Giuseppe de Lampedusa, escritor italiano autor de O Leopardo, cunhou a expressão segundo a qual se você quer que as coisas fiquem como estão, as coisas terão que mudar. Os congressistas mudam a Lei de Improbidade Administrativa, desfigurando-a, porque querem que as coisas fiquem como sempre foram antes da onda punitiva inaugurada com as condenações do mensalão, em 2012. Com as alterações aprovadas na Câmara e referendadas no Senado, improbidade voltou a ser apenas um outro nome para impunidade.
A proposta aprovada prevê, por exemplo, que o agente público só poderá ser processado por improbidade se for comprovado que teve a intenção de cometer o ato ilícito. Ou seja, é preciso entrar na cabeça do infrator para provar que houve dolo. Suponha que, num Brasil hipotético, um presidente imaginário chamado Nero —ou Naro— resolva em plena pandemia retardar a compra de vacinas e converter em política pública a distribuição de pudim de cloroquina.
Um gestor desse tipo estaria sujeito a ações penais e cíveis, por improbidade. A blindagem de um procurador-geral sem vocação para procurar livraria esse presidente imaginário de complicações penais. Valendo-se das inovações adotadas pelo Congresso, ele se livraria das ações por improbidade alegando que agiu com boa-fé ao servir cloroquina ao povo e chá de cadeira aos fabricantes sérios de vacinas.
Imaginou-se que o Brasil estivesse imunizado contra retrocessos quando o então senador Romero Jucá, vírus político da cepa do MDB, disse numa conversa vadia que a oligarquia política precisava costurar um grande acordo para “estancar a sangria”. Um acordo “com o Supremo, com tudo”, disse Jucá, gravado por um delator em 2016. Decorridos cinco anos, consolidou-se no Brasil o processo de restauração da imoralidade. O movimento é suprapartidário e comandado por investigados, condenados e cúmplices —com o Supremo, com tudo.
Fonte: Josias de Souza/UOL
Créditos: Polêmica Paraíba