Não é mais apenas o disputado forró de São João que atrai um sem número de “estrangeiros” a Campina Grande, a segunda maior cidade da Paraíba que divisa o agreste do sertão. Ao menos 250 novas mentes aportam todos os anos aqui para preencher as cobiçadas vagas de Ciência da Computação e Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Nos próximos cinco anos, um contingente de quase mil cérebros inundará o mercado local de tecnologia da informação (TI). É um batalhão de primeira atrás do sonho de qualquer iniciante: emprego garantido e bom salário.
Campina Grande é um dos 74 pólos tecnológicos do país, mapeados pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anproteca). Concilia todos os predicados necessários: uma centena de empresas de TI, mil empregos gerados e o maior número proporcional de PhDs do Brasil – 600. Nos últimos anos, o setor alavancou para 43 países as exportações de software e hardware, que vão de bancos de dados de alta complexidade às mais simples recicladoras de cartuchos. Entre seus clientes estão nomes como HP, Nokia, Petrobras e Interpol, a polícia internacional para o crime organizado.
Não é à toa, portanto, que esta cidade quente do semi-árido nordestino atraia tantos forasteiros – paulistas, gaúchos, catarinenses e nordestinos dos Estados vizinhos, numa curiosa colcha de sotaques diferentes que em comum terão a mesma trajetória profissional.
“Temos metade do tamanho de Pernambuco e estamos na pior parte do Nordeste: daqui só sai pedra e cacto. A Paraíba só poderia andar com a Universidade e a tecnologia”, resume Alexandre Moura, ex-aluno da UFCG e diretor de uma de suas crias, a Light Infocon.
O boom tecnológico só foi possível graças ao tripé Universidade, empresa e a entidade que faz a ponte entre as duas. Esse entendimento estratégico, essencial a todos os grandes pólos mundiais de TI, ocorreu em Campina Grande há 40 anos. Muito se deve a uma figura lendária na cidade, Lynaldo Cavalcante de Albuquerque, então reitor do campus campinense da Universidade Federal da Paraíba e depois presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A grande contribuição dele foi atrair cabeças, fazer parcerias com pessoas de Universidades do exterior”, afirma José Clóvis Vidal, um simpático pernambucano de Guaranhuns que hoje dirige a Apel, outra gigante paraibana de TI.
Foram 13 anos de um período de ouro. Entre 1973 e 1986, a Universidade campinense cresceu com intercâmbios de mestrandos e doutorandos indianos, russos, alemães e franceses. E mandou os seus alunos para fora – um luxo para muitos estudantes brasileiros nos anos de chumbo da ditadura.
Os pesquisadores da UFCG estão entre os poucos do Brasil a se debruçar sobre a computação quântica e tornaram-se referência na chamada “computação em nuvem”, uma das áreas mais quentes e promissoras da tecnologia.
A Universidade, como se vê, foi a espinha dorsal para a transformação de uma economia baseada fortemente em serviços e na indústria para a de tecnologia de ponta. O pólo já responde por 20% da economia do município e projeta um salário médio da população para R$ 2,9 mil, o dobro da região.
Mas foi nessa época também que surgiu a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB), o elo entre a sala de aula e a empresa. Com um conselho robusto de empresários, políticos e acadêmicos, a entidade atingiu uma ampla capilaridade, o que lhe permite funcionar como um “capitão que faz todos remarem para o mesmo lado”, nas palavras de Moura, da Light. Cerca de 70 empresas já foram beneficiadas por suas incubadoras, aumentando a taxa de sobrevivência das empresas novatas.
“Houve uma alavancagem muito grande com a criação do parque”, afirma Francilene Procópio Garcia, diretora de entidade, ainda que ela trabalhe com o orçamento enxuto, de apenas R$ 3 milhões em 2008. Francilene garante: “Raras são as empresas de tecnologia que fecham as portas no Estado”.
A alta concentração de cérebros também foi impulsionada por um pacote de incentivos fiscais. Pesou a recente medida do governo federal que reduziu à metade os impostos sobre exportações de TI. Antes disso, a prefeitura já tinha se encarregado de baixar uma lei reduzindo o ISS para softwares, de 5% para 2,5%. E o Estado, por fim, concedeu um desconto no ICMS para o setor – 100% para microempresas e 50% para as demais.
Nas últimas quatro décadas, Campina Grande ganhou 12 Universidades, tendo a UFCG 70% das matrículas nos cursos de Ciência da Computação e Engenharia Elétrica. Na maturidade da quinta geração, o pólo faturou R$ 150 milhões em 2006, o equivalente a 5,5% do PIB local no mesmo ano.
