Histórias: Futebol e Avião (Parte I)

Buro Filho

Vou relatar histórias que amealhei em anos de ouvinte,algumas que presenciei pela profissão, e outras que li em algum lugar.Sempre ligadas, neste primeiro instante, naquilo que um dia aconteceu dentro de um avião com delegações ou com apenas um ou outro jogador de futebol. Confirmo em 100% as que vi e acredito piamente naquelas que ouvi.

Ano de 1951.Campeonato Paulista e surge na tabela um jogo entre o Corinthians e uma pequena equipe recém-promovida da segunda divisão chamada Radium, da cidade de Mocóca,no interior de São Paulo, famosa por abrigar uma das maiores fábricas de laticínios que existiram no Estado num passado remoto.

Distância da Capital,quase 300 kilometros.O Corinthians resolve então viajar para o jogo contra o “caçula”, de avião.Estradas de terra,muita poeira, incentivaram o presidente Trindade a tomar esta decisão, além da vaidade de ser um time grande.Delegação pronta,viagem estimada em 1 hora, ou um pouco mais…

O avião decola,e quando passa pela cidade de Campinas,perde seu contato com a torre de controle mais próxima,contato que era feito via rádio e sem a ajuda de aparelhos modernos e radares sensíveis.Céu claro, o piloto continua sua rota,acreditando estar no caminho correto.

A certo momento reconhece que está perdido e comunica á tripulação o quê estava ocorrendo.Segundo ele, um pequeno problema.Pequeno problema dentro de um avião torna-se sempre um grande problema.O anúncio chega aos ouvidos dos jogadores,na sua maioria jovens sem preparo nenhum que ameaçam um desespero coletivo.

Neste momento levanta-se do primeiro banco a maior estrêla do time,um negro alto,esguio,que atendia pelo nome de Baltazar,”o cabecinha de ouro”,jogador de Seleção Brasileira que acabara de disputar uma Copa do Mundo pelo Brasil,além disso o mais rico do time.

Conhecido por ser boêmio,mulherengo e aproveitar a vida,Baltazar vivia um luxo momentâneo,gastava tudo o que ganhava na “farra” e não se importava com isso.Era idolo da torcida e renovava seus contratos a hora que desejasse e pelo valor que pedisse.Fazia 70% dos gols do time.

Apelava para seus companheiros quando o dinheiro acabava, fazia empréstimos que nunca pagava,”escrevia no gêlo”.Neste momento,desprovido de tudo o que de bom alguém deveria ter,vira-se para Luizinho e Idário, lendários jogadores do Timão e tidos como “mãos-de-vaca”, e diz o seguinte…

“…Vamos todos morrer ! O avião vai cair, vai acabar o combustível e vamos todos morrer !…” continua naquele tom jocoso e desafiador…” Hei…vocês dois, Luizinho e Idário…sabe o que vai acontecer ? Voces vão pro caixão e a família vai gastar todo o dinheiro que voces guardaram debaixo do colchão…” soltando uma sonora gargalhada.

Os citados, e todos os outros, imploraram para que ele parasse com aquela conversa e unidos rezaram pedindo a Deus que os salvassem.Realmente nada aconteceu, o piloto encontrou a pista de pouso, o avião desceu,o Corinthians jogou,venceu e a vida continuou.Aliás, foi até o campeão naquele ano.

Só que para Baltazar o futuro reservou dias terríveis.Disputou ainda uma segunda Copa do Mundo na Suiça, continuou gastanto tudo o que não tinha e acabou morrendo pobre e sem condições de comprar o seu próprio caixão.A torcida do Corinthians fez isso para ele.Mais uma vêz.

A mesma torcida que um dia lhe deu um Cadilac, os mais antigos sabem que carro é esse. Uma certa tarde o Cadilac pegou fogo na descida da Serra do Mar em direção a Santos.Ele, gargalhando, desceu do carro e gritou…”Pode queimar,amanhã a torcida me dá outro”.Pobre Baltazar, não sabia que o futebol é cheio de armadilhas.

Bruno Filho,jornalista e radialista,que conheceu Baltazar já idoso e cansado de fazer tanta coisa errada.

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