O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) na Paraíba e o Conselho Estadual dos Direitos do Homem e do Cidadão da Paraíba (CEDDHC-PB) ajuizaram ação civil pública com pedido de liminar contra o estado da Paraíba e a União, pelo desrespeito aos direitos humanos fundamentais dos detentos recolhidos à Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, conhecida como Presídio do Róger, no município de João Pessoa (PB). A ação prevê, inclusive, a interrupção provisória ou definitiva do funcionamento do presídio.
Na ação, o Presídio do Róger é equiparado a um verdadeiro “matadouro humano” em razão das condições desumanas de superlotação que “resultaram ao longo de sua triste história em diversas chacinas, na última das quais, ocorrida em 2009, 15 presos foram queimados vivos, e outros resultaram terrivelmente lesionados para toda a vida, sendo, inclusive, muitos dos vitimados presos provisórios, já que o presídio é o depósito cruel para onde são enviados aqueles que ainda sequer foram considerados culpados de forma definitiva pelo poder Judiciário”.
Além desses episódios de massacres e chacinas, e de rebeliões quase mensais, ordinariamente morre pelo menos uma pessoa por mês no Presídio do Róger. Conforme constatado por inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 28 mortes ocorreram nos últimos 18 meses na penitenciária. Esse número de mortes é dez vezes superior às mortes que ocorrem no Presídio Central de Porto Alegre, o maior presídio da América Latina, considerado como o pior presídio do país pela CPI do sistema carcerário.
Outro objetivo da ação é exigir do estado a demonstração cabal de adequação às normas da Lei de Execução Penal (LEP), notadamente quanto ao aspecto da superlotação carcerária, como pré-requisito para a transferência de verbas federais oriundas do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) à Paraíba, no âmbito de qualquer unidade prisional estadual.
Na ação, argumenta-se que o estado da Paraíba e a União são indiferentes aos dados dos relatórios, inspeções e às correntes notícias sobre superlotação, condições indignas de sobrevivência, rebeliões, homicídios, torturas e todo o tipo de barbárie naquele estabelecimento. Relatórios elaborados após visitas do CEDDHC-PB ao presídio, apesar de divulgados na internet e encaminhados ao governo da Paraíba, não receberam qualquer resposta quanto ao cumprimento dessas recomendações.
Os dados apresentados na ação foram coletados através do Inquérito Civil Público nº 1.24.000.000887/2008-12, instaurado pela Procuradoria da República na Paraíba para acompanhar o cumprimento do Plano Diretor do Sistema Penitenciário do estado. Também serviu como base para a ação civil pública o relatório do II Mutirão Carcerário na Paraíba, realizado pelo CNJ, após inspeção nas entidades prisionais, além dos relatórios de visitas realizadas pelo CEDDHC-PB em 20 de maio de 2009, 9 de novembro de 2010 e 6 de dezembro de 2010.
A ação, ajuizada em 30 de maio de 2011, foi assinada pelo procurador da República Duciran Van Marsen Farena, que também é presidente do CEDDHC-PB, e pelo defensor público federal Daniel Teles Barbosa.
Pedidos liminares
Na ação civil pública pede-se que a Justiça Federal conceda liminar para determinar que o estado da Paraíba, por meio da Secretaria de Cidadania e Administração Penitenciária (Secap) e a União, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apresentem, no prazo de 20 dias, cronograma de transferência de, pelo menos, metade dos internos do Presídio do Róger para outras unidades prisionais, inclusive para o presídio federal mais próximo, se necessário, de sorte a compatibilizar o número de detentos na unidade com sua capacidade, que não ultrapassa 480 pessoas, mantendo este número como máximo de presos ali internados.
Após a transferência, a ser concluída em até 15 dias da apresentação do cronograma, a Justiça deve determinar que seja vedado o ingresso de novos detentos, provisórios ou definitivos, até que haja demonstração cabal pelo estado da Paraíba do cumprimento de vários itens.
Entre eles, que o estado encaminhe equipe, composta de engenheiros, com a participação do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-PB), bem como de integrantes do Corpo de Bombeiros, para que indique as obras necessárias para recuperar, reformar e, se for o caso, ampliar o prédio do presídio. A equipe fará uma avaliação completa da estrutura da edificação e suas instalações, inclusive elétricas e hidráulicas, notadamente quanto aos pavilhões; da conveniência de construção de novos pavilhões e outras áreas; e das condições de segurança, de salubridade predial e de combate a incêndios em todos os recintos da edificação do Presídio do Róger.
Liminar – estrutura do presídio
O estado, alternativamente, poderá, no mesmo prazo, apresentar proposta de construção de nova unidade prisional, por meio de memorial descritivo, mantendo-se a interdição do ingresso de novos internos ao Róger até que as reformas previstas no relatório estejam finalizadas ou o novo presídio esteja concluído e apto a receber os detentos.
