Dilma não viu bichos morrendo. Viu Lagoa Seca

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Gilvan Freire

A experiência que a presidente Dilma viveu na Paraíba nesta segunda 4, foi memorável. Somente quando for apeada do poder ela compreenderá a diferença entre ser e não ser amada pelo universo político – um aglomerado móvel que tanto celebra efusivamente a coroação dos reis como não comparece ao seu velório depois que perdem o trono. Por enquanto, a poderosa Dilma está em estado de graça: todos os cortesões do reino lambem seus sapatos e espiram a poeira para que fiquem limpos e reluzentes. Alguns aguardam um aperto de mão, um abraço ou um simples aceno para usar como ingresso quando tiverem de visitar o Céu. Mais do que adoradores de santos vivos, são fiéis ao oficio e devotos do sacrifício da santa obediência incondicionada e da autoflagelação moral. Se escravizam publicamente e não sentem nada – não padecem da dor da humilhação que outros seres comuns sentiriam se fossem flagrados cheirando as meias de deuses inventados.

Dilma está feliz. Entregou casas populares de outro governo e foi aclamada pela multidão composta dos beneficiários e suas famílias, com direito a passar a imagem falsa de que era a Paraíba toda que estava lhe aclamando. Para cada casa 10 palmas de quem a recebia, e isso já seria suficiente para endeusar Dilma em seu palanque de reeleição. A presidente diria mais tarde, noutro ambiente menos recheado de pobres e mais repleto de submissos, que em eleição pode se fazer o diabo, uma obviedade quando se trata do modelo de reeleição do Brasil, e uma confissão explicita de que só o diabo tem a ver com esse antro de promiscuidade e pecados morais inconfessáveis e imperdoáveis. Mas ela está adorando.

Imagine-se que alguém possa ter perguntado à presidente depois da viagem: – E ai, presidenta, viu a seca? E ela poderá dizer, sem remorso e sem culpa assumida: – É, não vi bicho nenhum morrendo, mas fui à Lagoa Seca. Ali vi muita gente em festa, alegre como se não tivesse problema, e havia fartura como os manjares dos deuses.

De fato, foi isso que Dilma viu e o que queria ver. Ela não merece ser molestada em seu castelo de fantasias visitando a parte do país onde seu governo não chega para socorrer homens e animais destroçados por um cataclisma natural inventado por um Deus que não tem assento em aposentos palacianos na terra. Esse Deus que cuide dos problemas que criou, porque ela, Dilma, já tem os seus, que não são poucos, entre os quais o de resolver uma eleição próxima fazendo coisas do diabo.

Os asseclas do poder fizeram uma muralha de proteção para que Dilma não olhasse o cenário desolador do semi-árido inóspito. Entreteram-na com palmas de auditório encomendadas e com iguarias especializadas e palavras cuidadosamente selecionadas para lhe afagar o espírito e o temperamento sabidamente ríspido que, ainda assim, manifestou-se diante de uma cobrança legitima de um representante político local, o Major Fábio, que aprendeu ali a não provocar a biles de uma deusa de laboratório.

No vexame que levou a Paraíba toda a sentir-se envergonhada depois da visita, quando se descobriu que o povo não tem líderes sequer capazes de honrar os trajes que vestem, tamanho o servilismo e puxassaquismo que fez o cortejo da dama de ouro intocável e surda ao clamor das vítimas da seca, pelo menos Trocolli Jr. e Anísio Maia quebraram a monotonia da bajulação e gritaram algo que ela já não estava entre nós para ouvir. Não foi em vão. Agora, só o futuro poderá ser testemunha da nossa falta de sorte. O presente está perdido. Irremediavelmente perdido.