Opinião

O repouso do guerreiro Zé Maranhão, “Mestre de obras” da Paraíba - Por Nonato Guedes

Maranhão estava em sua segunda passagem pelo mandato de senador

O senador e ex-governador José Targino Maranhão, 87 anos, não resistiu à gravidade das complicações causadas pela Covid-19 e consequências conexas e veio a óbito, na noite de ontem, no leito do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Hoje, a Paraíba se despede de um dos últimos líderes populares da sua história. Tríplice coroado (foi governador por três vezes), Maranhão estava em sua segunda passagem pelo mandato de senador. Começou carreira política em 1955 como deputado estadual, foi deputado federal e vice-governador. Em nota, a assessoria do MDB, partido que ele presidia, lembrou que Maranhão era um político com forte apreço popular na Paraíba e que ficou conhecido pela alcunha de “Mestre de Obras” ao dar prioridade à construção de açudes e adutoras para levar água aos sertanejos e populações carentes de infraestrutura hídrica e projetos sociais.

O legado administrativo deixado por Maranhão é incontestável. Afinal, foram três as oportunidades de ascender ao Executivo (na primeira, investiu-se com a morte de Antônio Mariz, de quem era vice, em setembro de 1995; na segunda foi consagrado nas urnas ao pleitear reeleição, tornando-se proporcionalmente o governador de Estado mais votado no país; na terceira vez, assumiu em momento de tumulto político-administrativo na Paraíba com a polêmica cassação do mandato do governador Cássio Cunha Lima, que cumpria segundo mandato). Descrito como um dos mais fiéis e perseverantes quadros do partido, Maranhão chegou ao comando do MDB praticamente sucedendo ao senador Humberto Lucena, que foi o grande timoneiro das lutas de oposição no Estado. Liderou o partido até o fim, tendo protagonizado momento relevante nas eleições municipais do ano passado quando lançou a candidatura do radialista Nilvan Ferreira, que logrou ir para o segundo turno contra Cícero Lucena, afinal vitorioso.

Maranhão fez sua hora na política paraibana, atendendo aos chamados e respondendo aos desafios que se descortinaram para ele. O embate mais sério que sustentou foi com o grupo Cunha Lima, quando, já efetivado como governador com a morte de Mariz, habilitou-se a concorrer à reeleição. O poeta Ronaldo Cunha Lima vinha preparando, pacientemente, a entrada em cena, em alto estilo, do herdeiro Cássio, que já se credenciara como deputado federal constituinte – revelação no Congresso – e como prefeito de Campina Grande. Havia Senas acumuladas de embates análogos entre o líder nascido em Araruna e o “clã” que ganhou prestígio e liderança na Rainha da Borborema. O confronto dos anos 90 tinha como pano de fundo o controle da legenda, de tradição marcante no Estado e, por via de consequência, a ocupação de espaços, na peleja por hegemonia entre esquemas preparados para o exercício do poder. Maranhão venceu a queda-de-braço e a reeleição; mais tarde, em 2006, foi derrotado por Cássio quando intentou retornar ao Palácio da Redenção, e em 2010, por Ricardo Coutinho, com o apoio de Cunha Lima, quando se habilitara a um novo mandato.

Houve situações dolorosas no fragor dos embates travados, com sequelas inevitáveis, decorrentes do grau de radicalização que eles experimentaram e do inconformismo de perdedores de ocasião, como soi acontecer na trajetória política, aqui e alhures. Maranhão dizia não considerar inimigos os que com ele se confrontaram porque os tinha na condição de adversários, de oponentes eventuais, daí o respeito que procurou manter, em muitos casos resistindo a pressões incontroláveis de seguidores fanáticos que, às vezes, atrapalham mais do que ajudam. Era um homem afeito à vida parlamentar, sentindo-se bem em ambientes legislativos, ora na Assembleia paraibana, ora no Congresso Nacional. Mas o que o realizava, mesmo, era o posto de governador, onde o campo de ação era infinitamente mais amplo. Suceder Mariz, uma legenda quase beatificada na Paraíba, foi uma responsabilidade tremenda, de que JM se desincumbiu com humildade, realismo e uma dose acentuada de sensibilidade política.

Conheci-o, mais de perto, como repórter político, quando era deputado federal e coordenava a bancada do então PMDB. Na campanha ao governo do Estado em 94, quando Mariz derrotou Lúcia Braga, tivemos aproximação maior, intensificada nas ocasiões em que ele assumiu a titularidade, em afastamentos de Mariz para tratar da saúde. Fui chamado para o papel de âncora do programa “Palavra do Governador” que a assessoria de imprensa formatou, sob medida, para massificar a imagem de Maranhão em todo o Estado. Semanalmente estávamos juntos – fazendo parte da equipe, também, o mano Lenilson Guedes, a jornalista Fábia Carolino e Clodoaldo de Oliveira na parte técnica. O editorial era escrito por Martinho Moreira Franco, ícone da imprensa paraibana, que nos deixou no final de semana. O programa era gravado, ou apresentado ao vivo, na Granja Santana. Ou no hangar do Estado, ou via telefone, quando o governador estava em Brasília, até no exterior, em missão administrativa.

A pauta, naturalmente, era submetida ao crivo de Maranhão, que tinha seus assuntos favoritos – gostava, por exemplo, de dar ênfase ao Projeto Cooperar, espécie de marca registrada da sua administração, juntamente com o Plano das Águas. Tive pelo menos uma rusga com o governador, quando, tentando descontrair o programa, li a carta de uma jovem colegial, da cidade de Soledade, pleiteando um violão, já que cogitava seguir carreira artística. Maranhão, fiel ao estilo espartano, ou austero, que virou slogan de governo, foi taxativo: “Infelizmente, no orçamento do Estado, não há rubrica para compra de violão”. Fiquei amuado, até distanciado, e saí do programa, que passou a ser apresentado pelo mano Lenilson. Mas Maranhão procurou-me para a reconciliação. Foi um dos meus padrinhos do casamento com Bernadeth. O último telefonema que me deu foi na reta final da campanha para prefeito de João Pessoa. Eu escrevera artigo em “Os Guedes”, exaltando o feeling de Maranhão por ter lançado um candidato popular a prefeito, recolocando o MDB em evidência. “Como sempre, você foi correto e generoso”, disse-me ele, em retribuição.

A Paraíba fica profundamente desfalcada com a partida de José Maranhão. Mas ele cumpriu seu desideratum e já passa a ser lembrado com gratidão e justas reverências pelos paraibanos que, despidos de cores partidárias ou de intoxicações políticas, permitem-se reconhecer a grandeza do seu papel na vida pública do Estado e a contribuição relevante que ofereceu no esforço de todos os gestores com vistas a impulsionar o desenvolvimento da Paraíba e conduzir seus habitantes a um estágio mais condigno. José Maranhão já é História.

Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Polêmica Paraíba