Também pede-se em caráter liminar que a Justiça determine que o estado da Paraíba, em 30 dias (contados do prazo para apresentação do relatório estrutural mencionado anteriormente), dê início às obras de recuperação do presídio, que deverão estar inteiramente concluídas no prazo de 120 dias, se não optar pela construção de outro presídio, caso em que não poderá receber novos detentos até a conclusão do novo estabelecimento.
Os autores pedem que a Justiça Federal ordene, no caso de descumprimento das medidas acima, a interdição completa da unidade prisional e suspensão de todos os repasses federais do Depen destinados ao estado da Paraíba, multa diária R$ 1 mil por descumprimento, bem como multa pessoal à autoridade responsável de R$ 50,00 por dia de descumprimento.
Liminar contra a União e inspeção judicial
Pede-se que a Justiça Federal determine que a União, através do Depen, no prazo de 30 dias, exija como pré-requisito para a transferência de verbas federais oriundas do Funpen à Paraíba, o cumprimento das determinações da ação civil pública, sob pena de multa diária, no valor de R$ 1 mil por descumprimento.
A União deve ainda, por meio de seus órgãos Depen – CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), encaminhar imediatamente equipe para realizar inspeção no Presídio do Róger, a fim de verificar o descumprimento total da LEP, encaminhando relatório ao juízo no prazo de 30 dias.
Requer-se também que a Justiça determine à União, por meio de seus órgãos de controle interno, o acompanhamento concomitante da execução das medidas que houverem de ser adotadas em razão desta ação, com recursos do Funpen. Foi pedido ainda que se marque data para inspeção judicial no Presídio do Róger, juntamente com os autores e os representantes dos réus, inclusive com o secretário de Administração Penitenciária da Paraíba.
Liminar – assistência material, social e saúde
Ainda na lista de pedidos liminares, os autores da ação pedem que a Justiça Federal ordene que o estado apresente, também em 30 trinta dias, cronograma para regularizar problemas verificados na área de assistência material, como adequação das instalações higiênicas e elétricas das celas, número de camas compatíveis com o número de detentos em cada cela, fornecimento de vestuário digno, material de higiene pessoal e regularização de horário de alimentação.
Também pede-se a designação de equipe médica, odontológica, além de diagnóstico de doente mental e transferência ao estabelecimento apropriado, separação de apenados jovens dos idosos, regularização de atendimento farmacêutico, bem como a realização de cirurgias plásticas nos detentos mutilados pelo incêndio de 2009 no presídio, além de assistência social (serviços previstos no artigo 23 da LEP).
Liminar – assistência ao preso e família
Igualmente figura na lista de pedidos liminares a assistência jurídica (disponibilização de área para parlatório, instalação de sala própria para a Defensoria Pública e determinação de comparecimento diário de defensor público no presídio, implantação de terminais de computadores destinados à atualização constante dos dados do sistema de informações penitenciárias – Infopen).
Pede-se também a instalação de biblioteca, pagamento regular das remunerações dos detentos que laboraram e regularização perante a Previdência Social. Já no tocante à classificação dos presos, pede-se que seja proibido o encarceramento de presos definitivos no Presídio do Róger, destinando-o apenas a detentos provisórios. Pede-se ainda que sejam separados presos reincidentes de primários.
Sobre a prestação da assistência à família do preso e ao egresso, pede-se a implantação de espaços específicos e com infra-estruturas necessárias às assistências médica e social às famílias dos encarcerados e aos egressos, bem como a realização de palestras e encontros para orientar a família para receber o preso.
Liminar – integridade física
Quanto à preservação da integridade física e moral dos familiares dos presos, requer-se a eliminação da prática indiscriminada da revista íntima em mulheres e crianças visitantes, realizando-a somente nos termos e condições da Lei Estadual nº 6.081, de 18 de abril de 2000.
Para o aparelhamento das estruturas de serviços essenciais do estabelecimento, pede-se que seja elaborado projeto com vistas à aquisição de equipamentos de segurança, de veículos para transporte de presos, de detectores de metais portáteis, de aparelhos de raio-x e de equipamentos de apoio à atividade de inteligência penitenciária.
Pede-se ainda, em caráter liminar, que para a designação do cargo de diretor do Presídio do Róger, seja nomeada pessoa que atenda aos requisitos contantes no artigo 75 da LEP, notadamente quanto à exigência de formação em curso superior e que o estado da Paraíba abstenha-se de aplicar qualquer penalidade disciplinar a detento do Róger sem a documentação respectiva, inclusive com a oitiva prévia do infrator, com definição da penalidade a ser aplicada e sua duração, ficando esta documentação acessível aos órgãos oficiais de monitoramento, enquanto não aprovado o regulamento disciplinar do sistema carcerário estadual.
Pedidos definitivos
No julgamento definitivo da ação, os autores pedem que a União seja condenada a ressarcir metade dos custos que o estado da Paraíba tiver com as determinações da presente ação, tendo em vista a responsabilidade solidária pela situação carcerária no Presídio do Róger. Pede-se também condenação em danos morais, em valor a ser estipulado pela Justiça, que serão revertidos ao Fundo de Defesa dos Interesses Difusos para aplicação em projetos de assistência e capacitação profissional de detentos.