pejotização

Globo é acusada pela Receita Federal de crime tributário e entra na mira do MP

Após realizar investigações nos contratos PJ (pessoa jurídica) de prestadores de serviço da Globo, a Receita Federal identificou indícios de crime tributário e encaminhou uma "representação fiscal para fins penais" contra a emissora ao Ministério Público Federal. O Notícias da TV teve acesso ao documento, que indica quatro executivos do alto escalão da líder de audiência como os responsáveis por esse tipo de contratação.

Após realizar investigações nos contratos PJ (pessoa jurídica) de prestadores de serviço da Globo, a Receita Federal identificou indícios de crime tributário e encaminhou uma “representação fiscal para fins penais” contra a emissora ao Ministério Público Federal. O Notícias da TV teve acesso ao documento, que indica quatro executivos do alto escalão da líder de audiência como os responsáveis por esse tipo de contratação.

Em nota, a Globo argumenta que todos os contratos da empresa estão dentro da lei, mas afirma que é passível de fiscalizações como qualquer outra companhia e adianta que exercerá o direito de defesa.

Ao MP, a Receita afirmou que os prestadores de serviço (chamados de sujeito passivo) atuaram “em conluio com a Globo” para forjar a relação de trabalho, com o objetivo de pagar menos impostos. Veja abaixo a explicação do órgão para entrar com a representação:

Em síntese, foi apurado que o sujeito passivo, em conluio com a Globo, simulou o recebimento de valores a título de prestação de serviços por pessoa jurídica por ela própria constituída, utilizando-se do estratagema da pejotização, com a finalidade de diminuição ilícita dos tributos incidentes sobre rendimentos do trabalho com vínculo empregatício.

No documento, a Receita Federal indicou o nome de quatro diretores da Globo que seriam os responsáveis por responder por essas contratações. Dois deles continuam na ativa: Jorge Nóbrega, presidente do Grupo Globo desde 2017; e Marcelo Soares, diretor-geral da Som Livre desde 2011 –a gravadora foi vendida para a Sony neste ano, mas ele segue como CEO.

Outros dois deixaram a líder de audiência em 2021: Carlos Henrique Schroder, que foi diretor-executivo de Criação e Produção de Conteúdo de 2020 até junho de 2021 e diretor-geral da TV Globo entre 2013 e 2019; e Rossana Fontenele, diretora executiva de Estratégia e Tecnologia. Ela foi a responsável por organizar o processo de unificação Uma Só Globo e trabalhou na emissora até maio deste ano.

Nesse tipo de representação fiscal para fins penais, a Receita Federal precisa identificar os sócios ou administradores da empresa que ela considera responsáveis pela prática do suposto crime –todos eles contratados com carteira assinada pela CLT. Em caso de condenação judicial, a dívida tributária pode ser cobrada tanto da empresa quanto dos executivos.

O órgão usou como base a lei da sonegação fiscal (Lei 8.137/1990) para indicar que a Globo e os artistas investigados cometeram crime contra a ordem tributária. De acordo com o “Leão”, os envolvidos infringiram as seguintes regras:

Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante seguintes condutas: 1 – omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, com pena de dois a cinco anos de prisão + multa; 2 – fraudar fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal.

Caso no Ministério Público

Em 2019, a Receita Federal iniciou uma devassa nos contratos de artistas, autores, diretores e executivos da líder de ibope. O objetivo era apurar supostas irregularidades no pagamento do Imposto de Renda e na relação de trabalho entre a Globo e os contratados.

Esgotada a primeira fase de investigação e revisão dos documentos apresentados, os auditores do órgão do governo federal identificaram fraudes e passaram a autuar e aplicar multas em alguns dos investigados. Uma das atrizes investigadas recebeu “um tombo” de R$ 10 milhões.

Os valores ainda não foram pagos, pois o caso não está fechado. Tanto a Globo quanto os seus contratados entraram com um recurso no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) –órgão colegiado ligado ao Ministério da Economia, que tem como função julgar os processos tributários.

