Na mesma semana em que 12 estudantes universitários e um professor começavam a ser julgados na Belarus por participar de manifestações pacíficas contra a ditadura —algo que o regime de Aleksandr Lukachenko transformou em crime—, a Universidade Federal da Paraíba anunciou um acordo de cooperação com a Universidade Estatal da Belarus (BSU), acusada de reprimir seus docentes e alunos.
Com validade de cinco anos, a parceria da universidade federal brasileira com a instituição belarussa prevê intercâmbio de alunos e pesquisadores, pesquisas conjuntas e co-orientação de pós-graduandos.
No comunicado em que o acordo foi anunciado, Leila Bijos, uma das coordenadoras de Internacionalização de Educação Superior, descreve a BSU como “um marco no desenvolvimento educacional na região, atraindo alunos e pesquisadores de toda a Ásia”. “A experiência internacional para um pesquisador, ou para um aluno, é simplesmente inovadora em termos de padrões intelectuais, culturais e sociais”, afirma a professora.
A BSU, porém, está envolvida em vários casos de repressão, entre eles o próprio julgamento iniciado em maio, conhecido como Caso dos Estudantes: 4 dos 12 alunos sujeitos a pegar até três anos de prisão são dessa universidade estatal.
Outros sete estudantes da instituição estão na cadeia por motivos políticos, de acordo com a Associação de Estudantes da Belarus, e ao menos 19 estudantes foram expulsos e 17 docentes, demitidos por motivos políticos, segundo Volha Yermalaieva Franco, representante da Embaixada Popular da Belarus no Brasil —de oposição ao regime de Lukachenko. .
Em depoimento, o ex-professor da BSU Yaraslau Kot relatou ter tido seus dados pessoais vazados após declarar sua posição contra o ditador Aleksandr Lukachenko. “Meu carro foi pichado, recebi ligações com ameaças. A administração me chamou para conversas e disse: ‘Por que você está conversando com os estudantes sobre política? A culpa será sua se eles forem esmagados com tanques’.” Em dezembro, ele foi demitido.
A universidade também cortou bolsas de estudo e expulsou da residência estudantil outros 17 alunos, e mais de 168 foram oficialmente repreendidos por protestar contra a ditadura. Vários se viram forçados a deixar o país, como Leanid Kazatchak, que estudava relações internacionais na BSU.
Ele foi preso por 12 dias em outubro do ano passado e, ao ser solto, recebeu uma advertência da universidade. Em fevereiro deste ano, após nova detenção pela polícia, deixou a Belarus e foi também expulso pela universidade.
“Neste momento, a assinatura de um acordo de cooperação com a BSU é vista pela sociedade belarussa como um gesto de apoio às ações da administração universitária, que encaminha os seus alunos ao banco dos réus”, escreveu Volha Yermalaieva Franco em carta enviada à federal paraibana.
Ela citou o abaixo-assinado lançado pela iniciativa Universidade Honesta —que defende liberdade de expressão no ensino superior belarusso—, por um boicote de parcerias e cooperações internacionais com a instituição “até que a repressão política em Belarus seja encerrada”.
A UFPB é a única universidade brasileira a manter acordos com a BSU. A UnB, que tinha uma parceria, rompeu os laços no ano passado após a violenta repressão da ditadura contra os manifestantes, atitude semelhante à tomada por universidades na Alemanha na Ucrânia.
Além de receber críticas de outras universidades brasileiras e internacionais, a UFPB está sendo acusada de censurar perguntas de internautas durante um evento para apresentar a parceria, na manhã da última sexta (18). Durante a videoconferência, o belarusso Tsimafei Malakhouski, da iniciativa Honest People, relatou ter sido removido do evento sem justificativa, antes de fazer qualquer pergunta.
“Você foi excluído da conferência pelo organizador” foi a mensagem que recebeu, antes de voltar à reunião com uma conta anônima, segundo ele.
Outro participante, o pesquisador de literatura e cultura belarussa Paterson Franco, relatou ter tido seu microfone cortado quando pedia às representantes da federal paraibana —Leila Bijos e a diretora de Relações Institucionais, Ana Berenice Martorelli— uma posição sobre a crise política na Belarus.
Antes disso, Franco havia perguntado à representante da BSU, a professora Elena Dostanko, como a instituição poderia garantir a segurança de estudantes brasileiros, “uma vez que existem inúmeras repressões a manifestantes pacíficos na Belarus”. A docente belarussa disse “estar ciente da complexidade” dos problemas que afetam seu país, mas que não falaria sobre política.
Volha também teve seu microfone cortado durante a videoconferência, quando apresentava números sobre a repressão na BSU. Sua fala foi depois restabelecida pela diretora de Relações Internacionais, mas a professora belarussa voltou a repetir que não falaria de política. O evento, segundo a ativista, foi encerrado abruptamente.
A didatura da Belarus já fez mais de 30 mil detenções desde que começaram os protestos pedindo a renúncia de Aleksandr Lukachenko e eleições livres, em agosto do ano passado. Nesta segunda (21), havia 501 presos políticos no país, segundo a entidade de direitos humanos Viazna. Ao menos 1.350 alunos e 270 professores universitários foram punidos por se manifestarem contra a repressão violenta do regime.
A Folha procurou a UFPB desde as 8h (horário do Brasil) e conseguiu contato com um dos professores responsáveis por cooperação internacional às 9h42, mas, até as 12h30, ainda não havia recebido resposta ao pedido de entrevista.
“Queremos fazer o regime de [Aleksandr] Lukachenko secar financeiramente ”, escreveu em rede social o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, após o anúncio de novas sanções contra a ditadura da Belarus.
