A polêmica em torno da real quantidade dos leitos Covid-19 em Campina Grande impressiona pelo seu desequilíbrio de distribuição da demanda nos hospitais públicos e por pré-requisitos inflexíveis para internação em UTIs. Enquanto isso, os dados divulgados pelos boletins epidemiológicos diários pela Prefeitura passam a sensação de que o cenário é de estabilidade por conta da divulgação de leitos disponíveis e por um cálculo que usa leitos “virtuais”. Mesmo com toda essa disponibilidade, cinco pacientes foram transferidos para João Pessoa. Mas, afinal, aonde estão os leitos livres de Campina?
Primeiramente, vamos ao cenário atual. A Rainha da Borborema é a segunda cidade com mais casos confirmados de Covid-19, sendo 28.480 até esta terça-feira (25), e também o segundo município com mais mortes por coronavírus no estado, com 865 registros. Conforme a 25ª avaliação do Plano Novo Normal, do Governo do Estado, vigente desde 17 de maio, o município está classificado como bandeira laranja – que recomenda mobilidade restrita. Antes a cidade registrava bandeira amarela, um nível menor na classificação.
De 15 de abril a 24 de maio, foram 1.180 ocupações gerais em UTIs Covid. Em um levantamento feito pela imprensa, baseado nos dados do censo hospitalar da Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande, a média é de 30 pessoas internadas em leitos de UTI adulto no Hospital Pedro I nos últimos 39 dias. Porém, há 60 leitos desta natureza instalados naquela unidade.
Desde o início da pandemia, o Hospital Pedro I funciona exclusivamente para atendimento de paciente com Covid-19. São 60 leitos de UTI Adulto, sendo 10 do tipo I e 50 do tipo II. Além disso, são 90 leitos de enfermaria. No entanto, a capacidade máxima é frequentemente atingida nos de enfermaria, o que não acontece na UTI.
No recorte temporal em que a reportagem teve acesso, a menor quantidade de leitos de UTI Covid no Pedro I foi no dia 26 de abril deste ano, com 16 ocupados e a maior ocorreu nos dias 5 e 7 de maio, com 40 ocupados. No dia em que houve a transferência de um paciente de Monteiro apto para internação em UTI pelo agravamento da doença e que deveria ter sido internado em alguma unidade hospitalar campinense, o Pedro I registrava 29 leitos ocupados. Mesmo assim, foi recusado. A reportagem procurou a Prefeitura de Campina Grande para questionar se todos os 60 leitos de UTI Adulto estariam aptos para atender a alta demanda da cidade e região, mas não obtivemos resposta.
De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (Cnes), sistema de informação do Ministério da Saúde, destes 60 leitos de UTI adulto no Pedro I, metade são habilitados pelo SUS. Isto é, que recebem recursos federais para o funcionamento. Os demais 30 leitos são de responsabilidade do ente federativo, no caso, o município de Campina Grande. Pedimos confirmação do custeio de leitos de UTI com recursos municipais, mas até a publicação desta reportagem, a Prefeitura de Campina Grande não se pronunciou.
Dos 30 leitos de UTI adulto habilitados pelo SUS, 20 são os novos instalados durante o primeiro ano da pandemia, inclusive, última atualização da habilitação ocorrida em março deste ano; e outros 10 são os que já existiam e estão habilitados pelo SUS desde 2008.
Gastos com a pandemia em 2021
Em quatro meses neste ano, a Prefeitura de Campina Grande gastou aproximadamente R$ 1.357.389,00 no combate à pandemia, de acordo com os dados de pagamentos na Transparência Municipal, disponibilizado no site da edilidade. O que representa uma média de apenas R$ 339,3 mil por mês, na segunda maior cidade do estado e a segunda mais atingida pela pandemia.
É necessário uma breve explicação para melhor compreensão das informações a seguir. De acordo com o Tesouro Nacional, “empenho é o ato emanado de autoridade competente, que cria para o estado a obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição; a garantia de que existe o crédito necessário para a liquidação de um compromisso assumido; é o primeiro estágio da despesa pública”. A Controladoria-Geral da União (CGU) esclarece que “liquidação consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito e tem como objetivos: apurar a origem e o objeto do que se deve pagar; a importância exata a pagar; e a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação”. Já o pagamento, para o Tesouro Nacional, “é o último estágio da despesa pública. Caracteriza-se pela emissão do cheque ou ordem bancária em favor do credor”.
Nas despesas, chama atenção que a Prefeitura não realizou gastos com a pandemia em janeiro. Por sua vez, dos quatro meses investigados, fevereiro foi o que mais apresentou cifras, com R$ 1.127.341,72.
Com relação aos gastos, a reportagem do Paraíba Já também questionou a Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande sobre os investimentos na manutenção de leitos de UTI Covid no Hospital Pedro I. Mais uma vez não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem.
