Dia do trabalhador: a classe que movimenta o país e é a principal responsável pelo consumo e funcionamento da economia. No entanto, os trabalhadores ainda não perceberam o poder que, unidos, têm sobre o país. Apesar de todas as lutas, movimentos, greves e consequentes conquistas, no decorrer dos anos os governos neoliberais trataram de retirar direitos e precarizar o trabalho. Hoje, com a crise e o desemprego em alta, muitos são obrigados a aceitarem condições adversas e até desumanas de trabalho para pôr comida na mesa.
Já nos anos 90 a precarização veio à tona com a substituição dos operários pelos robôs, gerando desemprego estrutural. As políticas implantadas fortalecem os empresários, fornecendo incentivos, subsídios e perdoando dívidas, mas fragmenta os sindicatos e os trabalhadores, suspendendo contratos, reduzindo salários e impossibilitando aumentos.
Os novos contratos são precários, legitimados pelos governos, em reformas como a Trabalhista e a da Previdência, com a prerrogativa de retomar o crescimento da economia, a Reforma Tributária é mais uma que pode vir para retirar ainda mais direitos dos trabalhadores. Isso quando há contrato, pois hoje o trabalho informal é crescente no Brasil, agravado pela pandemia. Essa modalidade cresceu 11,2% no último trimestre de 2020.
Mas quem pensa que é a solução está enganado, mesmo com 33,5 milhões de pessoas trabalhando dessa forma, o índice de desempregados se manteve em 14,1%, mantendo-se no patamar recorde de 14 milhões de pessoas. Ou seja, há cada vez mais gente perdendo a carteira de trabalho e entrando na informalidade.
Nos dias de hoje, primeiro de maio continua um símbolo de luta, mas já não há tanto que se comemorar. Os trabalhadores precisam se orgulhar de sua classe e defender seus direitos. É preciso uma consciência coletiva para impedir que as conquistas históricas sejam derrubadas por um Congresso que desrespeita os trabalhadores e, em grande parte, vieram das oligarquias estaduais sem ter estado na pele de quem luta diariamente, de ônibus, metrô ou a pé, para receber um salário desproporcional ao seu esforço.
Essa consciência passa pelas urnas, os trabalhadores precisam fazer seu valor ser reconhecido. É preciso pesquisar quem vota à favor da classe trabalhadora e não confiar o voto a deputados e senadores que concordam com projetos de Governo que precarizam o trabalho e desprezam a luta diária, eliminando os contratos, a carteira de trabalho e os diretos à férias, FGTS, entre outros. Além disso, é necessário se orgulhar e reconhecer-se como trabalhador, sem vergonha de lutar por dignidade, para que os próximos dias 1º de maio possam ser espelho de conquistas obtidas em todos os outros dias do ano.
O levantamento abaixo traz as principais conquistas dos trabalhadores e retiradas promovidas por governos brasileiros ao longo da história:
Getúlio Vargas (Partido Trabalhista do Brasil)
Getúlio Vargas é a referência histórica quando se trata de leis trabalhistas e direitos dos trabalhadores. Fundador do Partido Trabalhista Brasileiro, antes de Vargas, não havia salário mínimo, férias remuneradas ou carteira profissional. Os trabalhadores atuavam com péssimas condições, foi Getúlio quem regulamentou todas as demandas que a classe vinha lutando há décadas. Ficava para trás um período de trabalho quase escravo e caracterizado pela desregulamentação das relações trabalhistas e começava um período no qual a CLT garantia proteção social aos trabalhadores.
Entre as principais conquistas dos trabalhadores, Vargas criou a Justiça do Trabalho, em 1939, para julgar os litígios decorrentes das novas leis trabalhistas criadas desde 1930, passando a administrar a tensão entre trabalhadores e patrões. Em 1943, veio a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulou as relações trabalhistas no Brasil, estabelecendo conquistas fundamentais:
– Carteira de Trabalho;
– Jornada diária máxima de 8 horas e criação salário mínimo;
– Direito a férias anuais remuneradas, descanso semanal e à previdência social;
– Regulamentação do trabalho do menor e da mulher, proibição de discriminar no emprego mulheres casadas e grávidas e criação da licença maternidade;
– Pausa para alimentação, fiscalização contra acidentes, adicional de insalubridade e estabilidade no emprego depois de 10 anos.
A CLT não agradou aos empresários. Em troca, Getúlio enfrentou resistência das elites e lideranças empresariais. No governo Vargas houve também a criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio. Esse órgão foi o responsável, entre outras atribuições, pela maior presença do poder de Estado nos conflitos entre capital e trabalho. Além das regulamentações, vale lembrar o incentivo a indústria nacional e a criação de estatais, como a Petrobras, fundamentais na geração de empregos.
Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
No governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), as retiradas de conquistas começaram a se intensificar, principalmente por meio de Medidas Provisórias, que impressionaram pela quantidade. Em 2001, FHC apresentou um projeto de alteração do artigo 618 da CLT, impondo a prevalência do “negociado sobre o legislado”. Na prática, anulava históricas conquistas dos assalariados, como 13º salário, férias, adicionais, etc. A reação a este projeto foi generalizada e a chamada “reforma da CLT” ficou parada por muito tempo, até o Governo Temer.
No entanto, a flexibilização avançou a passos largos. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil foi um dos recordistas mundiais na desregulamentação neste período. Percebendo que seria difícil promover mudanças radicais na Constituição ou na CLT, FHC usou a tática de impor as medidas. Algumas das principais:
– Portaria 865, setembro de 1995: impediu a autuação das empresas por desrespeito às convenções e acordos trabalhistas. Ao invés de multa, determinou que os fiscais apenas registrem a ocorrência de práticas ilegais;
– Lei 9.601/98: aprovada em dezembro de 1997, criou o “contrato por tempo determinado”, o famoso “contrato temporário”. Ela também permitiu a jornada semanal superior às 44 horas previstas na Constituição sem o pagamento das horas-extras, criando o “banco de horas”;
– MP no 1.726/98: instituiu a “demissão temporária”, com suspensão do contrato de trabalho por cinco meses.
