Após Colômbia e Argentina recusarem receber a Copa América em seus territórios, a Conmebol arrumou um terreno fértil no Brasil para suprir suas demandas financeiras. Em poucas horas, entrou em contato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que intermediou as conversas com o presidente Jair Bolsonaro. Como o e-mail não veio destinado da Pfizer, mas sim da CBF, o Governo brasileiro foi rápido em responder com um trágico sim.
Segundo país com maior número de casos e mortes pelo novo coronavírus, o Brasil abre as fronteiras para 11 países da América do Sul instalarem as delegações em território nacional. Mesmo após críticas de políticos, mas sobretudo de especialistas em Saúde, o Governo não voltou atrás e confirmou 4 sedes: Brasília, Goiânia, Cuiabá e Rio de Janeiro (ainda não confirmado após declarações de Eduardo Paes na sexta).
Que Bolsonaro é um populista e tenta usar o futebol para obter popularidade, que cai na mesma proporção em que o número de mortes pela Covid-19 cresce, é de conhecimento público. Desfila com camisas de clubes e já esteve em premiações da própria CBF, essa mesma gerida por Rogério Caboclo, mas comandada por Marco Polo del Nero, banido pela Fifa.
Também é de conhecimento público que Bolsonaro é um admirador da Ditadura Militar. Obcecado por mortes, sejam as tantas provocadas pela Ditadura ou agora pela pandemia, o presidente arrumou uma forma de se inspirar no general e ditador Emilio Médici, pior presidente entre os militares, Médici era o “burro”, citado na brilhante frase de Juca Chaves: “Como se mede um burro? Mede-se (Médici) da cabeça aos pés”.
Pois bem, juntando sua admiração pelo futebol e pela Ditadura, Bolsonaro aceitou a Copa América para tentar desviar o foco da pandemia e dar um suspiro na sua popularidade. É o circo, mas sem pão. A história lembra a Copa de 1970, o tricampeonato com Pelé, Carlos Alberto Torres, Gérson, Rivellino e Tostão. Que seleção! Naquela época, tanto quanto as atuações, uma música fez sucesso no país.
O jingle marcou a conquista do tricampeonato da seleção brasileira, em 1970: “Pra frente Brasil”, composta por Miguel Gustavo. Entretanto, o jingle fez tanto sucesso que acabou atraindo atenção de Médici.
“Noventa milhões em ação
Pra frente, Brasil
Do meu coração
Todos juntos vamos
Pra frente, Brasil
Salve a Seleção!
De repente é aquela corrente pra frente
Parece que todo o Brasil deu a mão
Todos ligados na mesma emoção
Tudo é um só coração!”
A música em questão tinha um tom ufanista, que se orgulha exageradamente de algo, que agradou o ditador e acabou virando a música de propaganda do regime militar. Na época, Médici se aproveitou do clima de euforia nacional para investir pesadamente em campanhas publicitárias patrióticas, usando tanto de músicas, quanto de filmes e slogans que remetiam ao mesmo tempo a futebol e política.
Após a vitória da seleção canarinha em 1970, frases de caráter nacionalista e xenófobo inundaram as mídias brasileiras, como “ninguém mais segura este país” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Foi assim que, juntamente à tortura e à repressão, o governo Médici fez uso da propaganda como arma política.
No Brasil, outros episódios na história também unificaram futebol e política. Relembre alguns:
O futebol contra a Ditadura Militar no Brasil
Na época da ditadura, muitas figuras importantes do futebol foram publicamente contra o regime. Um nome que se destaca é o de João Saldanha, que muitos consideram o responsável por montar o time da Copa de 1970, até hoje tida como a melhor seleção da história. Saldanha ocupou o cargo de treinador da Seleção Brasileira entre 1969 e 1970, sendo demitido poucos meses antes do campeonato mundial que aconteceria no México.
Como a demissão aconteceu sem que fossem dadas muitas explicações do porquê, levantou-se a suspeita de que o então presidente Médici seria responsável. Acredita-se nisso pois pouco antes de Saldanha deixar o cargo, o presidente Médici pediu que o treinador convocasse o atacante Dario para o time; o treinador, porém, respondeu de maneira que desagradou o ditador:
“O Brasil tem 80 ou 90 milhões de torcedores, gente que gosta de futebol. É um direito que todos têm. Aliás, eu e o presidente, ou o presidente e eu, temos muita coisa em comum… Somos gaúchos, somos gremistas e gostamos de futebol… e nem eu escalo ministério, nem o presidente escala time. Você está vendo que nos entendemos muito bem”.
Saldanha, além de treinador, era escritor, advogado, jornalista e um membro importante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se manifestava abertamente contra a ditadura militar, fato que se intensificou após o assassinato de seu amigo Carlos Marighella, em 1969. Anos depois, João “Sem Medo”, como foi apelidado, deu uma entrevista no programa Roda Viva sobre os acontecimentos de 1970. Durante a conversa, afirmou ter levado para o México uma série de documentos que comprovavam centenas de prisões, mortes e torturas realizadas pela ditadura militar brasileira.
Além de Saldanha, um jogador de futebol, ídolo do Corinthians, tornou-se também do país inteiro quando “Diretas Já!”. Trata-se de Sócrates, que em 1984 chamou atenção, principalmente por meio da participação em comícios, para o movimento que buscava as eleições diretas para a presidência, de forma a garantir o fim da ditadura militar.
Ao lado de Sócrates e Saldanha também está Reinaldo, que foi camisa 9 da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1978. No jogo contra a Suécia, Reinaldo marcou o gol de empate e, ao comemorar, ergueu o punho fechado em um gesto de afronta à ditadura. Reinaldo contou que foi inspirado pelos atletas olímpicos negros John Carlos e Tommie Smith, que protestaram contra o racismo nos jogos de 1968. A situação repercutiu não apenas no Brasil, mas na América Latina em geral – já que praticamente toda a região era dominada por ditaduras –, e em especial na Argentina, país que sediava a competição.
O Santos de Pelé já parou uma guerra?
Nos anos 1960, o Santos Futebol Clube se destacava mundialmente, em especial por ter no seu time o melhor jogador do mundo da época, Pelé. Para conseguir uma renda maior, o clube se aproveitava da sua fama e realizava excursões pelo mundo, chegando a jogar no continente africano em 1969. Entretanto, nem os dirigentes do time nem seus jogadores poderiam imaginar o episódio que surgiria dessa viagem.
O time liderado por Pelé desembarcou na Nigéria no mês de janeiro de 1969 em meio a uma guerra civil. O conflito, também conhecido como Guerra de Biafra, foi iniciado em 1967 e tinha como objetivo a separação da porção sudeste do território nigeriano para a fundação da República de Biafra. Esse país, a República de Biafra, chegou a existir por 31 meses, mas em 1970 acabou sendo derrotado de vez e anexado novamente à Nigéria.
Apesar de a história ser sustentada pelo Santos, e até mesmo comemorada pelo clube, há quem diga que isso não aconteceu. De qualquer forma, reza a lenda que o violento conflito foi suspenso momentaneamente para que o time de Pelé jogasse na cidade de Benin, fortemente afetada pela guerra civil. A chegada do time santista teria sido tão importante que o governador da região – o tenente coronel Samuel Ogbemudia – até decretara feriado no período da tarde, além de autorizar a liberação da ponte que ligava as cidades de Benin e Sapele – ambas muito afetadas pelo conflito – para que todos pudessem assistir ao jogo.
*Samuel de Brito, com informações do Politize!
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Polêmica Paraíba