Por Carolina Brígido – UOL
Com pouco mais de cinco meses ocupando uma das onze cadeiras do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Kassio Nunes Marques ainda não fez amigos na Corte. O novato tomou posse em 5 de novembro do ano passado em situação atípica. No meio da pandemia, ele não foi recebido no tribunal nem com evento íntimo, muito menos com festa animada, como manda a tradição. De um certo ponto de vista social, sua chegada à corte ainda não aconteceu. A circunstância dificultou o entrosamento no Supremo.
Depois de participar de dezenas de sessões virtuais, realizadas por videoconferência por conta da pandemia, Nunes Marques ainda não conheceu pessoalmente boa parte dos novos colegas. As conversas foram limitadas a ligações telefônicas breves, ou à conversa menos formal que os ministros travam pelo aplicativo de vídeo pouco antes de começar a sessão de julgamentos.
Em tempos normais, a antessala no plenário do STF serve como palco para conversas mais amenas, regadas a café, frutas e pão de queijo. É no salão branco, onde fica essa antessala, que os ministros batem papo nos intervalos das sessões e desfazem eventuais mal entendidos. É também o local para se contar piada e falar da família. Cármen Lúcia tem sempre um “causo” para contar – como suas conversas divertidas com taxistas. Sem esse ambiente, fazer amigos no Supremo fica mais difícil.
Antes da pandemia, também era comum os ministros frequentarem um a casa do outro nos finais de semana. Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, que moram em casas, estão entre os que mais recebem colegas para almoços ou jantares. Agora, esses encontros foram praticamente banidos da vida social da corte.
Quando um ministro é anunciado para ocupar vaga no STF, os eventos sociais costumam vir a reboque. Antes mesmo da posse, são promovidos encontros para que os mais antigos recepcionem o mais novo. As ocasiões não são necessariamente formais.
Dias Toffoli, quando chegou ao STF, em 2009, era convidado por Joaquim Barbosa, hoje aposentado, para jogar futebol com amigos em um Brasília. Barbosa, por sua vez, quando chegou ao tribunal, em 2003, era levado por Carlos Velloso, que se aposentou em 2006, para jogar tênis em um clube da capital federal.
Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia chegaram ao STF no mesmo ano, em 2006, nomeados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Costumavam sair juntos para comer pizza em um restaurante de Brasília, onde papeavam animadamente e bebiam vinho. O grupo era acrescido de Carlos Ayres Britto, hoje aposentado – outro notório contador de anedotas.
Relação estremecida com Gilmar
No caso de Nunes Marques, foi feito algum esforço para recebê-lo bem. No fim de setembro, Mendes abriu as portas de sua casa em Brasília para receber o futuro colega, acompanhado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de Dias Toffoli. Mas a amizade não seguiu adiante. Hoje, a relação entre Mendes e Nunes Marques está estremecida, por motivos jurídicos.
No início do mês, o novato deu liminar permitindo a realização de cultos e missas presenciais em todo o país durante a pandemia. Em seguida, Mendes proibiu as atividades religiosas em São Paulo enquanto a Covid-19 não for controlada. O clima entre os dois pesou.
Antes disso, ainda em março, Nunes Marques se ressentiu quando Mendes disse que o colega não era garantista “nem aqui, nem no Piauí”, em referência ao estado natal do novato. Era o julgamento na Segunda Turma sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Mendes votou contra Moro e Marques, a favor. Depois de ouvir o comentário provocativo, Nunes Marques humildemente pediu desculpas se, por acaso, tivesse ofendido alguém com seu voto.
A partir da sessão seguinte, como resposta, o novato colocou ao fundo de sua tela de vídeo uma bandeira do Piauí ao lado da bandeira brasileira. É a imagem que ostenta enquanto vota. Entre ministros do STF, Nunes Marques é tipo como “casca grossa”, no sentido de não levar desaforo para casa.
Normalmente, Nunes Marques conversa ao telefone com o presidente do Supremo, Luiz Fux, e também com o ministro Luís Roberto Barroso. O tema costuma ser processos a serem julgados – ou seja, não há assunto de amizade. Também já conversou com Alexandre de Moraes ao telefone. Da mesma forma, o assunto era jurídico, sem espaço para amenidades.
Na hora de votar, Nunes Marques não tem feito questão de se alinhar a um grupo específico no STF – o que também dificulta na arte de fazer amizades na Corte. Ele chegou à Segunda Turma com a promessa de ser garantista, a linha do Direito que prioriza prerrogativas dos réus. Mas frustrou o grupo de Mendes ao votar de forma favorável a Moro.
No episódio das igrejas, ficou isolado. Ministros condenaram a atitude dele de tomar a decisão sozinho, sem submetê-la antes ao plenário. Ainda mais em uma seara que o próprio STF já tinha definido que União, estados e municípios têm autonomia para definir o funcionamento de atividades específicas durante a pandemia.
Matematicamente ainda há esperança para Nunes Marques. Prestes a completar 48 anos, ele ainda tem mais 27 anos de STF, até que seja laçado pela aposentadoria compulsória. É tempo suficiente para fazer amigos e encontrar formas de sobrevivência entre os dez colegas.
Fonte: Carolina Brígido – UOL
Créditos: Carolina Brígido – UOL