A pastora e teóloga Odja Barros tem 28 anos de pastorado na Igreja Batista no Pinheiro, em Maceió, e perdeu a conta de quantos casamentos celebrou na vida. Mas sábado (4), ao assumir uma celebração, ela admite que sentiu um “frio na barriga” como se fosse a primeira vez. E era a primeira vez, sim: não em unir um casal, mas em dar a bênção a duas mulheres.
O casamento homoafetivo ocorreu em um salão de festas de Maceió e foi uma das primeiras realizadas no país entre pessoas do mesmo sexo por pastores batistas — a primeira que se tem notícias celebrada por uma mulher, que em muitas igrejas batistas sequer podem exercer a função de pastora.
“Senti frio na barriga de emoção, de saber que estava vivendo algo que é fruto de muita luta. Como pastora feminista, queria muito que minha primeira celebração de casamento igualitário fosse com duas mulheres”, conta a pastora a Universa.
A denominação batista é uma das mais tradicionais e populares igrejas evangélicas do país. Historicamente tem uma leitura conservadora sobre a união de pessoas do mesmo sexo. Por isso, a celebração foi um marco para a igreja.
Eu sei que, até na luta LGBTQI+, as conquistas das mulheres vêm com mais dificuldade. Por isso me senti tão honrada e privilegiada de ser celebrante de um momento novo e histórico dentro da tradição de igrejas batistas no Brasil.
Odja é pastora da Igreja Batista do Pinheiro, conhecida no país todo por suas lutas históricas em defesa de minorias e pessoas vulneráveis. Em 2016, a igreja foi expulsa da Convenção Batista por aceitar incluir e batizar pessoas homossexuais. Mas até sábado não havia realizado nenhuma cerimônia de casamento homoafetivo.
Mais recentemente, a igreja foi incluída em área de risco por causa do afundamento de cinco bairros de Maceió por conta da extração de sal-gema do subsolo pela empresa Braskem. Agora, enquanto busca um novo local, a comunidade luta por justiça social para os “refugiados” do bairro onde fez história.
Faltava o convite, e ele veio
Estudiosa da Bíblia, Odja conta que estava aberta para realizar um casamento entre pessoas do mesmo sexo há anos e apenas faltava uma oportunidade. E ela veio do jeito que ela mais queria, com convite de mulheres.
“Eu já estava disposta e aberta a ser celebrante de uniões homoafetivas, mas faltava ainda receber um convite. E isso ocorreu no ano passado, quando fui procurada pelas noivas”, explica.
Ela conta que já havia construído uma outra leitura da tradição majoritária da igreja. “Essa visão majoritária entende homossexualidade como pecado. E resolvi isso a partir de uma leitura séria teológica, da Bíblia, das escrituras”, diz, citando que muitos outros estudiosos já fazem esse tipo de interpretação e lutam contra o preconceito em nome de Deus.
“Nós não vemos mais nenhuma dificuldade em reconhecer essa legitimidade espiritual, do amor entre duas pessoas que decidem livremente celebrar a união como um direito”, completa.
A celebração cristã do casamento de duas mulheres significa um avanço a mais no processo de despatriarcalização do Cristianismo e do conceito de ‘família cristã.’ Escrevo sobre isso no livro que lancei em 2020: ‘Flores que rompem raízes: leitura popular e feminista da Bíblia’
Direito consagrado
Pastora Odja afirma que dois argumentos se tornaram decisivos para ela aceitar celebrar casamentos homoafetivos. “São processos civis-burocráticos, não meus pessoais. O primeiro ocorreu há 10 anos, com a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] de declarar legal a união civil entre pessoas do mesmo sexo”, conta.
À época, a pastora presidia a Aliança de Batistas do Brasil. “Fizemos até uma carta reconhecendo a decisão como um avanço no direito de pessoas LGBTQI+”, lembra.
O segundo processo citado é de 2013, quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou resolução que permitiu os cartórios registrarem casamentos homoafetivos. “Essa foi uma decisão também importante porque nós não costumamos, lá na nossa Igreja Batista, celebrar cerimônias somente religiosas sem nenhum efeito legal”, diz.
Do ponto de vista religioso, ela lembra que a Igreja em que congrega já havia retirado a “última amarra” há cinco anos.
Eu não realizo casamento em meu próprio nome, sou representante religiosa ligada a uma comunidade de fé. E a decisão [de 2016] foi histórica: a comunidade decidiu reconhecer o que a gente chama de cidadania plena eclesial através do batismo às pessoas homoafetivas.
Cerimônia tradicional, mas diferente…
A cerimônia do sábado, conta, não foi diferente em termos de ritos religiosos: “Todos os casamentos que fazemos seguem o mesmo ritual cristão. Não existe, na batista, um ritual específico. Cada celebrante tem autonomia para construir o cerimonial a partir da sua tradição religiosa”, explica.
Entretanto, naquele dia não era um casamento comum. “O diferencial era a afirmação importante da diversidade sexual e da legitimidade de uma cerimônia entre duas pessoas do mesmo sexo. Ela foi muito pontuada como um valor e um direito. Nós tivemos ali também um momento educativo para as pessoas que estavam participando do casamento. Era muito importante afirmar o direito LGBTQI+ da união civil”, diz.
No visual da celebração, as cores também foram uma marca diferente, com a presença marcante de símbolos, como a bandeira colorida que é uma marca do movimento.
Eram muitos símbolos LGBTQI+ nesse casamento. Os momentos foram quase que pedagógicos para envolver também as pessoas que estavam ali. Elas foram convidadas a participar e entender a importância desse ato religioso e político
Odja Barros
Escolha pelo acolhimento
O casamento uniu o amor de Tuane Alves, 29, e Erika Ribeiro, 29. Elas são integradas na juventude da Igreja Batista do Pinheiro — e o casamento delas contou com o apoio de toda igreja.
A Universa, Tuane conta que decidiu ingressar na Igreja Batista do Pinheiro após a decisão de batizar pessoas LGBTQI+. “Antes éramos de outra denominação batista”, diz.
Ela afirma que, logo no primeiro contato com membros da igreja, durante um acampamento da juventude, percebeu uma acolhida “de maneira diferente” do que já havia tido em outras igrejas.
“Esse contato não foi de maneira superficial e pragmática. Foi mais fluida, e sentimos mais sinceridade e interesse por nós duas de maneira individual. Até então, não havíamos assumido nosso relacionamento”, diz.
A decisão de realizar o casamento religioso foi tomada no ano passado e Tuane diz que a acolhida de Odja e todos do Pinheiro foram determinantes. “Desde que resolvemos realizar uma cerimônia já nos veio em mente o nome da pastora Odja. Víamos muito sentido e representatividade nessa escolha”, diz.
A celebração foi superior ao que a gente esperava, ela trouxe muita potência para a celebração. Foi o primeiro casamento narrado que vi: ela narrava cada entrada e dava sentido a tudo que ia acontecendo
Tuane Alves
Tuane diz que os convidados também saíram impressionados. “Estavam lá evangélicos, católicos, não cristãos, espíritas, ateus, e todos falaram de maneira muito surpresa sobre a celebração e sobre a mensagem trazida por ela e pelo pastor Wellington [marido de Odja, que também faz parte da mesma igreja]”, finaliza.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: uol