Gilvan Freire
Ainda não se sabe ao certo que tipo de imputação criminal há e a quem imputar no caso do ICMS da empresa São Braz, uma organização industrial da Paraíba que tem mais de 60 anos de existência. Os donos, entre os quais o mais antigo, Zé Carlos da Silva Júnior (líder do grupo), nesse mais de meio século nunca foram acusados de enriquecer a custa de desonestidades. Embora tenham amealhado uma imensa fortuna, para o padrão regional, gostam mais de investir do que de gastar, uma característica dominante dos empreendedores tradicionais que só compram uma roupa nova quando já ganharam mais de cem, ou quando as ve lhas não podem ser usadas mais. Antônio Ermírio de Moraes, um dos industriais mais ricos do Brasil, símbolo desse gênero empresarial, ainda hoje veste os paletós do pai, morto em 1973. Talvez o velho Zé Ermírio não usasse o próprio paletó para não ter de gastar sequer o que devia vestir.
Zé Carlos do São Braz, que no Registro Civil inclui o “da Silva Júnior” numa homenagem sanguínea ao pai e fundador do café que virou brasileiro depois de ser genuinamente paraibano, não chega ao ponto dos Ermírio de Moraes, mas certamente não tem entre seus hábitos ou hobbies o de estocar paletós.
No mundo dos negócios é assim, quanto mais honesto e trabalhador for o comerciante, mais apego terá às suas economias. E suas roupas, preferencialmente as mais simples e baratas, só deverão ser descartadas quando estiverem esfarrapadas, ou não exalarem mais o suor do dono. Suor de homem trabalhador é honra.
A política, que rouba a honra alheia para suprir-se do que lhe falta, tenta há anos corromper Zé Carlos. Não conseguindo subtrair-lhe um bem moral, quis assaltar-lhe o bolso. E ele se fez vice-governador em 1982, num laço de sedução esperta que lhe pegou pela vaidade, uma zona de vulnerabilidade dos humanos por onde entram todos os vírus oportunistas. Assim como Antônio Ermírio, que quis ser governador de São Paulo em 1986 gastando os milhões que economizou na vida regrada, Zé Carlos teve que gastar com os outros o que nunca pensou em gastar consigo mesmo. Mas saiu da política logo depois. Como Léo Abreu, o jovem médico de Cajazeiras que compreendeu cedo os riscos da atividade, Zé Carlos compreendeu tarde, mas a tempo, que a arte política não é de fazer café, mas de tomar o café dos outros. São Braz (século IV), santo que foi perseguido, torturado e decapitado pelo Imperador Licinius Lacinianus (308-324), obrou o milagre de trazê-lo de volta às origens e à lucidez.
É ainda a política que, agora, cerca Zé Carlos com feras famintas e raivosas, atacando não suas feridas da vida pública de outrora, mas seu poder. Ele ficou maior do que ser vice e mais permanente do que um titular temporário, tudo sem precisar ser político e sem ter de ceder na honra ou desperdiçar dinheiro. Sem ter de corromper-se para sobreviver, ou agachar-se.
Essa história do ICMS tem dois lados reconhecidamente honestos: uma empresa sem manchas e um secretário de carreira fiscal sem mácula. Por aí já se vê, em princípio, que a lama está vindo de outro lugar. O objetivo é formar um grande lamaçal artificial que dificulte ou impeça uma ação garimpeira nos esgotos do governo. É daí que vem o fedor. É uma tentativa solerte e getulista de ameaça, pressão e chantagem contra o exercício de direito de crítica à gestão pública, que sempre fica desonesta e desviada quando não é fiscalizada.
Basta de intimidação criminosa mediante uso do Estado no combate a delitos de opinião, especialmente quando a liberdade de expressão se levanta contra atos suspeitos da administração pública.
Se o atual governador não tiver maturidade, cautela e bom senso, e não estabelecer controle sobre alguns descerebrados auxiliares seus, vai transformar a Paraíba, em pouco tempo, numa terra onde só pensa e manda quem não tem juízo. E quem tiver, não precisa, não pode e nem deve obedecer.
Quando a administração pública apela para o crime como forma de combater ou silenciar a quem julga ser inimigo ou adversário, o governo vira criminoso. Ou então vira antro da criminalidade, onde o governante é autoridade conivente, quando não candidato a principal vítima de sua própria incapacidade de governar.