A frustração do poeta

Nonato Guedes

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Augusto dos Anjos, o celebrado poeta do “EU”, teria ficado frustrado por não ter sido político na Paraíba? Pelo menos foi o que insinuou o historiador Marcus Odilon Ribeiro Coutinho num discurso pronunciado quando era deputado estadual pelo PMDB, em sessão da Assembléia Legislativa no dia 29 de maio de 1984, dentro das comemorações do centenário de nascimento de Augusto. De acordo com Marcos Odilon, que concluiu recentemente mais um mandato como prefeito de Santa Rita, “Augusto dos Anjos foi triste exatamente porque, na época, não existia, para homens como ele, espaço na política paraibana”. Por esse raciocínio, ele foi infeliz e externou sua tristeza na poesia porque não podia fazê-lo na tribuna parlamentar.

“O poeta, que gratuitamente colaborava na imprensa panfletária da oposição, teria se realizado ao fazer política, teria gostado de ser deputado e pertencido a esta Casa, onde, com outros deputados preocupados com a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, encontraria o estuário da sua inteligência criadora. O voto secreto, na Paraíba, só passou a existir entre nós após a Revolução de 30, e a legislação eleitoral reservava apenas uma minguada representação à oposição, estrangulando-a sempre”, prosseguiu Marcus Odilon na sua peroração, depois condensada em plaquete impressa na UNIGRAF. Em comentário que integra a plaquete, a escritora e jornalista Maria José Limeira, recentemente falecida, citou como vergonhoso para os paraibanos o fato de Augusto ter emigrado desta terra após desentender-se com o governo local.

Maria José dizia: “O público consagrou a obra de Augusto dos Anjos muito antes de os governantes se darem conta de que haviam praticamente expulso da Paraíba aquele que era justamente seu representante maior. Isto fica como lição para os governadores de hoje e do futuro”. Maria José foi a primeira mulher a editar um órgão de comunicação na Paraíba, o semanário “O Momento”, de propriedade do jornalista e ex-deputado Jório de Lira Machado. A escritora assaca invectivas contra João Machado, que governou a Paraíba de 1908 a 1912, sucedendo a José Peregrino e antecedendo a João Castro Pinto. De acordo com a autora de “Luva no Grito”, João Machado tornou-se uma espécie de carrasco, sobretudo para os jovens.

“A maior obra de seu governo foi ter negado apoio a um professorzinho do Lyceu, chamado Augusto, que era obrigado a deixar sua terra natal para sobreviver no Sul, morrendo pobre e amargurado. É bom lembrar, também, que enquanto se comemora o centenário de nascimento de Augusto dos Anjos, outros Augustos estão nascendo ou continuam a sofrer dificuldades para editar seus livros, ou estão emigrando para o Sul na tentativa de sobreviver”, enfatizou Maria José Limeira. Já Marcus Odilon ressalta que aos 16 anos de idade Augusto publicou suas poesias no porta-voz da oposição, não obstante seus irmãos mais velhos terem mantido os melhores laços de amizade e partidarismo com os chefes do situacionismo, entre os quais o senador Álvaro Machado e o Monsenhor Walfredo Leal. “Podemos dizer, sem medo de uma interpretação apressada, que em termos político-partidários, Augusto dos Anjos foi um dissidente familiar”, adiantou Odilon.

Pelo seu relato, Augusto logrou obter modestíssima nomeação de professor interino do Lyceu e só então foi acolhido nas páginas de “A União”, que lhe deu algum espaço. “Mas quando ocorreu o rompimento ostensivo com o governador João Machado, o jornal oficial sepultou o poeta num silêncio que só se rompeu com a publicação de uma crítica intitulada “Augusto dos Anjos, trinta dias após sua morte”, escrita pelo doutor José Américo de Almeida”, narra Marcus Odilon. Que acrescenta: “Todo o pleito de Augusto, razão do seu exílio, foi a negativa de uma licença para ir ao Rio cuidar da edição do seu primeiro e único livro de poemas, o EU”. Álvaro era ironizado como Doutor Rocambole, personagem trapaceira do romance-folhetim de Ponsou du Terrail. E um outro carrasco, também ironizado, era o Monsenhor Walfredo Leal, responsável por manobras partidárias que garantiram o governo a Álvaro. Augusto foi para o Rio tentar a vida como professor particular, passando por privações. Faleceu em Leopoldina, Minas Gerais, quando era presidente da Paraíba João de Castro Pinto. A poesia de Augusto reflete sua inconformação com as injustiças sociais, a ascensão dos medíocres e, já na época, a proliferação de falcatruas. Mas, daí a querer ser político… É tema para reflexão mais acurada!