A vocação para o desenvolvimento tecnológico deve estar no DNA campinense. A cidade do forró e da carne de sol foi precursora nos cursos de Ciência da Computação e Engenharia Eletrônica, e a primeira também a ter computador em sala de aula na região. Hoje, praticamente tudo o que o pólo de TI produz vai para o exterior com a chancela “Made in Brazil”.
Parcerias garantem recursos à pesquisa
O prédio branco com pastilhas verdes, ainda com cara de recém-construído, destoa do entorno do campus da Universidade Federal de Campina Grande, de edifícios antigos. Ele foi erguido há poucos anos com dinheiro da Hewlett-Packard. Aqui funciona o Laboratório de Sistemas Distribuídos (LSD), um dos principais centros de pesquisa no Brasil da chamada “computação em nuvem”- tecnologia que consiste em rodar aplicativos em imensos centros de dados, em vez de em servidores das empresas ou em computadores pessoais.
Deste laboratório moderno, conectado com o que há de mais avançado em processamento de dados e informação, saíram para o mundo pesquisadores e alunos. Cinco já passaram pelo Google.
Seu carro-chefe é o projeto OurGrid, uma das bases para a pesquisa na área de computação em nuvem, que atraiu a atenção da multinacional americana em 2003. “Passamos no primeiro teste da HP e desde então eles têm renovado os contratos dos projetos”, diz Rodrigo Rebouças de Almeida, doutorando em Ciência da Computação.
A cada ano, a HP injeta R$ 1 milhão no laboratório para Pesquisa & Desenvolvimento e a compra de novos equipamentos. São 60 participantes, entre pesquisadores e alunos da graduação, mestrado e doutorado. Mas mais importante que o prédio novo, diz Rodrigo, “é a abertura que a gente tem na HP”, referindo-se ao grau de proximidade intelectual nascida com a parceria. “Os nossos projetos entram no portfólio da empresa. Estamos hoje mais perto dos pesquisadores da HP dos EUA que do escritório do Brasil”, diz Marcelo Leite, gerente de projetos do LSD. Os alunos do laboratório também desfrutam de estágios na HP.
A alguns blocos de distância, um segundo prédio novo chama a atenção. Aqui funcionam dois laboratórios: o de Instrumentação Eletrônica e Controle (centro de pesquisa da Petrobras) e o Embedded, jargão inglês designado para software embarcado, patrocinado pela Nokia. Juntas, as empresas já aportaram quase R$ 10 milhões em cinco anos para o desenvolvimento de pesquisas estratégicas.
“A maior parte é para a formação de pessoal”, diz Péricles Rezende Barros, responsável pelo laboratório patrocinado pela Petrobras.
A estatal brasileira de petróleo tem cinco projetos em andamento. Um deles, chamado informalmente de “big brother”, tem a função de monitorar outros softwares e hardwares em operação nas refinarias de petróleo, de modo a antecipar possíveis problemas e tentar impedir incidentes.
Para os pesquisadores, o patrocínio é essencial. Além de atrair talentos, mantém as bolsas competitivas. “Além disso, a gente coloca os alunos em contato com problemas reais e dá acesso a equipamentos que eles irão usar no mercado – algumas vezes, eles usam equipamentos que ainda nem chegaram ao mercado”, explica Angelo Perkusich, engenheiro paulista que mudou para Campina Grande em 1984 para fazer o mestrado e hoje responde pelo Embedded.
No laboratório bancado pela Nokia o foco são ferramentas para suporte de desenvolvimento de software. “Desenvolvemos pilotos de soluções para a Nokia agregar ao seu software ou hardware”, diz Angelo. O primeiro foi apresentado em 2005, por um aluno de graduação. Segundo ele, a ferramenta está sendo desenvolvida em Austin (EUA) e Helsinque (Finlândia).
O laboratório ganhou em 2007 o Prêmio de Excelência na Rede de Inovação do Fórum Nokia, sobressaindo em relação aos laboratórios de pesquisa da Dinamarca, Finlândia, China, Hungria e Áustria, de um total de 25 participantes. “Temos uma carteira com 15 projetos – seis são sigilosos”, diz Angelo.
O bom desempenho dos dois laboratórios da UFCG acabou resultando em sete empresas. “Os alunos nem precisaram passar pela incubadora porque eles já têm cliente: a própria Nokia”, explica Angelo. “Para a Petrobras é interessante gerar fornecedores no mercado nacional e deixar de importar tecnologia”, acrescenta Péricles. “Aqui, nós formamos gente com competência.”.
Fonte: Assessoria
Créditos: Polêmica Paraíba