A aliança entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, um ex-tucano que virou filiado do PSB, ainda provoca discussões polêmicas diante do histórico de embates e fortes divergências entre os dois homens públicos. “É um casamento de conveniência”, atacou a revista “Veja” em matéria de capa, resgatando a narrativa de contradições, divergências regionais e dúvidas sobre o real impacto dessa união na eleição presidencial prevista para outubro. Não faltou, na reportagem, a recapitulação de ataques. Alckmin sobre Lula, em 2017: “Depois de ter quebrado o Brasil, ele diz que quer voltar ao poder. Ou seja, quer voltar à cena do crime”. Lula sobre Alckmin, em 2014: “Não é à toa que tem apelido de picolé de chuchu. É insosso, como se fosse comida sem sal. Nunca responde por nada”.
Avalia-se que os embates duríssimos entre Lula e Alckmin ocorreram nas eleições de 2006, quando disputaram o segundo turno, vencido pelo petista. Mais recentemente, Geraldo Alckmin engrossou o coro de “fora, Dilma”, na época do impeachment, e não poupou Lula nos escândalos do mensalão e do petrolão. A conveniência agora do casamento político deixou esse histórico em segundo plano. A ação feita para aproximar ambos tem, de fato, profundo simbolismo. Segundo a “Veja”, ao atrair um político ligado ao centro, com boa penetração na centro-direita, Lula manda uma mensagem de que não voltará ao Planalto numa encarnação vingativa. Ao mesmo tempo, ele afunila e dificulta o surgimento de um nome que possa agregar eleitores de terceira via, gente que não gosta muito dele mas odeia ainda mais a personalidade instável, atabalhoada e muitas vezes antidemocrática de Jair Bolsonaro.
Foi em torno da ideia de “concertação política” para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo que Lula e Alckmin arquivaram ressentimentos e acusações. Ainda que seja uma aliança de ocasião, a aliança é vista por alguns políticos e analistas como a concretização de uma aproximação com 28 anos de atraso. Nos anos que antecederam as eleições de 1994, Lula e o então presidente do PSDB, Tasso Jereissati, eram cotados como uma chapa ao Palácio do Planalto, movimento de unificação da centro-esquerda no país que jamais se concretizou. Dali em diante, embora os governos FHC e Lula tenham tido entre si alguma continuidade, com estabilização da moeda e distribuição de renda, os dois partidos estiveram sempre em polos opostos até 2014. O arrebatamento da direita por Bolsonaro em 2018, acrescenta “Veja”, limou do PSDB, mais precisamente de Alckmin, candidato tucano naquele ano, boa parte do eleitorado.
Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, há outros contornos simbólicos que precisam ser levados em consideração na exegese da união “Lulalckmin”, como está sendo chamada. Ele explica: “Alckmin não é a liderança arrebatadora que trará milhões de votos, mas é um sinal de que Lula não teria um governo de esquerda e, sim, bastante moderado”. Em certos aspectos, a parceria remonta a complexas obras de engenharia política do passado, como a aliança entre Tancredo Neves, líder do então PMDB, oposição à ditadura, e José Sarney, que era do PDS, partido originado da Arena, na eleição indireta de 1985, e a coligação entre PSDB e PFL, também herdeiro da Arena em 1994 e 1998. O cientista Bolívar Lamounier diz que a aliança com Alckmin lembra a Carta aos Brasileiros, ou aos banqueiros, de 2002, assinada por Lula para tranquilizar o mercado ante a sua iminente eleição. Alckmin, por sua vez, dá o troco ao PSDB e a João Doria por terem inviabilizado sua tentativa de voltar ao governo paulista este ano, sendo preterido por Rodrigo Garcia.
Cabe lembrar, no contexto da superação de divergências e da aproximação entre Lula e Alckmin, um encontro simbólico muito forte que ocorreu entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, depois que o líder petista deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Fernando Henrique chegou a dar declarações elogiosas sobre Lula, admitindo, até mesmo, a hipótese de votar nele num segundo turno contra Jair Bolsonaro. O grande passo se deu, porém, segundo a “Veja”, numa conversa de Lula com o ex-governador de São Paulo, Márcio França (PSB) em outubro do ano passado. Ele propôs que Lula pensasse não no nome de um empresário para vice, mas de um político do Sudeste, dada a importância eleitoral da região, que tivesse características diferentes das de Lula. França disse, então: “Há um nome que está disponível e que ninguém nunca pensou”. Foi quando sacou o nome de Geraldo Alckmin. Lula não demorou três segundos para falar: “Me dá o telefone dele”.
As coisas andaram, então. A saída de Alckmin do páreo ao governo de São Paulo também facilitaria o escoamento de outras pretensões colocadas na mesa, como as do próprio Márcio França e a do ex-prefeito Fernando Haddad. Entrou no circuito das articulações o escritor Gabriel Chalita, amigo comum de Lula e Alckmin, e o discurso foi ajustado em torno da reconstrução do campo democrático contra o presidente Jair Bolsonaro. O passo seguinte foi a filiação de Geraldo Alckmin ao PSB, que está no campo político do líder petista. Em tese, não há possibilidade de recuo no “casamento de conveniência” já celebrado. O que alguns expoentes petistas estão estranhando é a demora do ex-presidente Lula em ganhar as ruas, botando o bloco contra Bolsonaro. Mas as pressões já começam a ser feitas de dentro do próprio PT, preocupado em ocupar espaços com rapidez para deter a ofensiva que Bolsonaro e seus aliados tentam executar para permanecer no poder.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Polêmica Paraíba