Muitos se conformam em seguir o fluxo natural, rumo pré-estabelecido das coisas.
Outros se rebelam, debatem, até estrebucham…
Seja como for, ela sempre estará incrustada como um parasita, hospedada dentro de você.Ecoará por suas entranhas, revirará órgãos, fará tremer ossatura.
E irromperá por sua garganta, atravessará você como um berro…
Incontido, incontrolável e voluptuoso rasgará sua boca em apresentação ao mundo.
Mais cedo, ou mais tarde.
Ancestralidade não se apaga, deleta, apenas se molda, busca reabrigar-se em novos conceitos, valores acumulados ao longo da vida.Essa é a grande beleza de tudo: aprender a evoluir,mesmo com as limitações, vícios, modelos intuitivos, quase predestinações que a tal bagagem ancestral nos impõe.
À marra.
E não é só de genética que se trata a ancestralidade.
Claro, há a mais direta, impactante, condicionante. Aquela do sangue, essas coisas de fenótipo-genótipo que você via nas aulas secundárias de Biologia.
Por estes símbolos hereditários estou aqui, visitando a minha terra-natal, aplacando saudades, revitalizando sentimentos, bebendo da fonte. Rever e estar, comungar, reconectar com pais, irmãos, avó, primos, tios etc…
Mas, há vida além.
Mais que isso, há laços ancestrais extra-umbilicais.
Há ancestralidade nas referências externas ao muro familiar que nos rodeia física e consanguinamente.
Há vínculo de ascendência nas memórias afetivas que nos marcaram a pele.
Os tenho em casa e na vida.
Ontem conversei com um ancestral.
Bati um papo com Jorge Amado.
Estava ao seu lado, despojadamente, sentado no calçadão de Ilhéus, observando nada mais que pessoas.
Olhando gente, como me dizia ele: “esta peculiar ‘espécie’ que compõe a civilização cacaueira”.
Freio a charrete do tempo para frisar que, neste momento, o Amado, incisivamente, indicando meus pés, cravava que ali estavam grudados visgos de cacau, que jamais soltariam.
Ao que logo completava apontando, discretamente, com o olhar para frente, em direção a algumas “figuras típicas” locais, fonte de inspiração para seus personagens e visão de mundo que transbordava em suas obras.
Compartilhávamos impressões, cochichávamos perspectivas comuns.
A natureza humana é o que há de mais curioso no universo, reafirmava o mestre.
Seu Jorge me confirmou de “pé de orelha” o que já havia indicado nos livros.
Informação privilegiada.
“Somos, enquanto ser, povo, a tragédia e a redenção do cosmos.
Todos os paradoxos em um só corpo.”
Deus e o Diabo na Terra do Sol. Ok, ok isso é outro baiano, mas está tudo ali nas páginas amadianas. “Procure saber” alerta o Gil.
Sacro e profano, lado a lado. Emoção e razão. Lógica e distorção.
Vou ao barbeiro, que curte rock, é negro, nordestino, historiador e…bolsonarista.
Caê aponta que “alguma coisa está fora da ordem”.
“Viva o povo brasileiro”, sarcasticamente, bradava o outro conterrâneo, lá da Ilha.
Seu Jorge meneia a cabeça em reprovação, mas com ar complacente. O comunista de batente é mais parcimonioso e tolerante que eu nas questões de incoerência humana.
Salve Jorge!
Conhece a alma a fundo. Disseca como ninguém o âmago baiano com Deus no coração (We are Carnaval) e outros 600 demônios a correr pelas veias!
Na esquina, após mil tons de julgamento ao cidadão que aparou meus pelos, sou traído pelos meus instintos e caio no pecado da gula.
Acarajé a três reais é covardia demais para um baiano desterrado.
Especialmente, em tempos atuais quando se confirmam a profecia do poeta do coqueirinho, : “a gente não pode comer feijão, a gente não pode comer arroz…”
“Triste (e feliz) Bahia, ó quão dessemelhante!
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba