O fim de um relacionamento amoroso foi o empurrão que faltava para o médico e empresário mineiro Veraldino de Freitas Júnior, 35, decidir mudar o visual. A repaginação incluía uma cirurgia plástica no nariz –órgão que ele nem achava feio, mas acreditava que poderia melhorar.
Procurou os melhores cirurgiões e escolheu o que lhe passou mais confiança: Alan Landecker.
“Ele me disse: ‘Aqui não é uma rodoviária, não. Aqui é relojoaria suíça. Sinta-se seguro que nós vamos cuidar de você’. Nessa hora, a gente não se importa mais com o preço, com nada, porque a gente pensa estar no lugar mais seguro”, afirma Freitas Júnior.
O preço da intervenção estética: R$ 50 mil.
A operação ocorreu em setembro de 2020. Um ano, três outras cirurgias e um total de R$ 300 mil depois, conforme conta, Freitas Júnior ficou com o nariz deformado, recebe medicação intravenosa para combater uma bactéria contraída na operação e vive à base de antidepressivos. “Ele acabou com minha vida”, diz.
Freitas Júnior faz parte de um grupo de ao menos sete ex-pacientes de Landecker que procuraram a Polícia Civil de São Paulo para registrar queixa contra o cirurgião. Eles reclamam de lesões no nariz e problemas de saúde (como perda de olfato, paladar e audição) provocados por infecção pós-rinoplastia estruturada.
Procurado pela reportagem, Landecker negou ter cometido falhas nos procedimentos, disse que prestou a necessária assistência pós-cirúrgica e afirmou que não pode ser responsabilizado nos casos em que os pacientes não cumpriram o protocolo de cuidados recomendados
A série de reclamações contra Landecker levou três dos mais renomados hospitais da capital (Sírio Libanês, Vila Nova Star e São Luiz) a impedi-lo de realizar cirurgias em suas unidades. Outra instituição de elite, o Albert Einstein, abriu apuração interna e também pode vir a barrá-lo se for comprovado algum erro.
As investigações internas desses hospitais ainda não apontaram nenhuma irregularidade em suas instalações.
Os ex-pacientes também denunciaram o médico ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina) e ao Ministério Público de São Paulo.
De acordo com policiais ouvidos pela Folha, os inquéritos foram abertos para apurar eventual lesão corporal. Não se trata de investigar descontentamento com o resultado estético, e sim a contaminação dos pacientes com uma bactéria que literalmente come a cartilagem do nariz, abrindo buracos internos e causando danos até permanentes.
Uma das bactérias identificadas em ao menos dois ex-pacientes é a Mycobacterium abscessus, da família da tuberculose. Ela pode destruir o nariz da pessoa de forma permanente e requer tratamento difícil e demorado por ser muito resistente –em alguns casos, sem cura.
Um infectologista ouvido pela Folha em condição de anonimato (por questões de ética médica) disse ser a primeira vez que esse tipo de bactéria é detectado em rinoplastia e que, por isso, o caso despertou preocupação nos principais hospitais de São Paulo. Segundo ele, se a contaminação virar sistêmica, não dá para saber as consequências.
Os ex-pacientes dele estão sendo submetidos a exames de corpo delito na Polícia Científica para confirmar as lesões e saber se é possível comprovar que foram causadas pela intervenção do médico.
Os investigadores dizem que a clínica de Landecker funciona na região do Itaim Bibi há cerca de 20 anos e que esta é a primeira vez que chegam reclamações contra o cirurgião.
A polícia também quer entender se essa possível contaminação foi acidental (culposa) ou se pode ser considerada intencional (dolo eventual), isto é, se o médico sabia da existência de um surto na sua clínica e ainda assim continuou a atividade, omitindo dos pacientes o risco que corriam.
Freitas Júnior acredita ter sido isso que aconteceu. Ele diz que Landecker sabia da possibilidade de contaminação na primeira cirurgia, mas escondeu esse fato e tentou resolver a situação com novas operações.
“Eu não culpo ele por uma possível contaminação. Isso acontece. Mas esse ato de ficar escondendo essa contaminação dos outros, isso é criminoso. Ele me fez passar por mais duas cirurgias, em tempo de pandemia de Covid. Deformou meu nariz. Em função de uma mentira”, disse Freitas Júnior.
Ele diz que ficou sabendo da possível contaminação ao tomar conhecimento de uma live da modelo Sarah Cardoso. Também descobriu que não era o único paciente com aquele problema.
Sarah afirmou à Folha que se sentiu enganada por Landecker. Disse que fez a live em março deste ano como forma de orientar os seguidores sobre os procedimentos de reconstrução do nariz e ficou surpresa com a quantidade de pessoas que a procuraram.
“A partir daí, começou a vir falar comigo um monte de gente que fez cirurgia com ele e teve o mesmo problema. Aí eu comecei a ficar assim: ué, eu não era caso único?”
