O assunto da semana, e provavelmente dos próximos meses, é a CPI da Pandemia, que vai investigar possíveis omissões do Governo Federal no combate à crise sanitária. A determinação do STF para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) instalasse a comissão imediatamente não foi bem recebida por Jair Bolsonaro e, logo no início da semana, um áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-SE) expôs a insatisfação do presidente com o STF e a tentativa de manobra para investigar também estados e munícipios, seguindo a lógica de que: uma CPI que investiga todo mundo, acaba não investigando ninguém.
Fato é que a CPI preocupa o Planalto e deixa Bolsonaro desconfortável. As conclusões do inquérito podem fazer o Governo ter que responder denúncias do Ministério Público e desgastar ainda mais a imagem do presidente, há pouco mais de um ano das eleições. Se a CPI pode mudar o cenário político e um áudio revelou a face preocupada e quase desesperada de Bolsonaro, atacando ministros do Supremo e dizendo o que um senador deveria fazer, essa não é a primeira conversa vazada que revela os bastidores da política.
No caso de Bolsonaro, especula-se que a conversa tenha sido planejada, o que o presidente nega. Na história recente, já houve armação, vazamentos e grampos ilegais que revelaram bastidores da política e mudaram os rumos da política, na Paraíba e no país.
No âmbito legal, a gravação de uma conversa feita por um dos participantes, sem o conhecimento do outro, não é ilícita e pode ser usada como prova em ação judicial. No entanto, o assunto gera polêmicas e entendimentos diferentes de tribunais. A 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), já entendeu que, em processo criminal, uma gravação de conversa telefônica, feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, não pode ser usada como prova.
A dúvida pode ser solucionada em breve. Em março deste ano, a Câmara dos Deputados votou para proibir que gravações ambientais realizadas por pessoas físicas possam ser usadas para formulações de denúncias, caso não tenham acontecido com “prévio conhecimento” da autoridade policial ou do Ministério Público. O trecho em debate afirma que essas escutas só poderão ser usadas para formulação de defesa e não para acusação.
Relembre alguns áudios que causaram mudanças no cenário político:
16 de março de 2016 – Lula e Dilma
Em março de 2016, o então juiz Sergio Moro, criminosamente, quebrou o sigilo e divulgou um grampo telefônico entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma Rousseff. Na ocasião, Moro divulgou à Rede Globo uma conversa que, supostamente, era um acordo para tornar Lula ministro e protegê-lo das investigações, o que levou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, a suspender a nomeação de Lula como ministro.
No entanto, mais tarde, com a face da Lava Jato desmascarada pelas mensagens vazadas no que ficou conhecido como Vaza Jato, as conversas mostram que Moro pretendia reforçar a hipótese de que Lula aceitara um convite para ser ministro-chefe da Casa Civil como forma de obstruir a Justiça, mas todos os diálogos que contrariavam essa narrativa foram mantidos em sigilo. Em conversas divulgadas posteriormente, com aliados, o ex-presidente relutou em aceitar o convite para ser ministro, o que não foi divulgado por Moro.
A ação de Moro inflamou o país em 2016, agravando a crise que levou ao processo de impeachment de Dilma Rousseff e contribuindo para a ascensão de Temer ao poder, seguido de Bolsonaro. Veja um resumo da repercussão do áudio:
23 de maio de 2016 – “Com o Supremo, com tudo”
No processo de impeachment, um áudio retrata o acordo nacional que foi feito para retirar a presidenta democraticamente eleita, é a conversa do então ministro de Planejamento e senador licenciado, Romero Jucá, com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Eles articulam manobras para barrar o avanço da Lava Jato que mirava tucanos e aliados de Temer na época e deixam evidente as articulações para dar um golpe político.
Na gravação, o ex-presidente da Transpetro afirma a Jucá que “a solução mais fácil” era colocar Michel Temer no comando da Presidência. Jucá concorda com o interlocutor e ressalta que somente Renan Calheiros, que, segundo ele, “não gosta de Temer”, é contra a proposta de afastar Dilma do Palácio do Planalto por meio de um processo de impeachment.