Por outro lado, a gestão de Bruno Cunha Lima já recebeu mais de R$ 11 milhões do Governo Federal, somente em 2021 destinados especificamente para área da saúde. Os dados são do Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU). Em janeiro, a prefeitura campinense recebeu R$ 460 mil. Depois voltou a receber em março, quando embolsou R$ 4,7 milhões. No mês seguinte recebeu R$ 2,2 milhões. Já em maio, embolsou mais de R$ 4,3 milhões. Confira a distribuição percentual dos repasses abaixo.
Pouca ocupação, muita sobrecarga para a rede
Mas vamos “começar do começo”. Campina Grande é referência para o atendimento da 2ª macrorregião, composta por mais de 60 cidades da região que não possuem unidades hospitalares de média e alta complexidade. O Plano Estadual de Contingência Covid-19 aponta que há 167 leitos de UTI para atendimento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Destes, 4 são pediátricos, localizados no Hospital da Criança e do Adolescente. Os demais estão distribuídos no Pedro I (60), João XXIII (9), Isea (6), Trauma (5), Hospital das Clínicas (60) e o HU Alcides Carneiro (10).]
Curiosamente, o boletim epidemiológico gerado pela Prefeitura de Campina Grande contabilizava os leitos privados dos hospitais Santa Clara e Antônio Targino. Existem UTIs neles, só não são acessíveis para a população dependente do SUS.
Com igual capacidade de tratamento intensivo do Pedro I, o Hospital das Clínicas, gerido pela Secretaria de Estado Saúde, vive uma outra realidade da pandemia. De 15 de abril a 24 de maio, a média de UTIs ocupadas foi de 57, sendo, ao todo, 2.238 ocupações gerais em leitos de UTI. No dia em que o Pedro I registrou a menor ocupação de UTIs (16), o das Clínicas registrava 50 leitos em uso. Três vezes mais que o hospital municipal.
Neste maio, o Clínicas passou quatro dias consecutivos com 100% de ocupação. Foi no dia 24 de abril em que registrou menor índice: 48 UTIs em uso. Em porcentagem, equivale a 80% da lotação.
A justificativa da gestão do prefeito Bruno Cunha Lima (PSD) é de que o Hospital Pedro I funciona com critérios de internação em UTI diferenciados dos que são adotados pelos protocolos estaduais. Ainda há a argumentação para reserva técnica de leitos. Mas antes de falar sobre protocolos e reservas, vamos a outro capítulo da história.
No último dia, 18 de maio, o município de Campina Grande foi constatado por relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) como a cidade que mais registrou casos de fura-filas foi Campina Grande (50 casos). Depois, João Pessoa (40 casos). A partir dos dados, uma força-tarefa comandada pelo TCE-PB foi montada para investigar os casos. Veja: (https://tce.pb.gov.br/noticias/tce-pb-encontra-irregularidades-na-vacinacao-contra-covid-19-e-reune-orgaos-de-controle-para-intensificar-fiscalizacao/view).
Outros erros da gestão de Bruno com a pandemia
Fura Filas – Recentemente o MP entrou com ação, para investigar a denuncia, onde segundo populares, aliados do prefeito, teriam tido o aval para furar a fila da vacinação das doses recebidas pelo Governo Federal para a primeira etapa do programa nacional de imunização contra a Covid-19. “Formalizei denúncia no ministério público, com as provas colhidas e produzidas, pelos próprios vacinados, que furaram a fila de prioridade na vacinação contra à COVID-19 em Campina Grande. Ser amigo do Rei, garantiu essa prioridade”, disse a médica Tatiana Medeiros.
“Kit-covid” na gestão de Bruno – O Ministério Público da Paraíba (MPPB) estipulou um prazo entre 30 e 90 dias para concluir o procedimento inicial de uma denúncia realizada contra a Prefeitura de Campina Grande (PMCG), por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Segundo a denúncia, mesmo sem eficácia comprovada, o Hospital Municipal Pedro I, no bairro de São José, estaria mantendo a prescrição do chamado “kit-covid” para pacientes com sintomas da doença. Na semana passada, em depoimento a CPI da Covid, instalada no Senado Federal, o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, surpreendeu integrantes da CPI ao criticar as falas e ações negacionistas do chefe do Executivo e pedir para que ninguém siga suas orientações.
Segundo o Ministério Público, a Notícia de Fato (NF) está sendo analisada pela Promotoria de Justiça de Campina Grande, através da promotora de Justiça de Defesa da Saúde de Campina Grande, Adriana Amorim de Lacerda. Além do hospital, a promotora deve ouvir o Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB). De acordo com o CRM, a prescrição do “kit-covid” é permitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), contanto que o médico informe ao paciente a falta de evidências científicas e os efeitos colaterais. O mais curioso é que a distribuição dessas substâncias foi confirmada pelo próprio Bruno, que fez uma transmissão ao vivo por meio das suas redes sociais em frente à unidade hospitalar. Veja: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2021/03/27/prefeitura-de-campina-grande-distribui-remedios-sem-eficacia-comprovada-para-covid-19.ghtml
Fonte: Paraíba Já
Créditos: Paraíba Já