Nas autuações enviadas aos artistas da Globo, a Receita afirma que há um conluio “propositado e previamente planejado para fim da prática de uma ilicitude”. Insinua existir uma associação criminosa constituída para “lesar toda a sociedade”, concluindo que a pejotização “precariza as relações de trabalho e humanas, degrada o ambiente laboral, enfraquece direitos trabalhistas e a própria dignidade da pessoa humana”.

A Receita encaminhou os dados ao Ministério Público Federal sob a alegação de crimes contra a ordem financeira. O MP, no entanto, precisa aguardar o processo ser julgado pelo Carf para definir os próximos passos da ação, já que a Justiça não recebe uma denúncia enquanto não há uma resolução sobre o recurso –ou seja, a Globo, os executivos e os artistas não estão condenados nem foram considerados culpados no judiciário.

Caso o Carf acate as explicações da emissora, o MP dificilmente dará sequência à ação. No entanto, se o Conselho tiver o mesmo entendimento da Receita, o Ministério Público avalia a fiscalização para decidir se abre inquérito, solicita investigações à Polícia Federal ou se oferece uma denúncia ao Judiciário, que decidirá se houve prática de crime.

Globo recorre da decisão

Na defesa, a Globo cita a aprovação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2020, da legislação dos prestadores de serviços intelectuais, de natureza artística ou cultural. A maioria do STF entendeu que profissionais como atores, cantores e escritores podem ser contratados pelo regime PJ.

Relatora dessa chamada Ação Declaratória de Constitucionalidade, a ministra Cármen Lúcia apontou que “o dinamismo das transformações econômicas e sociais reafirma a necessidade de assegurar liberdade às empresas para definir suas escolhas organizacionais e seus modelos de negócio, visando à competitividade e à subsistência”. Na decisão, a magistrada ressaltou que casos de “maquiagem” de contratos para burlar os sistema fiscal e previdenciário podem vir a ser questionados e analisados pela Justiça.

Nos últimos anos, durante a unificação de todas as empresas do grupo, a Globo passou a substituir contratos de jornalistas, executivos e apresentadores de PJ para CLT em um processo que ela classificou, em 2019, “como uma reestruturação que prepara a empresa para os desafios do futuro”.

Procurada pela reportagem, a Receita Federal afirmou que não se manifestaria sobre o caso. Ao Notícias da TV, a Globo comentou sobre as acusações de crime tributário por parte do órgão:

No que diz respeito à Globo, esclarecemos que todas as formas de contratação praticadas pela empresa estão dentro da lei e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Constitucionalidade 66, e decidiu que é constitucional o artigo 129 da Lei 11.196/2005, que determina que a prestação de serviços intelectuais como o em questão deve ser tributada como relação entre pessoas jurídicas. Assim como qualquer empresa, a Globo é passível de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco.

Após a publicação da reportagem, a Globo enviou um complemento ao posicionamento: “Como já adiantamos e achamos importante reforçar, todas as formas de contratação praticadas pela empresa estão dentro da lei e todos os impostos incidentes são pagos regularmente”.

“A matéria deixou de esclarecer que as autuações são referentes a períodos anteriores a 2019, e, sobre os executivos mencionados, todos contratados em regime de CLT, que é praxe da Receita Federal listar diretores estatutários nas hipóteses em que cobra ‘multa agravada’. A Globo confia que, no julgamento da sua defesa administrativa, as autuações serão integralmente revertidas, prevalecendo o entendimento já pacificado no STF sobre o assunto”, reforçou a emissora.

Entenda a ‘pejotização’

Para ter um vínculo como PJ, o profissional abre uma empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante. Ao contrário do regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e seguro-desemprego.

No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como uma “empresa” é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com publicidade e merchandising, que são devidamente declarados.

A pessoa física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica recolhe, ao todo, de 6% a 16%, dependendo da atividade e do faturamento.

Fonte: Notícias da TV
Créditos: Polêmica Paraíba