“Só o Renan que está contra essa porra. Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra”, diz Jucá ao ex-presidente da Transpetro.
Na sequência, Machado destaca que é preciso “botar o Michel num grande acordo nacional”.
“Com o Supremo, com tudo”, enfatiza o ministro.
“Com tudo, aí parava tudo”, concorda Machado.
“É. Delimitava onde está, pronto”, avalia Romero Jucá
Na conversa, os dois ainda falam sobre uma possível eleição e mencionam o tucano Aécio Neves, então senador. Machado afirma que Aécio “não ganha porra nenhuma”. E Jucá concorda: “Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não”.
Após isso, Machado dá entender que sabe dos esquemas de corrupção de Aécio Neves, blindado pela Lava Jato: “O Aécio, rapaz… O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB”. E Jucá, mais uma vez, concorda: “É, a gente viveu tudo”.
https://www.youtube.com/watch?v=vHnVQYDol6c
18 de maio de 2017 – “Tem que manter isso, viu”
Com o acordo nacional selado, Michel Temer assumiu a presidência com o Congresso ao seu lado. No entanto, as investigações contra o vice-presidente em exercício foram potencializadas por um áudio entre Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, empresa famosa pelos escândalos de corrupção.
A divulgação da conversa com Temer, gravada por Joesley no Palácio do Jaburu dois meses antes, foi o ápice da tensão de um primeiro semestre agitado no país. Num áudio truncado e de baixa qualidade, o Brasil ouviu a chancela do presidente Michel Temer à suposta compra do silêncio do ex-deputado e presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista. E parece que funcionou: até hoje, Cunha não delatou.
Além disso, contra todos os prognósticos, Temer se segurou no cargo, derrotando duas denúncias na Câmara dos Deputados, com a chancela dos parlamentares.
19 de dezembro de 2019 – 10% e 13º como propina
Na Paraíba, as gravações não demoraram a causar alvoroço na política. Em 2019, o ex-governador Ricardo Coutinho foi investigado na Operação Calvário e teve sua prisão decretada após provas juntadas por um áudio, gravado pelo então operador da Organização Social Cruz Vermelha, Daniel Gomes. Na gravação, Ricardo questiona sobre o pagamento de quantias em atraso e de um suposto 13º. A conversa foi interpretada pelo Ministério Público como um débito relativo à propina.
A defesa do ex-governador nega a versão, fala em perseguição do MP e diz que os áudios foram manipulados. Seus advogados afirmam ter encontrado provas de manipulação do inquérito. Um dos trechos veiculados como prova do esquema, relata a defesa, no qual Gomes e Coutinho negociariam uma propina de 10% dos recursos repassados ao Hospital Metropolitano, teria sido totalmente distorcido.
A conversa não trataria do sobrepreço na compra do material, mas do custo dos equipamentos que precisariam estar disponíveis até a inauguração do hospital, em abril de 2018. Segundo a perícia contratada, os 10% dizem respeito ao valor da entrada inicial para a aquisição de “itens pequenos” em relação ao total do montante investido na unidade. Se comprados à vista, o governo obteria desconto na operação.
Os advogados também apontam distorção em um trecho amplamente divulgado na mídia, no qual Coutinho afirmou: “Meu 13º já está certo”. Segundo os procuradores, a frase seria uma comemoração jocosa do então governador, animado em receber seu “próprio 13º”, fruto dos desvios. Quando se ouve a transcrição completa, diz a defesa com base na perícia, vê-se, porém, que se trata de uma menção à garantia de pagamento aos servidores públicos estaduais.
No cenário eleitoral, as denúncias enfraqueceram o ex-governador, que havia elegido seu candidato, João Azevêdo, no primeiro turno em 2018 com votação expressiva, antes das denúncias. Na tentativa de reconquistar a prefeitura de João Pessoa, dois anos depois, Ricardo ficou apenas em quinto lugar na disputa e, portanto, fora do segundo turno.
https://www.youtube.com/watch?v=J6otyRFde0Y
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Samuel de Brito/Polêmica Paraíba