Segundo o IBGE, no final de 1994 o desemprego atingia 4,5 milhões de trabalhadores, o equivalente a 6,1% da força de trabalho no país. Ao término do primeiro mandato de FHC, em 1998, o número subiu para 7 milhões de brasileiros, 9,2% da População Economicamente Ativa (PEA). Já em 2000, atingia 11,5 milhões de trabalhadores, próximo à taxa dos 15% da PEA. Ou seja, um milhão de desempregados a mais para cada ano de governo FHC.
Luís Inácio Lula da Silva (PT)
As ideias de FHC não prosperaram. Após ele, veio o governo Lula, com forte apoio das centrais sindicais, e os direitos trabalhistas foram ampliados. Assim como Vargas representa para muitos as conquistas trabalhistas, Lula representou a valorização dos trabalhadores. Em dezembro de 2002, quando assumiu o governo após FHC, o Brasil tinha um índice de desemprego de 12,6%. Em dezembro de 2010, ao fim dos dois mandatos de Lula, o índice havia caído para 6,7%. Nos anos Lula e Dilma foram mais de 20 leis que aprimoraram a relação do trabalhador com o empregador, destaque para algumas:
– 11.603/03, que reconheceu a profissão do comerciário. A lei garantiu direitos, protegeu o trabalhador e forçou contratações, gerando empregos, uma vez que o comerciante não podia contratar mais um freelancer de domingo, sem direitos trabalhistas;
– Lei 11.738/08, instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica;
– Lei 12.506/11, que ampliou o aviso prévio de trinta para até noventa dias.
Lula também anunciou o ganho real no salário mínimo. Diferente do que era comum, e é obrigatório, o salário mínimo não era apenas reajustado de acordo com a inflação do ano anterior. Além do reajuste, havia também aumento real, pela primeira vez na história. De 2002 a 2010, teve uma subida inédita e atingiu a marca de 53,67%, chegando a 76,54%, em 2015. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), em 2014 o salário mínimo injetou na economia R$ 28,4 bilhões. A medida continuou no Governo Dilma, mas foi abolida por Temer e Bolsonaro.
Além da política de valorização do salário mínimo, vale destacar que o ex-presidente Lula criou também a Lei dos estágios e a figura do Microempreendedor Individual (MEI).
Michel Temer (PMDB)
A curta passagem de Michel Temer pela presidência foi desproporcional aos anos de direitos trabalhistas retirados. Os congressistas apoiadores do projeto de governo liberal aproveitaram a figura de Temer, também defensor da precarização, para aprovar a Reforma Trabalhista, em 2017, que já era debatida há alguns anos, mas foi segurada por Dilma Rousseff.
Entre os principais pontos da Reforma, o “negociado sobre o legislado”, defendido lá nos anos 90 por FHC, foi oficialmente validado. A nova legislação garante força de lei à negociação de acordos coletivos para alguns pontos da reforma, como parcelamento de férias, banco de horas, remuneração por produtividade, participação nos lucros e etc. Pelo menos, não é permitido alterar direitos essenciais, como salário mínimo, FGTS e décimo terceiro. Também podem ser criados acordos individuais.
O estímulo a informalidade ganhou força na Reforma. A contratação do autônomo (com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não) afastou a qualidade de empregado prevista na CLT. Por não ser empregado, esse profissional não terá direito aos mesmos benefícios que possuem os profissionais com carteira assinada, como férias, 13º salário e FGTS. Mais tarefas, menos dinheiro.
A Reforma criou modalidades, como o trabalho intermitente; modificou a base de remuneração, ou seja, valores pagos como ajuda de custo, auxílio-alimentação, diárias de viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, e não podem constituir base para a incidência de qualquer encargo trabalhista. Além de incentivar a terceirização, inclusive de serviços essenciais.
Jair Bolsonaro (sem partido)
O governo Bolsonaro aproveitou a pandemia para pôr em prática o ataque as leis trabalhistas, já previstos pela agenda liberal defendida pelo Ministro da Economia, que incorporou o Ministério do Trabalho, extinto logo no início do mandato. Ao tratar do tema, Bolsonaro declarou em entrevistas que o trabalhador “terá de decidir entre menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego”.
Em 1º de maio de 2020, Bolsonaro já havia editado, em pouco mais de um ano, 17 MPs, o mesmo número que Lula em todo o primeiro mandato. Na semana que antecede o dia do trabalhador, Jair Bolsonaro editou Medidas Provisórias para reduzir jornada e salário dos trabalhadores e flexibilizar a lei trabalhista.
Foram reedições das MPs 936 e 927, de 2020, que criaram o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permite suspensão de contratos e a redução de jornada e salários dos trabalhadores formais, além da permissão para alterar diversas leis trabalhistas. A segunda prevê diversas medidas temporárias, como o teletrabalho, a antecipação das férias, a concessão das férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e adiar o recolhimento do Fundo de Garantia (FGTS), entre outras. Pela norma, as empresas poderão adiar o recolhimento do FGTS dos funcionários por um período de quatro meses. Os empregadores terão até o fim do ano para fazer o pagamento desses débitos.
*Samuel de Brito, com informações de BBC, Correio Cidadania, Estadão Conteúdo, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Samuel de Brito/Polêmica Paraíba