Os chanceleres dos 27 países que foram a União Europeia concordaram nesta segunda (21) em adicionar 78 pessoas e 8 entidades à lista de sujeitos a restrições, em represália contra o sequestro de um avião comercial e a prisão do jornalista Roman Protassevich e sua namorada Sofia Sapega, no final de maio.
As novas sanções, quarta rodada desde que começaram repressões violentas contra manifestantes na Belarus, são as mais amplas já impostas a um país do bloco oriental, segundo o analista Ben Aris, especializado em nações pós-soviéticas. Pela primeira vez visam também sete setores econômicos muito relevantes para a economia do país pós-soviético, como potássio (usado em fertilizantes) e produtos de petróleo.
As exportações de potássio representam um quinto da receita orçamentária da Belarus e derivados de petróleo refinados, outro terço do PIB do país. “As vendas podem ser redirecionadas para a Ásia e a Rússia, evitando um colapso da economia, mas as sanções ainda prejudicarão Lukachenko e aumentarão sua dependência de Moscou”, afirmou.
A estratégia por trás das sanções, segundo ele, é aumentar o custo do apoio russo a ponto de o presidente Vladimir Putin desistir de dar retaguarda ao ditador da Belarus. A estimativa é que a Rússia gaste por ano entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões (entre R$ 10 bi e R$ 15 bi) com empréstimos subsidiados e alívios de dívida, valor que pode subir a de US$ 6 bilhões a US$ 10 bilhões (de R$ 30 bi a R$ 50 bi) com as sanções.
“Isso vai doer. Isso vai prejudicar gravemente a economia da Belarus”, disse o responsável por política externa da UE, Josep Borrell. As medidas ainda precisam do aval dos líderes dos países, em reunião entre quinta e sexta desta semana.
Os presidentes da Belarus, Aleksandr Lukachenko (esq.), e da Rússia, Vladimir Putin, em passeio de barco no Mar Negro, uma semana após o desvio dovoo da Ryanair – Sputnik/Sergei Ilyin/Kremlin – 29.mai.2021/Reuters
Também será afetado o setor financeiro: bancos da UE serão proibidos de dar empréstimos ou investir no país. Alexander Schallenberg, ministro das Relações Exteriores da Áustria —um dos principais fornecedores de serviços financeiros à Belarus—, afirmou que o objetivo é atingir o Estado, mas não os habitantes. “Temos que apertar os ‘anjinhos’ [‘thumbscrews’, instrumentos de tortura que apertavam os polegares de interrogados] após essa ação cruel de pirataria aérea estatal”, disse ao Guardian.
Svetlana Tikhanovskaia, que liderou a frente de oposição contra Lukachenko nas eleições presidenciais do ano passado, se encontrou com os ministros antes da reunião e pediu que a UE intensifique sanções para pressionar a ditadura a soltar os mais de 500 presos políticos do país. Entre eles está o marido de Svetlana, Serguei Tikhanovski, detido em maio do ano passado quando lançava sua candidatura a presidente.
O mais popular opositor de Lukachenko, o executivo Viktor Babariko, também está preso desde antes das eleições presidenciais. “As sanções não são uma solução rápida, mas podem ajudar a acabar com a violência e a libertar as pessoas”, afirmou Tikhanovskaia em rede social.
A UE já impôs três rodadas de sanções, chegando a um total de 155 indivíduos, incluindo Lukachenko e seu filho, e 15 entidades, que tiveram viagens proibidas e bens congelados. As medidas são consideradas simbólicas, porque a elite do país tem poucos ativos no bloco europeu.
Após a interceptação do voo da Ryanair por um caça militar e seu desvio para o aeroporto de Minsk, a UE e o Reino Unido proibiram o sobrevoo da Belarus por suas companhias aéreas e fechou os aeroportos do bloco a aviões belarussos.
O que acontece na Belarus?
Desde agosto de 2020, manifestantes protestam contra eleição considerada fraudada, na avaliação de entidades internacionais, e pedem a saída do ditador Aleksandr Lukachenko
Quem é Lukachenko?
Ex-administrador de uma fazenda coletiva durante a antiga União Soviética, ele venceu a primeira eleição presidencial no país, em 1994 —a única considerada livre e justa. Desde então, concentrou poder, reprimiu a oposição e se reelegeu nos pleitos seguintes
O que mudou no ano passado?
A candidatura de Svetlana Tikhanovskaia, à frente de outros grupos de oposição cujos candidatos foram presos ou exilados, atraiu forte apoio no país, levando à percepção de que, pela primeira vez, adversários de Lukachenko teriam chance nas urnas. Mas observadores foram impedidos de acompanhar a votação e a ditadura divulgou que o presidente obtivera 80% dos votos, desencadeando revolta e protestos.
Por que a UE lançou nova rodada de sanções?
No final de maio, Lukachenko ordenou a interceptação de um voo da Ryanair que ia da Grécia à Lituânia e tinha a bordo um adversário de seu regime, o blogueiro Roman Protassevich, 26, que foi preso ao desembarcar em Minsk e está sendo processado por três crimes. O ato foi considerado um atentado à segurança da aviação civil e aos direitos humanos.
Se outras três levas de sanções não funcionaram, por que esta funcionaria?
As primeiras rodadas proibiram viagens e congelaram ativos de indivíduos e instituições envolvidos com a repressão violenta a manifestantes pacíficos, mas foram consideradas simbólicas, já que a elite da Belarus têm poucos investimentos no bloco europeu.
Agora, pela primeira vez serão afetados setores economicamente relevantes para o regime, como armas, tabaco, produtos de petróleo e potássio, responsável por parte considerável da receita belarussa. A estratégia é elevar o custo da ajuda russa, para que o governo de Vladimir Putin deixe de sustentar Lukachenko.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/06/ufpb-firma-convenio-com-universidade-acusada-de-repressao-na-belarus.shtml
Créditos: Polêmica Paraíba