Histórias: Futebol e Avião(Parte IV)

Bruno Filho

Quando meu irmão mais velho Chico Sobrinho nasceu, meu pai só veio conhecê-lo quando ele tinha 2 mêses de vida,pois na época do nascimento ele estava em uma excursão com o Corinthians pelo mundo,que visitou 12 paises e aonde o time do Parque São Jorge realizou mais de 20 partidas.

O ano de 1952. A caravana corintiana passou por Portugal,Espanha,França,Alemanha,Holanda,Belgica,Turquia entre outros que não sei exatamente quais foram.Bi-campeões paulistas tinham uma equipe montada,que se conhecia muito dentro de campo e que era unida também fora dele.

A maioria dos jogadores vinha dos juvenis e aspirantes como se dizia no passado e se conhecia há muito tempo.Moravam quase todos no mesmo bairro,Penha ou Tatuapé, eram filhos de imigrantes na sua maioria pobres e sem cultura,trabalhadores de lavoura que vieram povoar São Paulo.

Um deles era Luiz Trujillo, Luizinho o “Pequeno Polegar” considerado até hoje um dos 10 maiores ídolos da equipe ao longo dos seus 102 anos,filho de espanhóis, tradicionais adeptos do Corinthians e habitantes de uma rua na Capital paulista chamada Carneiro Leão.

O outro, também filho de espanhóis, chamava-se Idário,um dos jogadores que mais vestiu a camisa alvi-negra em todos os tempos, só jogou lá a carreira toda e contam os que o viram, chorava quando o time perdia.Era um “perna-de-pau” na verdade mas fiel.

Na sua primeira viagem internacional, que foi citada acima,comprou um livro qualquer, gastou míseros réis que possuia economizados pois era um jovem que tinha uma ratoeira no bolso como diz a brincadeira ao nos referirmos aos sovinas.Ou referindo-se aos prevenidos para ficar mais elegante.

De posse do livro,andava com o mesmo pelos corredores do hotel, mas na verdade não sabia quase ler.Era simples e humilde, mas não dizia nada a ninguem.Era um presente que levaria a sua mãe.Até que chegou o dia da volta e ele teve que se abrir,teve que pedir ajuda.

No assento do avião ao lado de papai, e na frente de Luizinho, fala bem baixinho perto do ouvido do meu velho:”Munis você pode me ajudar ? Solicito Munis responde:”Sim, o quê precisa ?, e o espanhol, assim era o seu apelido,responde:”Quero fazer uma dedicatória no livro,afinal é minha primeira viagem internacional”.

O jornalista tira a caneta de seu paletó, abre a segunda página do livro e pergunta:”Prá quem é a dedicatória ?…e rapidamente Idário responde:” Pra mim mesmo voce escreve assim…ao Idário, lembrança de sua primeira viagem a Europa,assinado Idário ”

Num misto de surpresa e com vontade de rir, meu pai fica atônito e nada responde,porém Luizinho, igualmente despreparado escuta a conversa e querendo botar queixo e dar uma de inteligente, se levanta do seu assento e grita para todo o avião ouvir…

“Pessoal,o Idário está pedindo ao Munis….” e contou o caso.O avião todo gargalhou, o que deixou o espanhol nervoso, gaguejando e furioso.Ele levanta-se na direção do Polegar, e esfumaçando de raiva diz em alto e bom som:”Voce me respeite,eu sou um matrimônio do clube…!!!”

Aí sim que a gargalhada foi maior, e Munis que estava segurando o seu riso, aproveitou e desabafou.Lembrando que Luizinho e Idario
eram compadres e jogaram juntos por quase 12 anos.Eram amigos.Na verdade era o rôto querendo falar do rasgado, como diz o ditado popular.

Idário nunca leu o livro.Nunca foi a escola.Apenas jogou futebol com raça e fibra.Uma certa vez quebrou o pé e ainda com o sangue quente continuou a jogar sem saber da fratura.Foi até o final sem proferir uma reclamação sequer e deve ter morrido sem ter nem ao menos comprado uma casa para morar.Futebol era amor !

Bruno Filho,jornalista e radialista,que viu Luizinho no fim de carreira.Tinha só 1,60 mas era um “monstro” jogando.