Rubens Nóbrega
No jargão jurídico-policial, dizem que não existe assassinato sem cadáver. Pois bem, o cadáver do fechamento de escolas pelo atual Governo da Paraíba em 2011 apareceu semana passada, materializando o fatídico delito que no discurso governista é eufemizado de modo a parecer um ‘reordenamento’.
Brasília, o local da desova. Lá, mais precisamente no Instituto do Ministério da Educação que faz autopsias do gênero, foi encontrado um corpo em adiantado estado de decomposição. Nos farrapos de vestes que sobravam, um documento de identidade indicava que a vítima atende (ou atendia) pelo nome de Rede Estadual de Ensino.
A perícia do Mec levantou que ela sofreu ferimentos mortais em pelo menos 6,5% do corpo, percentual que corresponde ao total de alunos não matriculados em 2012 na rede pública de ensino mantida pelo Estado sob Ricardo Coutinho. Tudo indica que houve tortura antes do golpe final.
“Estamos diante de mais um caso com visíveis requintes de crueldade”, diria a crônica policial. Mas não foi nessa editoria que este Jornal da Paraíba noticiou o fato. Tratou a brutal execução na manchete de capa, ‘com frase dizendo assim’: “Estado perde 6,5% dos estudantes em um ano”.
A matéria interna, assinado por Juliana Brito, informa que em 2012 ingressaram “343,3 mil alunos em escolas públicas geridas pelo Governo do Estado, contra 367,5 mil em 2011”. E arremata: “São 24,2 mil matrículas a menos em um ano”.
Informações adicionais sobre a desgraça explicam que os números fazem parte do Censo Escolar 2012, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), publicados no Diário Oficial da União de quinta-feira (21).
“Conforme o levantamento, a quantidade total de estudantes matriculados na rede pública (estadual e municipal) também caiu, sofrendo redução de 2,81% no mesmo período. Em 2012, ingressaram 850,1 mil alunos, sendo 2,4 mil a menos do que no ano passado, período no qual foram registradas 874,7 mil matrículas”, detalha Juliana.
Lei não manda transferir
Ouvida sobre a catástrofe, a Professora Márcia Figueiredo, secretária de Educação do Estado, atribuiu a queda no número de matrículas na rede estadual ao “reordenamento da rede, iniciado no começo deste ano”, segundo ela em cumprimento à Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
A secretária não fala no fechamento das 200 escolas ou mais pela gestão que representa. Refere-se apenas a uma suposta obrigação do Estado de transferir turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental para governos municipais, transferência que seria determinada pela LDB, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
A esse respeito, tenho novidade. Na verdade, a ‘novidade’ completou 46 anos semana passada e diz justamente o contrário do que diz o governo: a LDB não fala de obrigação, mas de prioridade na oferta do ensino fundamental pelos municípios, melhor ainda se for em colaboração com os Estados, “de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público”.
Se alguém duvida, sugiro consultar a LDB e ler com atenção os artigos 10 e 11 da Lei. Tratam, respectivamente, das incumbências de Estados e municípios na organização, manutenção e desenvolvimento dos órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-as às políticas e planos educacionais da União.
Dou um doce a quem encontrar, salvo nas falácias e falências de certos governos estaduais, algo que diga ser o ensino fundamental competência legal, exclusiva, da rede municipal de ensino. Dou um prêmio a quem me convencer de que o bacana e moderno é fechar escolas esvaziadas por incúrias mis e não procurar enchê-las de alunos, para que elas se mantenham e justifiquem a sua existência, o seu papel social.
Os agravantes do crime
E se alguém se ofende com a pecha de ‘crime’ dada a esse tal reordenamento, digo mais. Digo que se trata de crime de mando, com autoria intelectual e material bem definida, com o agravante de não dar à vítima a menor chance de defesa, ainda mais se tratando de vítima já tão indefesa como educação pública em Estado pobre.
Não dá para justificar o fechamento de escolas à guisa de uma reorganização qualquer que mais parece uma troca de algozes. Não dá mesmo, principalmente se considerarmos, além de tudo, que o Estado registra taxa de abandono da ordem de 4,5% nos anos iniciais do Ensino Fundamental e de 11,9% nos anos finais, de acordo com dados levantados em 2010 pelo mesmo Inep.
Some-se a isso uma taxa de reprovação de 12,9% nos anos iniciais e de 15,7% nos anos finais e, nas mesmas faixas, uma distorção idade-série superior a 28% e a 42%. Agora, se você quiser estimar a extensão do dano, pegue o total de alunos ingressantes na rede estadual em 2011 (367,5 mil) e a partir dele calcule as taxas de abandono e de reprovação aqui mencionadas, que têm validade de no mínimo dois anos.
Conhecido o subtotal, acrescente os 24,2 mil que deixaram de se matricular este ano e obtenha o resultado final da supressão de escolas e consequente operação para tirar da responsabilidade do Estado milhares de outros alunos transferidos para prefeituras, algumas das quais, sabemos, têm pela educação o mesmo zelo que o carrasco devota ao pescoço do condenado.