Fome nas creches, fartura na Granja

Rubens Nóbrega

Doze dias atrás o Ministério Público da Paraíba denunciou falta de gêneros alimentícios nas creches mantidas pelo Estado em João Pessoa e o “total descaso” com que o governo estadual vem tratando as crianças acolhidas nessas unidades.

Na Creche Benjamim Maranhão (Mangabeira IV), por exemplo, o MPPB constatou dia 19 de novembro último que os 15 bebês e as 52 crianças lá matriculadas estavam sendo alimentadas apenas com patê de frango e caldo de feijão.

“Há carência de frutas, verduras, legumes, carnes e até leite para lactentes e crianças pequenas; situação levou funcionários a pedirem doações na comunidade”, dizia a nota do Ministério Público distribuída à imprensa no dia 23, acrescentando:

– A falta de alimentos indispensáveis para garantir alimentação saudável foi constatada também na Creche Karina Zagel de Mendonça, que fica no mesmo bairro e atende cerca de 60 crianças.

Nessa mesma creche, a Promotora de Justiça Maria Salete Araújo Melo Porto constatou que o fornecimento de leite, alimento básico na primeira infância, fora interrompido há mais de um mês quando a Doutora esteve por lá.

“Creches devem oferecer cinco refeições diárias (…) o que constatamos foram ações criminosas, porque não se pode deixar bebês e crianças sem alimentação ou com alimentação precária”, disse, indignada, a representante do MPPB.


Enquanto isso…

Em menos de 30 dias, entre 21 de novembro de 12 de dezembro de 2011, a Casa Civil do Governo do Estado comprou nada menos que 460 latas de Farinha Láctea, presumivelmente para a Granja Santana. A informação consta do já famosíssimo relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) realizada no órgão encarregado de abastecer a residência oficial do governador.

Mas as 460 latas de Farinha Láctea representam quase nada diante da grandeza dos gastos do Estado sob Ricardo Coutinho para alimentar os moradores da Granja Santana e outros comensais do Palácio da Redenção. Foram mais de R$ 800 mil dos cofres públicos consumidos em aquisição de gêneros alimentícios e pagamentos de milhares de refeições.

“A Casa Civil do Governador realizou despesas na ordem de R$ 326.211,76 com a aquisição de gêneros alimentícios, além de R$ 481.256,40 com fornecimento de refeições (almoços, brunch, café da manhã, coffee break e jantares). Impressionam as vultosas quantidades e valores gastos com alimentos para a Residência Oficial, Palácio da Redenção e Casa Civil do Governador. Para se ter idéia, foram adquiridos mais de 17,4 toneladas de carnes entre os dias 15 de junho e 13 de dezembro, ou seja, em apenas seis meses”, descreve o documento do TCE.

Os banquetes onde foram servidas essas carnes tiveram cardápio rico e variado, compreendendo desde os 10 kg do bacalhau mais caro do mundo (Gondus Morma do Porto) aos nove de filé mignon sem cordão (ou seja, o filé do filé), dos 72 quilos de picanha argentina maturada aos 60 de cauda de lagosta de primeira ou dos 64 kg de camarão de água salgada de primeira. Sem casca, lógico.
Sem controle, sem resposta

Um detalhe curioso chamou a atenção do pessoal do TCE: em apenas seis dias, entre 7 e 13 de dezembro, a Casa Civil comprou 7,5 toneladas de carne. Sabendo que carne estraga facilmente se não for mantida sob refrigeração ou congelamento, a auditoria perguntou à Casa Civil onde estava armazenado tanto alimento perecível. Pediu ainda os documentos de entrada e saída do produto do estoque.

Resultado: feito o governador faz com este colunista, nenhuma resposta foi dada aos auditores até 14 de novembro deste ano, data em que foi fechado o relatório de auditoria.

Além disso, a auditoria apurou outras irregularidades na aquisição de gêneros alimentícios, incluindo despesas não comprovadas que alcançam um total de R$ 193.892,89, dos quais pelo menos R$ 79 mil foram pagos sem atesto nas notas fiscais, como se ninguém tivesse recebido a mercadoria ou, simplesmente, a mercadoria não tivesse sido entregue. Já em muitas outras notas fiscais onde foi atestado o recebimento, simplesmente não havia identificação do servidor que, em tese, recebeu os produtos comprados.

De qualquer modo, vale assinalar também que em meio a tanta fartura de irregularidades impressiona mesmo é a fartura de comida que a Casa Civil comprou e pagou ano passado para uns poucos se fartarem à custa do dinheiro público. Só pra vocês terem uma ideia, uma única empresa – a Panificadora e Pastelaria Santa Fé Ltda. – firmou com esse governo que parece mais comilão que todos os outros um contrato para fornecimento de 29.500 refeições, sendo 5 mil almoços, 4 mil brunchs (café da manhã reforçado), 7,5 mil cafés da manhã, 7 mil coffee break e 6 mil jantares.
Pensando bem…

Pelo visto, a solução para as creches do Estado é transferi-las da Secretaria da Educação para a Casa Civil do Governador.