Nessa época, segundo Sarah, ela entrou num grupo de WhatsApp com pacientes de Landecker. No começo, eram apenas três pessoas que trocavam apoio emocional para enfrentar o momento difícil. Mas o grupo foi aumentando.
“A gente começou a perceber que a mesma coisa que ele fala para uma, falava para outra. Que ninguém pegaria o caso delas se não fosse ele. Que aquilo era um caso raro, que nunca tinha visto isso na vida”, disse a modelo. Ela foi processada pelo cirurgião por expor seu caso nas redes sociais.
A assessora de imprensa Paula Oliveira, 38, é uma das integrantes do grupo, agora com 24 integrantes. De acordo com ela, quase todos são pessoas que fizeram uma primeira intervenção no nariz, não gostaram do resultado e procuraram Landecker.
“Eu me senti culpada por não ter escolhido um profissional bom [da primeira vez] e quis garantir que iria pegar o melhor de São Paulo. O currículo dele era impecável”, disse.
Paula afirma que Landecker tentou culpá-la pela infecção. O médico também culpou Freitas Júnior por usar cotonete e Sarah por morar na praia ou usar máscara. No caso de Paula, por ter pet em casa. “Ele é super omisso. Quer sempre culpar os pacientes. ‘Paula, você tem cachorro? Provavelmente essa bactéria veio de você mexer com animais’.”
Alguns ex-pacientes ouvidos pela Folha afirmam que ainda não foram à polícia porque não têm condições físicas e psicológicas para uma briga jurídica nesse momento. Mas pretendem fazê-lo depois.
Um deles, que pediu para não ter o nome divulgado, afirma que, por causa da infecção após cirurgia com Landecker, perdeu a columela nasal (tecido que separa as narinas), o que deixou seu nariz com o formato de uma saia. Ele ainda não sabe se conseguirá recuperar totalmente a região.
De acordo com infectologistas ouvidos pela Folha, Landecker é considerado um dos melhores do país em rinoplastia e não tem histórico de intercorrências.
Nesse caso em que está envolvido, segundo os profissionais consultados, houve contaminação dos pacientes, mas não é possível, por ora, apontar como ela ocorreu.
Os principais hospitais em que ele operava fizeram investigação e descartaram falhas na esterilização dos equipamentos (levados pelos profissionais que usam o bloco cirúrgico). Assim, indicam que a contaminação pode ter ocorrido na clínica do cirurgião.
No hospital Albert Einstein, segundo nota, a atuação de Landecker está sob avaliação do Comitê Médico Executivo e um processo administrativo foi aberto para analisar a prática médica e os fatos relacionados aos pacientes dele.
A Folha apurou que uma primeira investigação foi aberta em junho, após queixa de uma paciente, mas nada de irregular foi encontrado. Um levantamento feito pela direção do hospital no CRM também não encontrou nenhuma reclamação até então.
A nova apuração foi aberta há cerca de duas semanas, quando a TV Record veiculou reportagem com alguns ex-pacientes reclamando de Landecker.
O Sírio Libanês diz em nota ter aberto uma sindicância ética e administrativa interna, que está sob sigilo. Durante esse procedimento, as atividades de Landecker no hospital estão suspensas.
O hospital São Luiz e o Vila Nova Star enviaram nota conjunta informando que o médico está impedido de atuar nas unidades.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o médico Alan Landecker disse repudiar as acusações dos ex-pacientes, que classificou como levianas e falsas.
“Em todas as fases do atendimento, prestou a necessária assistência pós-cirúrgica, não podendo ser responsabilizado nos casos em que os pacientes não cumpriram o protocolo de cuidados recomendados, abandonando o tratamento, não seguindo as orientações, descaracterizando a relação médico-paciente”, diz trecho da nota.
Ainda segundo a assessoria, em 20 anos de atuação, Landecker realizou mais de 4.000 cirurgias, incluindo inúmeras correções de rinoplastias malsucedidas de outros profissionais, e “raras foram as complicações pós-operatórias, a maioria em função de fatores externos às operações”.
O cirurgião afirmou ainda, conforme nota, que “todos os pacientes são previamente orientados sobre os cuidados necessários e acompanhados por até três anos após os procedimentos”.
“A correção, seriedade e competência do profissional serão demonstradas por meio de exames e documentos. Já a difamação e a discriminação das quais o dr. Landecker tem sido vítima, nas redes sociais, são alvo de representações, ações criminais e cíveis.”
Por fim, a assessoria de Landecker informou que um laudo laboratorial aponta que uma das pacientes teve contaminação por coliformes fecais (humanos ou de pets).
“Além disso, outro paciente que reclama de maus resultados omitiu do cirurgião que antes da cirurgia vinha se medicando com um imunossupressor. Esse medicamento interfere na cicatrização e aumenta a chance de infecção.”
Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: folha