Liniker lança seu primeiro disco solo, Índigo Borboleta Anil, nesta quinta, dia 9, às 19h. Ele está conectado com o presente – tanto em termos sonoros quanto em relação às ideias e aos sentimentos da cantora. Entretanto, os fios desse casulo foram trançados há mais de uma década, quase instintivamente, quando Liniker tinha 15 anos, muito antes de ela se tornar um artista importante na cena preta e LGBT+.
Trata-se da canção Antes de Tudo, a segunda das 11 faixas do disco. Na letra, ela fala em voar. Avisa que perdeu o medo da chuva e partirá em busca de uma vida que até então não a deixavam viver plenamente.
A dançante faixa, com o característico groove da voz de Liniker, tem a participação da Orkestra Rumpilezz, com arranjos de sopro, percussão e regência assinados por seu comandante, o maestro baiano Letieres Leite.
“Por ser um trabalho autoral, era natural que eu pegasse uma composição antiga e a reformasse. Isso me dá uma sensação de liberdade artística. Era como se essa música estivesse em uma adega esperando o momento para tomar outro rumo”, diz Liniker, em entrevista ao Estadão.
A escolha da requisitada banda Rumpilezz conecta Liniker com antepassados recém-descobertos por ela. Em conversa recente com seu pai, a cantora descobriu que seu avô é de Casa Nova, no semiárido baiano. Tudo fez sentido. Inclusive, segundo ela, a forma calorosa com que sempre é recebida na Bahia – e sua predileção por passar períodos de folga por lá.
Assim como Antes de Tudo, Liniker assina sozinha outras 8 canções do álbum. Outras duas ganham adesão de parceiros. Porém, sua marca como compositora se impõe, por mais que nos discos que lançou ao lado dos Caramelows, projeto no qual ficou por cinco anos – Cru, Goela Abaixo e Remonta -, ela já tenha exercido essa função.
“Esse é diferente. É um lugar de maturidade. Em vez de cantar para outros amores, nesse disco, canto o meu amor-próprio. É sobre mim. Ressignifiquei minha escrita e encontrei outros caminhos para falar de afetos. Sou 100% eu, no agora. Estou feliz”, afirma.
Esse movimento fez com que Liniker também assumisse a produção do álbum, função que ela divide com Gustavo Ruiz e Júlio Fejuca – este último, com quem ela trabalha desde 2019, quando fizeram o single Presente para o canal internacional do YouTube A Colors Show, em um passo que a cantora deu para o seu trabalho ser conhecido no exterior.
Juntos, eles chegaram à sonoridade de Índigo Borboleta Anil que a cantora define como um disco de “preto”. Nele, há soul, R&B, hip-hop, samba, samba-rock e pagode. “É um disco de música preta da nossa cultura. Das coisas que sempre ouvi no meu quintal. Fui entender a pluralidade desses ritmos e a quantidade de som que minha família me apresentou. Quero dançar em qualquer nota”, diz.
Para referências além da família, Liniker chamou para o disco o cantor e compositor Milton Nascimento. Ele participa da faixa Lalange, uma reflexão sobre a vida de crianças pretas a partir de sua história pessoal e na omissão que resultou na morte do menino Miguel, de 5 anos, que caiu de um prédio no Recife, em 2020. Ou, como a cantora escreveu, o “menino que queria voar”. A letra nasceu de um sonho de Liniker que a levou de volta para a creche em que estudou, em Araraquara, cidade do interior de São Paulo, onde ela nasceu, há 26 anos.
“Essa música é como se eu devolvesse algo para essa mãe. Não é a mesma coisa que seu filho, mas é chorar a dor junto com ela. Lalange é um ciclo. É algo que está no onírico, sobre uma criança que virou ancestral e com presença de um ancestral vivo e presente, que é o Milton”, explica Liniker, que cita o compositor como uma de suas maiores referências artísticas, ao lado de nomes como Djavan, Elza Soares, Alcione, Aretha Franklin Etta James, Beyoncé, Itamar Assumpção, Raquel Virgínia e Iza.
Na faixa há a participação da Brasil Jazz Sinfônica, de São Paulo, com arranjos de cordas escritos pelo maestro Ruriá Duprat. A orquestra ainda está presente em outras quatro faixas do álbum. Em uma delas, Lua de Fé, a solista escocesa Jennifer Campbell toca harpa.
Mais distante do lirismo, está Baby 95, que foi lançada como um dos singles do álbum – faixa assinada em parceria com Mahmundi, Tássia Reis e Tulipa Ruiz. Com letra que mistura versos em português e inglês, ela começa em rhythm and blues e, já na parte final, se encontra com o pagode dos anos 1990.
Tássia e Tulipa também estão no samba-rock Diz Quanto Custa. A primeira, cantora de rap, em um solo. Já Tulipa está no coro da faixa que ainda tem samples do DJ Nyack.
Vitoriosa, um samba-enredo com sotaque paulistano, também com adesão da Jazz Sinfônica, funciona como uma catarse da própria Liniker pelo caminho percorrido até chegar a esse primeiro trabalho solo. “Eu grito vitória para que a gente não perca a esperança no futuro, sobretudo pelo que estamos vivendo hoje. É um chamamento para nossa presença”, diz.
O disco traz ainda uma faixa bônus, Mel, que preserva algumas conversas de estúdio, experimentação de sonoridades e Liniker se acompanhando no violão. A canção mostra que, apesar de todo o caminho que o disco percorre, com múltiplas sonoridades, banda, orquestra, ele nasceu do contato íntimo de sua criadora com o instrumento.
Todo o processo levou, segundo Liniker, quase dois anos. Nesse período, que coincidiu também com o recolhimento trazido pela pandemia, tudo foi rearranjado. O lançamento foi adiado algumas vezes. “Esse tempo foi uma ferramenta imprescindível para o disco ser o que é. Um lugar de segurança em tempos tão inseguros”, define a cantora.
Índigo Borboleta Anil terá diferentes capas para cada plataforma digital. Liniker, por enquanto, não pretende levar o álbum para os palcos, mesmo que isso já seja possível com restrições a serem cumpridas pelas casas de shows. Talvez ele seja apresentado em uma live. “Por enquanto, as pessoas podem dançar ouvindo-o em casa”, diz a cantora que aprendeu que o tempo é seu aliado.
Fonte: MSN
Créditos: MSN