O papa segundo os caminhos de São Francisco

fotoGilvan Freire

É possível que este seja o momento mais importante da Igreja Católica no mundo na era pós-moderna. Parecia improvável, pelos rumos que a Igreja tomou nos últimos tempos, que se descobrisse um papa tão bom, reeditando o perfil de João XXIII, o papa reformador que aboliu o luxo e a suntuosidade da governança papal e decretou que o cristianismo clerical sem voto de pobreza e sem compromisso preferencial com os pobres não tem a menor identidade com Cristo. Ou seja, o Bom Papa João resgatou o cristianismo original, depois de séculos de desvirtuamentos e práticas pouco cristãs da Cúria Romana, envolta há tempos em disputas entre grupos cardinalícios, desvio de conduta sacerdotal, atraso na interpretação dos fenômenos sociais da evolução humana, manipulação de recursos financeiros da rede mundial de fiéis solidários, e em fazer uso de uma linguagem descompassada com a nova realidade dos povos.

Quando uma instituição voltada à doutrinação de 1/5 da população do planeta, tendo a tradição histórica que tem o cristianismo (com mais de dois mil anos de existência) chega a esse grau de deterioração, só a intervenção do Espírito Santo pode salvá-la. João XXIII, em meados do século passado (1958 a 1963), foi o enviado do Espírito Santo para salvar uma Igreja à beira do abismo, incapaz à época de proteger-se das tentações dos demônios externos e internos e ausente no destino dos excluídos e oprimidos de todas as latitudes da Terra.

APÓS JOÃO XXIII, o papa que levou o mundo católico a fazer uma autocrítica de sua religiosidade sem compromisso social, meramente de aparências, templária em sua exibição mas desprovida de ideal transformador, a Nova Igreja reencontrou-se em João Paulo II, talvez o maior símbolo de apóstolo e servo cristão dos últimos séculos, cuja vida, pelo exemplo marcante de devoção e sacrifício, foi mais construtivo para a disseminação da fé e para a evangelização do que dezenas de outros papas juntos noutros tempos.

De outros tantos, inclusive de Bento XVI, o mundo não precisa se lembrar, a não ser de que ele foi consciente de suas limitações humanas (que não as mistificou como coisas sagradas ou divinas) e advertiu-se a tempo de que não tinha capacidade de estancar as sangrias morais que se desatavam nas proximidades do trono romano ocupado por um discípulo de Jesus. A sua renúncia foi um gesto de fraqueza mais do que de humildade, mas equiparam-se pela honestidade de propósito e pelas mudanças urgentes que haveria de gerar. Em meio aos desmandos e descaminhos de seu papado, perdido e desgovernado como um trem de ladeira abaixo sem maquinista, sobrou a segunda intervenção do Santo Espírito de Deus, nesses cinqüenta e poucos de João XXIII para cá, capaz, novamente, de salvar o cristianismo católico do êxodo, do fracasso e do abismo.

O novo papa, melhor algumas vezes do que se fosse Dom Odilo Scherer, do ponto de vista do exemplo pessoal de vida modesta e devoção pastoral, da significação do poder da simplicidade, do despojamento, da humildade e da dedicação aos pobres como alvo da religião e da evangelização cristã, é a volta da Igreja Católica ao regime de comunhão plena da autoridade papal com os fiéis, em que o exemplo pontifical educa tanto ou mais do que as encíclicas vaticanas. Agora, sim, habemus papa.

Os católicos devem desejar vida longa ao servo entronado, que já disse a que veio: – “aos pobres justiça, pão e trabalho”. Que suas palavras germinem e não sejam em vão perante os pecadores políticos do mundo, para que se redimam de suas desatenções aos pobres e de sua capacidade de usá-los em proveito próprio.