Ainda vivíamos o período sombrio da ditadura militar, quando Guilherme Arantes compôs “Amanhã” (1977). É uma canção de esperança nos dias melhores que viriam apesar dos pesares. Uma proclamação de otimismo no futuro, embora o momento fosse de apreensão e incertezas.
“Amanhã!/Será um lindo dia /Da mais louca alegria/Que se possa imaginar”. Era o sonho de todo brasileiro, ver o amanhã cheio de alegria; sair daquele estado de medo, opressão, falta de liberdade, em que estávamos mergulhados. “Será um lindo dia”, um futuro em que ele acreditava ser completo de tranquilidade, alegria, independência. Tudo o que pudesse imaginar como motivo de contentamento era idealizado.
“Amanhã!/Redobrada a força/Prá cima que não cessa/Há de vingar”. Procurava injetar ânimo, coragem, entusiasmo, para a construção do “amanhã”. Essa força haveria de vingar, redobrada, com todo ímpeto de destemor, para enfrentar os perigos, as ameaças, as pressões, que a ditadura estava impondo à nossa gente.
“Amanhã!/Mais nenhum mistério/Acima do ilusório/O astro rei vai brilhar”. A confiança de que os mistérios desapareceriam, os segredos de interesse do governo de força, ora instalado no país, seriam desvendados. Um novo sol voltaria a brilhar em nossa terra, claro, transparente, sem enganações ou falsas propagandas.
“Amanhã!/A luminosidade/ Alheia a qualquer vontade/Há de imperar”. Acreditava que não haveria força que impedisse essa “luminosidade” que estava por vir. O subjugo do poder e da violência estaria por se findar. Não poderia mais continuar prevalecendo a força de uma minoria, em detrimento dos desejos de todo um povo.
“Amanhã!/Está toda a esperança/Por menor que pareça/Existe e é pra vicejar.” Carregava nesses versos toda a sua crença em dias melhores. Alimentava a expectativa de que a “esperança, por menor que parecesse”, seria regada, e cresceria junto com a disposição de promover a conquista da liberdade, a volta da democracia.
“Amanhã!/Apesar de hoje/Será a estrada que surge/Pra se trilhar”. Estimulava que ninguém deveria se abater com as dificuldades que nos eram estabelecidas; que não deveriam se intimidar com as bravatas do governo; que não deveriam se acovardar diante dos abusos de autoridade e da tirania. Porque só assim o caminho que queríamos percorrer livremente seria construído.
“Amanhã!/Mesmo que uns não queiram/Será de outros que esperam/Ver o dia raiar”. Volta a manifestar a certeza de que a energia de uma maioria haveria de vencer as arbitrariedades de uns poucos. A pujança entusiasmada dos que queriam ver um “novo dia raiar”, fortaleceria a luta contra os poderosos de plantão.
“Amanhã!/Ódios aplacados/Temores abrandados/Será pleno! Será pleno!”. O clima de odiosidade, de perseguições, de torturas, de sanha, estaria próximo de ter seu fim. E assim não viveríamos mais o ambiente carregado de medo, esse clima de pavor, esse estágio de intranquilidade. Alcançaríamos um tempo de paz, de congraçamento fraterno entre todos os brasileiros, de respeito aos direitos humanos, de justiça social, de entusiasmado sentimento de amor à pátria. “Será pleno!”, completo de felicidades.
A letra dessa canção voltou a ser atual. A interpretação de cada verso injeta ânimo para o enfrentamento dos que insistem em matar a democracia em nosso país. Como diz Chico Buarque: “Esse silêncio todo me atordoa, e atordoado eu permaneço atento”. “Sonhar um sonho impossível… Lutar, onde é fácil ceder… Vencer o inimigo invencível… Negar quando a regra é vender… Romper a incabível prisão… Voar, no limite improvável… Tocar o inacessível chão”. Guilherme e Chico Buarque nos fazem acreditar que é importante lutar e de que a tempestade momentânea pode se tornar um vento arejante, desde que estejamos dispostos a enfrentá-lo. Ainda que pareçamos inertes, permaneçamos atentos, porque “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Polêmica Paraíba