Equidade jurídica no "mensalão": todos são mesmo iguais perante a lei?

Flávio Vieira

Quando a questão diz respeito à preservação de princípios caros a todos nós, especialmente aos mais fracos, não é recomendável que nos aferremos a ideologias, preconceitos políticos, ódio de classe ou puro desejo de vingança.

Eu me refiro a equidade jurídica, um princípio fundador da sociedade moderna e uma das tantas heranças que a Revolução Francesa nos legou e que haveremos sempre de conservar.

Princípio, aliás, consagrado em nossa Constituição, que não seria verdadeiramente democrática se não reconhecesse que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”.

Dito isso, eu pergunto: o princípio da equidade jurídica foi respeitado durante o julgamento do chamado “mensalão”? A sanha acusatória do moralismo político, tão ao gosto de nossas classes médias desde os anos pré-1964, atingiu seu mais alto grau, quando o que deveria ser um julgamento, em que o STF e o Ministério Público Federal aproveitassem a chance para desvendar as entranhas do nosso sistema partidário e eleitoral, principalmente buscando aperfeiçoá-lo, acabou por se tornar um deprimente espetáculo político cuja principal vítima não é outra senão a própria ideia de justiça.

Os ministros do STF, lastimavelmente, deixaram patente que não apenas se dobram às pressões da “opinião pública” – leia-se grandes meios de comunicação, – como são adeptos de uma risível e provinciana tendência a exibicionismos intelectuais.

Pautado por interesses subalternos, o calendário do STF acabou se orientando pelo calendário eleitoral, com a apoteose – a condenação de José Dirceu – marcada para acontecer nas proximidades do segundo turno da eleição municipal que acabou de acontecer.

Entre tantas coisas, talvez a que gera hoje, e certamente continuará gerando polêmicas e efeitos na jurisprudência da justiça brasileira, seja a tese que deu suporte a todos os atos condenatórios de todos os envolvidos no mensalão: o “domínio do fato”.

Numa síntese precária, essa teoria, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin, abre a possibilidade de, mesmo sem provas de sua participação em determinado crime, culpabilizar alguém pelo poder hierárquico exercido sobre os executores de determinado crime.

Pois bem. Foi essa tese “salvadora” que permitiu a condenação por diversos crimes de José Dirceu e de José Genoíno, Ministro Chefe da Casa Civil e Presidente do PT, respectivamente, durante as ocorrências do “mensalão”.

Sem provas concretas contra eles, Joaquim Barbosa sacou a tese do “domínio do fato” para justificar as condenações dos dois, no que foi seguido por todos os outros ministros, à exceção Ricardo Lewandowski.

Para constrangimento geral dos nossos “doutos” magistrados, foi o próprio Claus Roxin quem desautorizou o uso desse malabarismo jurídico, concluindo pelo “mau uso” da teoria no caso do “mensalão”.

Segundo Roxin, em entrevista à Folha de São Paulo – realizada antes, mas só publicada depois do segundo turno, registre-se – a “posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter de saber não basta.”