que verbas anunciadas para a Paraíba não correspondiam às suas expectativas nem às demandas exigidas pela situação do Estado. Cioso do papel de zelador público, Maranhão praticava a economia de palito. Cortou na carne despesas de custeio, monitorava auxiliares, vivia repetindo que a ordem era apertar os cintos para que não houvesse um desequilíbrio nas contas.

Num dos seus mandatos, fui incumbido de apresentar o programa “Palavra do Governador”, retransmitido por rede de emissoras do interior do Estado. A tônica dominante era a ação administrativa, como de praxe. Mas eu me permitia a liberdade de incursionar por temas polêmicos, geralmente pegando o governador desprevenido. Acho que era a minha formação profissional latente que me conduzia a esses roteiros. Mas havia uma certa ingenuidade de minha parte e desconhecimento, mesmo, dos complexos problemas que envolvem a administração do “mastodonte”, como é chamada a máquina estatal. E também refluía um certo romantismo, uma visão meio piegas sobre o ofício de governar. Entendia, quixotescamente, que, em pequenos casos, envolvendo despesas insignificantes, o governo poderia fazer cortesia com o chapéu do contribuinte.

Deu-se que num dos programas com o governador Maranhão, deparei-me com a correspondência de uma colegial da cidade de Soledade. A jovem dizia ter vocação para a carreira artística e lamentava não dispor de recursos materiais para comprar um violão, o que lhe permitiria ingressar num curso voltado para a especialização de iniciados nesse mister. “Motu próprio”, decidi que era o tipo de correspondência ideal para humanizar a figura do governador e retirar do programa oficial aquela mística austera, solene. Li a carta da colegial, na íntegra. O programa foi ao vivo, transmitido da Granja Santana. Maranhão ficou surpreso e deu a entender que a colocação era impertinente, fugindo do padrão habitual do programa, refletido na prestação de contas do que o governo realizava.

Pediu-me a carta e reagiu: “Fulana, entendo sua vocação e seu desejo de aprimorar-se na carreira. Mas este programa aqui não é a Porta da Esperança, do Sílvio Santos. Se eu lhe disser que vou presentear-lhe com um violão, vai chover pedidos para concessões que não constam da rubrica do Estado. Vou avaliar a possibilidade de lhe dar o violão pagando do meu próprio bolso, porque o Estado não pode bancar esse tipo de solicitação”. Fiquei contrariado, é claro, mas não tinha porque contestar o governador, até porque o programa era dele, e Maranhão enfeixava a chave do cofre. Eu era um mero intermediário. Ainda assim não me dei por vencido. Fui ao “Tamborim de Ouro”, na Duque de Caxias, e comprei um violão para a moça. Ato contínuo, voltei à Granja Santana e repassei ao governador um cartão identificando seu nome, com o pedido de que subscrevesse a oferta. Maranhão continuou jogando duro: “Mas você encasquetou mesmo com essa história?”. Obtida a sua assinatura, pedi-lhe que designasse um motorista para ir a Soledade levar o violão da colegial. Maranhão acedeu, ainda que não totalmente convencido do gesto que eu o estava levando a praticar.Não rompi a amizade com o ex-governador nem deixei de admirá-lo em algumas posições que tomava. Refletindo serenamente, mais tarde, entendi as suas razões e a filosofia que norteava a administração austera. Até hoje não tenho a menor informação sobre o fato da moça ter recebido o violão e que rumo tomou a sua carreira idealizada. A correspondência ficou no arquivo da Granja Santana. Mas me senti feliz por ter cometido um ato de estímulo ao idealismo de uma colegial. Maranhão, decerto, me perdoou. Tanto que me trata efusivamente, sempre que nos encontramos. Mas aprendi a lição: não me meter em certos assuntos de “Estado”. Mesmo que envolvam uma simples doação de um instrumento musical. Afinal, quem ocupa a cadeira do poder é que tem noção nítida do que pode ou deve fazer. O episódio serviu-me de aprendizado, como tudo na vida é útil para o crescimento das pessoas, quando elas se interessam para tanto.