Chegou a quarta-feira de fogo e o bloco As Muriçocas do Miramar não vai sair na avenida pela primeira vez em 35 anos. Os foliões não vão tomar a Epitácio Pessoa. O Acorde Miramar já não aconteceu. O carnaval 2021 está diferente: não tem festa, nem feriado, apenas a esperança de que em 2022 seja possível fazer uma grande festa. A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo o cuidado cada vez maior com a saúde. Estar em casa nunca foi tão necessário, inclusive no carnaval. E é assim que vai ser com o maior bloco das prévias carnavalescas de João Pessoa. O que fica? A saudade de ver o bloco saindo.
A tradição de começar a festa à meia-noite da quarta-feira de fogo, com o Acorde Miramar, e iniciar a preparação para a noite das Muriçocas vai ser substituída, em 2021, por uma exposição com todos os estandartes e camisetas do bloco, no Shopping Sul, em João Pessoa, a partir das 18h desta quarta-feiram na Praça de Eventos. Um passeio pelas Muriçocas do Miramar.
Mesmo sem avenida, o estandarte foi criado por Dann Costara para comemorar os 35 anos de festa. Além disso, o presidente do bloco, Mestre Fuba, fez a composição da música da edição 2021 e um EP foi lançado:
“Não vejo a hora de descer essa ladeira, trocar minha focinheira por uma linda fantasia. Estou vacinado de amor e alegria, imunizado pelo teu astral. As muriçocas nessa grande pandemia é o fogo que alimenta e contagia o carnaval”.
Para o Mestre Fuba, que esteve presente nas 35 edições do bloco, não estar na avenida na quarta-feira de fogo traz uma sensação estranha, mas inevitável. “O carnaval é alegria, então a gente já estava acostumado com essa rotina de tantos anos. Começar a organizar a partir do meio do ano, pensar nas atrações, o estandarte, as camisetas. É muito trabalho… É um agito que acontece há muitos anos. A gente sente falta, mas ao mesmo tempo a gente nem cogitou essa possibilidade de fazer alguma coisa, não tem condições”, declarou Fuba.
‘Fica essa saudade de ver o bloco saindo’
O músico e compositor Zé Neto, hoje vocalista da banda Os Gonzagas, vive o bloco As Muriçocas do Miramar desde que se “entende por gente”. Tinha por volta dos seus sete ou oito anos quando deixou marcado na memória as primeiras lembranças do bloco. Frequentador assíduo das Muriçoquinhas do Miramar, bloco reservado para as crianças, Zé Neto cresceu como folião e depois passou a contribuir para o bloco. Foi na história das Muriçocas que teve o seu primeiro emprego na área cultural.
“Minha casa era cheia de coisas das Muriçocas, a gente sempre tinha camiseta, mesmo fora do carnaval, escutava muito as músicas de Fuba. O bloco Muriçocas do Miramar frequenta minha vida desde que eu me entendo por gente”, declara Zé Neto.
O vislumbre tem desde criança. As cores, as músicas, os brilhos, a energia e os foliões descendo a avenida ficam na lembrança: seja pelas imagens da TV, quando não podia frequentar o bloco, seja pessoalmente, vivendo cada momento de perto.
Começou a trabalhar nas Muriçocas como ajudante, mas fazendo de tudo um pouco. Ajeitava estandarte, mandava recado, entregava água. Lá pelos 14 anos, assumiu a tarefa de produção. “Foi a primeira vez que me deram uma tarefa mais séria. Precisava tomar conta dos camarins dos trios elétricos e dos camarotes. O bom disso é que você tinha acesso aos trios, você via os artistas, via a banda”, conta. Assim, viu de perto, ainda na adolescência, artistas como Luiz Caldas, Alceu Valença, Carlinhos Brown, Lucy Alves, entre tantos outros.
Quando tinha cerca de 25 anos, assumiu participação na diretoria do bloco, tomando decisões importantes, participando de reuniões para a realização da festa e organizando o tradicional bloco de João Pessoa, junto com os companheiros que já seguiam na labuta há alguns anos. “É um movimento muito grande dentro de mim, me liga a um aspecto muito emotivo, afetivo, emocional, memória de infância”, desabafa Zé Neto.
Mas o primeiro ano sem As Muriçocas do Miramar não poderia trazer um outro sentimento a não ser o de estranheza. “A gente tem uma sensação estranha do mundo, sensação de incerteza, medo do que pode acontecer, medo de morrer, medo de perder entes queridos. É uma sensação tão forte que acontece no mundo inteiro, então não poderia ser diferente. A sensação que eu tenho é de saudade, de estar no ‘fuzuê’ da organização, de encontrar a equipe, de escolher as atrações”, declara.
O bloco não é apenas tradicional, ele representa um pouco da cultura, a história do carnaval em João Pessoa. “O bloco me deu a possibilidade de enxergar a arte e a cultura na cara. A gente tem a oportunidade de enxergar arte e cultura na cara pelo cinema, pela televisão, pelo teatro, mas com As Muriçocas eu descobri como se faz arte e cultura no Brasil, quais as ferramentas que se tem, quais os caminhos para fazer isso, e o bloco me deu isso. Eu tenho muito orgulho de participar de tudo isso. Representa o entendimento do social através da arte, através da cultura”, frisou Zé Neto.
Fonte: G1 PB
Créditos: Polêmica Paraíba