Histórias: Futebol e Avião(Parte VI)

Bruno Filho

O médico é uma figura importante no futebol.Normalmente é um ortopedista de formação, mas tem que saber um pouco de tudo,ser um clínico geral,principalmente em se falando do futebol do passado, sem muitos recursos,sem a tecnologia de hoje e feito 90% com amor à profissão e ao clube de coração.

No Corinthians não era diferente.Por lá passaram grandes médicos,o mais conhecido e simpático e meu amigo do peito Dr.Osmar de Oliveira, que além de médico é jornalista e dos bons.Uma bagagem invejável,uma clareza naquilo que fala e escreve.Um dos únicos profissionais que trabalhou nas 5 grandes rêdes de televisão do País.

Mas, meu assunto é com respeito ao antecessor de Osmar.O folclórico e ingênuo Dr.Orlando Plantullo.Filho de italianos,bom caráter,incapaz de uma palavra mais carregada a quem quer que fosse.Bonachão e querido por todos,principalmente pelos jogadores.Era compadre de Roberto Rivelino.

O ano de 1969.O Corinthians está embarcando para mais um jogo do extinto “Robertão”, vai para Recife.Sábado 4 horas da tarde o embarque.Todos no Aeroporto de Congonhas, e Orlando sempre afobado chega atrasado para viajar e num leve toque de mãos,fila um bilhete de Loteria Federal que estava no bolso de seu paletó.

Naquele tempo que não exisitia Mega-Sena,e nem outras ‘senas’, o bilhete era um dos únicos jogos oficiais do Governo e Plantullo gostava de arriscar.Só que ao fazer esse movimento não percebeu que estava sendo ‘filmado’ pelos amigos, entre eles o saudoso Rene Toledo,gozador,administrador do clube.

Vendo aquela cena,Rene já armou o plano todo,associado com o técnico Aymoré Moreira,o assessor de imprensa Otavio Munis e…Rivelino,afilhado da vítima.Tudo pronto,a delegação embarca, e á certa altura do vôo, Rene se levanta e vai até a cabine do comandante.

Explica a sua intenção,que lógico, era de inventar um resultado da extração da loteria daquele sábado,obviamente incluindo o numero do “doutor” entre os sorteados…se não me engano um belo “Perú”…45777.Aliás, o número que está no endereço do Corinthians na Rua São Jorge.

Plano plenamente aceito pelo comandante, mãos- à- obra.Com aquela voz impostada,surge a palavra do piloto:”Senhoras e senhores aqui fala o comandante…blá-blá-blá…daqui a pouco em contato com a rádio Nacional de Brasília,vamos fornecer o resultado da extração da Loteria Federal deste sábado.”

Orlando dá uma pequena e imperceptivel balançada no assento…o plano ia dar certo ! Mais alguns minutos e volta o comandante:”Acabamos de anotar os resultados e vamos fornecer agora…lápis e papel na mão…” e começa de baixo para cima,colocando o número do “doutor” no segundo prêmio.

Em valores de hoje seria mais ou menos uns 300 mil reais.Fornecido os numeros,o “italianado” médico se levanta do assento e finge ir ao banheiro, no caminho enfia a mão no bolso e confirma que teria sido o premiado.Volta aflito, senta-se e fica sem saber o que fazer.Todos no avião sabiam da trama.

Rene e Rivelino então, perguntam:” O que foi Orlando ? Aconteceu alguma coisa ?…e ele diz:”aconteceu… ganhei no segundo prêmio da Loteria Federal…”.Neste momento, o plano ainda não tinha acabado,os dois falam baixinho:”Fica quieto e não fala nada prá ninguém…”

Mas Orlando não aguentava,era italiano,ansioso, falava com as mãos e gestos, um artista.Aymoré Moreira,o técnico, participando de tudo diz lá da frente;” Doutor, preciso te falar uma coisa, o senhor vai ter que se apresentar na terça-feira no clube para preparar um relatório antes da reapresentação dos jogadores…”

Orlando não aguenta e responde:” Terça ? nem terça e nem quarta, se quiser me achar vá me procurar nas Bahamas,vou passear por lá” e cai na gargalhada…Aymoré finge-se de indignado, mas ao mesmo tempo retruca:”Por quê ? o senhor vai gastar o dinheiro que ganhou na Loteria ?…

Orlando então pára e pergunta:”Mas como sabe que eu ganhei na Loteria ?”…no que Aymoré finaliza:”Porque é mentira, foi o Rene e o Rivelino junto com o Tatá que armaram essa para voce e voce caiu direitinho…” O avião veio abaixo nas gargalhadas…

Ele se levantou, xingou,blasfemou, mas a viagem prosseguiu.Em poucos minutos estava rindo de novo,afinal novos bilhetes viriam pela frente.Infelizmente não foram tantos assim, pois o querido Orlando prematuramente faleceu com pouco mais de 40 anos vitima de um enfarte fulminante.

Foi o único médico do Corinthians que não ganhou um só titulo dentro de campo, a época era de “vacas-magras”,mas ganhou o maior dos troféus…o da simpatia dos seus atletas,lembro-me do velório de Orlando, os jogadores choravam como crianças.E sei que o mundo do médico no futebol ficou mais triste.

Bruno Filho,jornalista e radialista,que viu um Estádio inteiro no Chile gritar para Orlando:”maricon…”.Ele vestiu vermelho.

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