Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura tinham em um hotel de Brasília uma espécie de QG para negociação de liberações de recursos federais do MEC (Ministério da Educação). Ali, ambos recebiam prefeitos e assessores municipais.
O local era também frequentado por servidores da pasta, de acordo com relatos colhidos pela Folha com frequentadores e funcionários.
A assiduidade dos pastores em Brasília era tão grande que vários funcionários do hotel Grand Bittar conheciam os dois, sabiam suas preferências (Arilton sempre tomava café da manhã com cuscuz e ovo frito) e estavam acostumados a presenciar um ritmo forte de encontros e negociações.
A Folha revelou na segunda-feira (21) áudio em que o próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelo pastor Gilmar Santos —Arilton Moura trabalha para Gilmar e estava na reunião em que o ministro deu as declarações.
Milton Ribeiro diz no áudio que a prioridade aos “amigos do pastor Gilmar” atende solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele ainda menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas.
Apesar de não ter cargo no governo, ambos intermediavam liberações de recursos do MEC para municípios e tinham influência na agenda do ministro da Educação. A existência desse grupo foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, que também publicou que um prefeito recebeu o pedido de 1 kg de ouro em troca de intermediação junto ao MEC, informação que a Folha confirmou com testemunhas.
As conversas com prefeitos ocorriam em uma mesa no lobby do hotel ou no restaurante, no mezanino. Em 15 de abril, os pastores participaram de evento no MEC, em posição de destaque ao lado do ministro e, no mesmo dia, negociaram obras de educação com gestores no Grand Bittar.
O prefeito de Anajatuba (MA), Helder Aragão (MDB), esteve no MEC em 15 de abril e se encontrou com o pastor Arilton no hotel. O município, de 27 mil habitantes, por exemplo, teve seis obras empenhadas —a prefeitura nem sequer comprou os terrenos. Aragão nega ter negociado com os pastores.
Em 5 de janeiro deste ano, o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o ministro direto do apartamento dele em Brasília. Calvet falava em “tratar de liberação de recursos”.
O encontro na residência do ministro foi intermediado pelos pastores. Eles também o receberam na noite do mesmo dia 5 de janeiro no hotel, logo após a visita ao ministro.
O Grand Bittar fica no Setor Hoteleiro Sul, em Brasília. O local já apareceu no noticiário em 2005 como QG de outro escândalo: era em um dos apartamentos do hotel que havia distribuição de dinheiro no chamado mensalão, escândalo que atingiu o governo do PT.
Além de se envolver pessoalmente com os pastores, o ministro destacou um assessor especial do MEC para estreitar os laços com ambos. Trata-se de Odimar Barreto dos Santos, pessoa de confiança de Ribeiro e pastor da mesma igreja comandada pelo ministro em Santos (SP).
Prefeitos e assessores relataram à Folha que Barreto Santos distribuía, inclusive na recepção do hotel, cartões com logotipo do MEC, mas com contatos pessoais de telefone e email. A reportagem teve acesso ao cartão após ele entregá-lo a um gestor municipal no hotel.
Os funcionários do hotel lembram-se de Barreto Santos por causa da quantidade de vezes que ele ia ao local. A reportagem entrou em contato no número que consta no cartão. Ele atendeu, mas desligou em seguida e também não respondeu aos questionamentos enviados.
Barreto Santos chegou ao governo pelas mãos de Ribeiro em setembro de 2020. Ele teve sua exoneração publicada na sexta-feira (18), o que causou estranheza dentro da pasta por causa da confiança entre os dois.
O desligamento ocorreu em edição extra do Diário Oficial da União: no mesmo dia em que as primeiras informações sobre a atuação de pastores vieram à tona na imprensa.
Outro personagem recorrente no hotel é Luciano Freitas Musse, um advogado próximo dos pastores e que foi nomeado gerente de projetos do MEC em abril do ano passado. Antes, ele integrava a comitiva dos religiosos e esteve em ao menos três encontros oficiais com o ministro Milton Ribeiro.
Um assessor que trabalha para vários municípios da região norte relatou sob anonimato que, na viagem que o ministro fez a Centro Novo (MA), achou que Luciano Freitas Musse ainda trabalhava para os pastores e não para o MEC.
A pasta foi questionada sobre a atuação de Musse no ministério e sua relação com os pastores, o motivo da demissão de Odimar e as movimentações no hotel. No entanto, não respondeu.
Funcionários, assessores municipais e prefeitos relatam que a influência dos pastores no MEC era conversada com naturalidade no lobby do hotel. Gilmar e Arilton contam ainda com uma espécie de secretária em Brasília.
Nely Carneiro da Veiga Jardim já esteve no gabinete do ministro com o pastor Arilton em ao menos uma ocasião. A Folha ouviu relatos de que Nely chegava a abordar assessores e prefeitos no lobby para apresentá-los aos pastores e às facilidades que eles prometiam. Ela também falaria em nome do MEC para gestores, segundo reportagem da TV Globo da última semana.
Em 16 de fevereiro deste ano, ela e Musse almoçaram com os pastores e políticos no restaurante Tia Zélia, em Brasília. Nely foi procurada, mas não respondeu à reportagem.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura também não responderam. Eles negam negociar recursos do MEC com prefeituras.
A reportagem também questionou a gerência do hotel Grand Bittar sobre as imagens de circuito interno. A empresa não respondeu.
O MEC atravessa uma crise desde que a Folha revelou o áudio em que o ministro fala da prioridade que os amigos do pastor têm na pasta.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a atuação de pastores. Em outra frente, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia autorizou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) abrisse um inquérito sobre Milton Ribeiro.
Há pressão entre parlamentares, inclusive os da bancada evangélica, pela demissão de Ribeiro. O presidente Bolsonaro tratou do tema em uma de suas live e disse que botaria a “cara toda no fogo” pelo ministro.
Em entrevistas, o ministro negou que haja irregularidades. Ele ainda disse que recebeu denúncia sobre a atuação dos pastores em agosto passado, quando diz ter enviado um ofício para a CGU (Controladoria-Geral da União). A Folha mostrou que, mesmo após o mês de agosto, os pastores continuaram a ser recebidos pelo ministro.
Os recursos negociados pelos pastores são de responsabilidade do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O órgão, ligado ao MEC, é controlado por políticos do centrão.
O FNDE é presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-assessor de Ciro Nogueira (PP-PI). Nogueira é um dos líderes do centrão e atual ministro da Casa Civil.
A Folha mostrou que, sob Ribeiro e o centrão, o FNDE virou um balcão político. Dados oficiais mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados.
Fonte: Folha
Créditos: Polêmica Paraíba