Candidato ou não a presidente em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva começa sua jornada à eleição no ano que vem buscando fugir do que o PT vê como uma armadilha: ser considerado pelo eleitorado um polo tão extremo quanto Jair Bolsonaro (sem partido).
O tema tem sido discutido por aliados do líder petista desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, restaurou seus direitos políticos ao anular condenações da Operação Lava Jato.
Há um consenso de que a polarização com Bolsonaro tem de ser modulada pelo óbvio: não alienar nem o eleitorado que abraçou o antipetismo de 2016 para cá, mas que antes apoiou Lula, nem os agentes financeiros.
Isso não significa, contudo, uma reedição da famosa Carta ao Povo Brasileiro, documento de 2002 em que Lula beijava a cruz do mercado prometendo manter a política liberal do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).
Deu certo, e o namoro entre mercado e governo do PT só começou a sofrer abalos reais a partir das gestões de Dilma Rousseff (2011-16), que amplificou políticas instituídas nos dois anos finais das administrações de Lula.
Agora, contudo, petistas de alto escalão avaliam ser dispensável um compromisso —ao contrário, basta se colocar retoricamente como uma alternativa racional, urbana, à turbulenta gestão de Bolsonaro.
A primeira reação dos mercados à liberação de Lula foi negativa, com um misto de repetição do temor que o PT provocava nos anos de crise de Dilma com a expectativa de que Bolsonaro inclinará seu governo para uma gestão mais populista e autoritária prevendo o embate com o petista.
Lula tem sido aconselhado a vestir um figurino de estadista mais sereno, fazendo a defesa institucional de aspectos que considera positivos de seu governo.
Sua proverbial agressividade de palanque ficaria, se o cenário se confirmar, para itens incontestáveis de crítica a Bolsonaro —como seu manejo da pandemia, que já tem mais de 260 mil mortos no país.
O ex-presidente, que governou de 2003 a 2010, deverá fazer seu primeiro pronunciamento desde que Fachin tomou sua surpreendente decisão, na segunda (8).
Nele, o foco deverá ser a questão judicial, que lhe deixou 580 dias na cadeia até o fim de 2019 e que levou ao julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro, o artífice da Lava Jato que o condenou.
Mas, como diz um interlocutor do ex-presidente, Lula será candidato do começo ao fim da entrevista e depois, ainda que não assuma a candidatura.
Há divergências acerca da conveniência desse movimento. Primeiro, porque apesar de a avaliação geral ser de que a elegibilidade de Lula está virtualmente garantida para 2022, sempre pode haver algum percalço jurídico.
Segundo, e isso ninguém irá assumir em público, há a questão do que alguns petistas consideram de legado do ex-presidente. Ele estaria recuperado com a anulação das sentenças e eventual punição a Moro, na opinião desses dirigentes, sendo assim desnecessário arriscar uma disputa incerta.
Diferentemente de 2018, quando a cúpula petista via Lula imbatível, não há tal certeza com Bolsonaro e seus 30% de eleitorado fiel mesmo com a gestão desastrada da pandemia de Covid-19, além dos outros concorrentes que apostem no “nem-nem” —nem o presidente, nem o ex-presidente.
Hoje o campo, mais à direita ou mais à esquerda, está congestionado, e ficou ainda mais estreito com a recolocação de Lula.
Lá trafegam João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Ciro Gomes (PDT), Flávio Dino (PCdoB), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM), para não falar em nomes exógenos cogitados, como o da empresária Luiza Trajano.
O mais importante, para os petistas ouvidos, seria Lula apresentar-se como portador de um projeto que mostre uma alternativa a Bolsonaro que, na visão deles, já teria sido comprovada na prática.
A argumentação contrária, de que a ruína econômica sob Dilma, que gerou condições políticas para seu impeachment em 2016, é largamente desprezada como um problema da ex-presidente. O fato de que a gestão econômica dela foi herdada de Lula também passa em branco.
Por esse arranjo, acreditam lulistas, o discurso estará organizado seja o candidato Lula ou Fernando Haddad, seu substituto na disputa com Bolsonaro em 2018, que acabou com 46% dos votos válidos no segundo turno.
O ex-presidente, por sua vez, segue determinado a ver Moro em maus lençóis. A sua gradual volta à vida pública, iniciada com a saída da cadeia, passou por uma intensa campanha de denúncia do modus operandi da Lava Jato.
Instrumental para tanto foi o grupo de advogados Prerrogativas, ligado à esquerda e com ótimo trânsito em Brasília, onde tem nos ministros do Supremo Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski interlocutores frequentes.
O caso ganhou corpo com as revelações de grampos de Moro e outros membros da Lava Jato e, também, com o ambiente político.
Bolsonaro elegeu-se com o lava-jatismo como uma das pernas de sua campanha, e simbolizou isso trazendo Moro como seu ministro da Justiça. Deu no que deu, e o ex-juiz saiu atirando do governo um ano depois, mas no processo o presidente tratou de apoiar o esvaziamento da Lava Jato.
Indicou um procurador-geral da República que encerrou oficialmente a operação, viu remanejados investigadores. Teve apoio para tanto da renovada ala garantista do Supremo, Gilmar à frente, que nunca tolerou o que considerava abusos de Moro e companhia.
No Congresso, onde Lava Jato é palavrão para a maioria dos parlamentares, o movimento ganhou ainda mais força com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara. Na semana passada, o Supremo o livrou de um processo na Lava Jato.
Sobre Lula, Lira disse que ele até poderia merecer a absolvição de Fachin, mas Moro, que quase teve a suspeição deixada de lado, não. O centrão, cabe lembrar, esteve sempre com os governos de plantão —com exceção de Dilma, abandonada às vésperas do impeachment.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba