O sertanejo morre em pé

Gilvan Freire

O drama da seca ainda consegue ser pior. Quem piora a situação não é a Natureza, porque esta sempre foi hostil e cíclica em seus afagos e castigos, mas a natureza dos líderes políticos, que são perversos na rotina e omissos na freqüência. A diferença é que a natureza do mundo muda – há ciclos de escassez e ciclos de bonança (secas e chuvas), mas a natureza humana parece pouco capaz de alterar seu ciclo permanente de escassez.

Segundo o GLOBO RURAL do domingo 3, na comunidade Palmeiras, em Santa Catarina, camponeses pobres até 1992 (paupérrimos e famintos) viraram a mesa diante de um maluco intruso que queria derrubar uma pequena mata ciliar de um curso d’água natural. Aprenderam a explorar a partir daí uma força coletiva capaz de domar a natureza para torná-la aliada, e não inimiga. Vivem hoje com renda farta, qualidade de vida e paz. De lá bradou um morador orgulhoso e feliz: ‘o homem pode transformar’. Fez uma pausa e concluiu, como um sábio: ‘Se quiser’. Nada precisaria ser dito a mais.

O QUE RESTA DO HOMEM SERTANEJO nessa Boate Kiss a céu aberto que é o Sol ardente estorricando tudo e desafiando a vida animal e humana, é a sua têmpera, como se fosse um ferro fornido, resistente a fogo e à brasa. Meu Deus, que ser humano especial e bravo e forte e resistente! Haverá entre os filhos do Senhor alguém mais desafiador do que este homem?

Às vezes, é de se pensar que esse nordestino, martirizado pela omissão de socorro e pela solidariedade que presta aos outros sem volta, está em frangalhos, deprimido, com a barba por fazer em sinal de luto pela desventura de seus poucos animais de criação perdidos, pelas levas de pássaros que partem em revoada triste ou morrem. Como enfrentar a desertificação da vida diante do abandono dos que têm o dever de socorrer, quando até os pássaros querem uma chance para voltar?

Luciano Barbosa, jovem psicólogo social baseado em Monteiro, analisando a tristeza do homem rural e urbano do cariri, fez uma constatação surpreendente e extraordinária, nesse quadro de penúria e sofrimento do povo: ‘o homem rural não tem depressão. Ele sabe que precisa enfrentar as adversidades. Isso faz parte de seu meio e do seu DNA. Ele se prepara até para sofrer. E resistir’.

DIA 1º DE MARÇO, DILMA VEM. O que é que ela vem ver aqui? Para ela esses escombros humanos e animais queimados não comovem seus olhos, como na Boate Kiss ou nas enchentes do Sul.

Vem não, Dilma! Se as chuvas chegarem você não precisa vir. Se não chegarem, você já é uma piora dentro da outra. Sofrer pela omissão dos políticos faz parte do nosso meio e do nosso DNA, disse o psicólogo. Se RC, que é daqui, nada compreende de nós, porque haveria de compreender Dilma, sendo tão longínqua?