Um protesto inusitado

Nonato Guedes

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Altimar de Alencar Pimentel (foto), no volume II do seu livro sobre Cabedelo, destaca as perseguições sofridas por portuários, induzidas por apontadores e prepostos dos administradores do Porto paraibano na vigência do regime militar que se instaurou no país em 1964. Uma inusitada forma de protesto ocorreu logo depois da deflagração do movimento que afastou os civis dos centros de decisão. O portuário Cícero de Lima passou a andar nu, da cintura para cima, com uma gravata vermelha atada no pescoço a qualquer hora do dia ou da noite. A pé, ou de bicicleta, ele percorria as ruas de Cabedelo em seu protesto silencioso. E se alguém lhe perguntava sobre o motivo daquele comportamento, respondia: “Só tiro essa gravata quando Castelo Branco morrer”. E cumpriu a promessa, usando a gravata até o dia em que, já fora da presidência da República, o marechal cearense faleceu vítima de desastre aéreo.

Castelo Branco chegou a visitar o Porto de Cabedelo em companhia do então governador João Agripino Filho, como se comprova em fotografia publicada na página 255 do livro de Altimar Pimentel. O primeiro presidente do regime militar foi recebido pela juíza Helena Alves de Souza e pelos vereadores Messias Pessoa, Luís de Moraes Fragoso e Antônio Otávio. De acordo com Altimar, o governo que sucedeu ao deposto presidente João Goulart atacou o setor que lhe parecia mais passível de resistência, interferindo diretamente nas administrações portuárias, para as quais nomeou militares que agiram com mão de ferro. Houve uma série de prisões e perseguições contra líderes sindicais dos trabalhadores do cais, enquanto, em paralelo, estimulou-se o transporte rodoviário em detrimento do transporte sobre águas, mais barato e preferido em todo o mundo. O objetivo era, naturalmente, o de esvaziar um segmento conhecido pela sua capacidade combativa.

Os sindicatos cabedelenses enfrentaram drástica queda em seus quadros de associados porque a oferta de trabalho já não comportava o número existente de 1964. Embora não houvesse registro de atuação de comunistas infiltrados no Porto paraibano, um coronel chegou ao Sindicato da categoria dos trabalhadores com a missão clara de promover intimidação. Muitos portuários se aposentaram com um salário de miséria. Os intermediários do administrador do Porto cometeram abusos extemporâneos. “Nem porta de armazém era aberta para sair a poeira, nem água do filtro o portuário podia tomar”, relata Altimar Pimentel. Ele observa que Porto natural da Paraíba já o era Cabedelo antes mesmo da posse da terra e da sua colonização pelos portugueses. O fato de a capital da Paraíba não ter sido fundada no litoral, como as demais da mesma época, dificultou a defesa do território contra a invasão holandesa e a preferência pelo Porto do Varadouro, que teve sua construção iniciada em 1862.

Apesar dos investimentos feitos no Porto do Varadouro, em 1864, quando ainda não tinham sido concluídas suas obras, os engenheiros Charles Neate e André Rebouças apresentaram ao governo imperial um projeto de porto na enseada de Cabedelo, considerada “em condições excelentes para a realização de um ancoradouro transatlântico”. Rebouças divulgou artigos no jornal “O Publicador”, comparando as condições naturais do Porto de Cabedelo com outros ancoradouros nacionais e estrangeiros, pondo em evidência as suas vantagens em relação até ao Porto do Recife e assinalando que ele seria, futuramente, a estação marítima do maior caminho-de-ferro interoceânico da América do Sul. O entusiasmo de Rebouças por Cabedelo foi tamanho que ele pretendeu aplicar seus próprios recursos na construção do Porto. O interesse suscitado originou a aprovação de uma Lei pela Assembléia Legislativa em 1864, autorizando uma companhia particular a levar a efeito a obra, sem ter havido quem a tanto se dispusesse. Por todo o restante do regime monárquico, que durou ainda 25 anos, nada mais foi feito no Varadouro ou no sentido da construção de um ancoradouro em Cabedelo. Um ano depois de proclamada a República, um decreto federal dividiu o litoral brasileiro em seis Distritos Marítimos e criou em cada um deles uma Inspetoria Especial para serviços de melhoramentos de respectivos portos e canais. Em 1901, foi comunicada a instalação do órgão na povoação de Cabedelo.

Hoje, a conjuntura é diferente, naturalmente. O protesto da gravata não subsiste mais. Entretanto, os desafios são mais complexos, voltados para a sobrevivência do Porto de Cabedelo no contexto da competitividade moderna, em que outros atracadouros levam vantagem indiscutível por terem sido equipados para essa fase de evolução.