Nada me envergonhou mais nessa excursão vulgar a Nova York do que os dois dedos médios em riste do ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga, exibidos para manifestantes que gritavam Fora Bolsonaro. Esse gesto, segundo antropólogos, é uma variante de primatas na pré-história. Eles mostravam o pênis ereto a seus inimigos para intimidar.
O homem teria substituído o bilau pelo dedo erguido para insultar. Um dos primeiros registros surge numa peça grega de Aristófanes, que compara o dedo médio ao pênis. Da Grécia, o gesto chegou a Roma como digitus infamis, o ‘dedo obsceno’, ou digitus impudicus, o ‘dedo indecente’. O truculento imperador Calígula obrigava os súditos a beijar seu dedo do meio em vez de sua mão. Era para humilhar, conta o zoólogo britânico Desmond Morris.
“O dedo médio é o pênis e os dedos recolhidos ao lado são os testículos. Você está fazendo um gesto fálico para alguém, uma exibição bastante primitiva”, diz Morris. Sem remissões históricas, todo mundo conhece a ofensa. Antes de Queiroga, muitas figuras públicas perderam o controle e exibiram o dedo médio em cena.
A pop Britney Spears mostrou o dedo médio a fotógrafos que a perseguiam. Pediu desculpas depois. O técnico Oswaldo de Oliveira, do Fluminense, foi demitido por fazer o mesmo gesto para a torcida tricolor hostil no Maracanã. Donald Trump exibiu um dedo médio para uma astronauta que o corrigiu em público. Nada aconteceu com ele, claro. Só não foi reeleito.
Não encontrei exemplo, antes da lamentável performance de Queiroga, de um ministro pirando nesse nível ao integrar uma comitiva presidencial no exterior. Talvez Queiroga diga que já estava contaminado com Covid e que o vírus pode atacar o cérebro. Pode alegar insanidade temporária, privação de sentidos. Ou mesmo, imitando seu chefinho, pode dizer que mostrou o dedo “no calor do momento”.
O Brasil de hoje é um hímen complacente, não rompe nunca com Bolsonaro, não importa quantas estocadas o presidente dê na cara do país. Ao mesmo tempo em que Queiroga mandava os manifestantes tomar naquele lugar, o chanceler Carlos França, funcionário de carreira do Itamaraty, fazia arminha com a mão. O responsável pela Saúde quer que a gente se f*&!da, apesar dos 600 mil mortos. E o das Relações Exteriores quer nos fuzilar.
Por esses e outros, passo a chamar a comitiva de bolsonaresca. Rima com burlesca. Significa ridícula, caricata, grotesca. O mais incrível é que tanto Queiroga quanto França substituíram Pazuello e Araújo por sua “moderação” e “sensatez”, além da biografia. A reputação de ambos não sobreviveu a parcos meses de treinamento intensivo de grosserias com Bolsonaro. Chefes estúpidos imprimem seu estilo a subordinados diretos.
Queiroga era presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia quando foi nomeado ministro. Não é pouca coisa. Era contra cloroquina e ivermectina. Entusiasta do isolamento social, da máscara e das vacinas. Agora, desfila desmascarado em frente a pizzaria – e pega Covid –, se veste com camisa camuflada do Exército sem ser militar, suspende imunização de adolescentes e cospe bazófias, como nosso “excesso de vacinas”.
Queiroga é casado com uma pediatra e tem três filhos, dois seguindo Medicina e um, Direito. O que os filhos pensaram ao ver o pai surtado num ônibus em Nova York, ao chegar para o jantar oferecido pelo embaixador brasileiro na ONU? Deprimente, father. Aproveite a quarentena em NY para recobrar algum equilíbrio. E se desculpe, antes de pedir pra sair.
Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: O Globo