O fenômeno das camisas estampadas transita entre os millennials e a Geração Z. Basta ir até um dos festivais de música indie, alternativa e — ouso dizer — até sertaneja para encontrar várias pessoas esbanjando flores, maximalismos abstratos e outros desenhos nas camisas com (pelo menos) dois botões abertos na parte superior.
Nas redes sociais, essa ocorrência tem um nome: Agostinho Carrara. O personagem da série brasileira “A Grande Família”, interpretado por Pedro Cardoso e conhecido por dirigir um táxi e ser conhecido como uma espécie de “vigarista” do núcleo central, é dito como um dos precursores para que essa moda se popularizasse.
Mesmo fora do ar desde 2014, basta digitar o nome dele na aba de “busca” do Twitter, por exemplo, para encontrar pelo menos um tuíte fazendo referência ao seu estilo e como os jovens têm o replicado no cotidiano e, principalmente, no Instagram.
Não muito diferentemente, outro nome, sendo esse mais recente, que parece ter virado um “ícone de estilo” para os mais jovens é o Beiçola. O pasteleiro vivido pelo ator Marcos Oliveira com cabelo marcado por divisões laterais e ao meio parece estar se tornando aquela imagem de referência que levamos ao cabeleireiro quando queremos mudar de corte.
A semelhança — não só dessas gerações como de todo o estilo portado por Agostinho, Beiçola e até mesmo a Marilda e a Nenê — foi sacada também pelo trio composto por Vinicius Gonzaga, Lucas Amorim e Luiz Machado, que comanda o perfil @breguissimxs. Uma thread dos personagens de “A Grande Família” estrelando campanhas de marcas de luxo viralizou com mais de 47 mil curtidas só no Twitter.
Entender exatamente em que momento todo mundo passou a se vestir assim pode ser elaborado em mil teorias. Porém, uma delas que se faz mais coerente é o resgate da moda dos anos 1970, época em que cores e estampas ganharam as ruas com o movimento hippie.
Esse argumento é reforçado por Cao Albuquerque, figurinista de “A Grande Família”, que trabalhou também na caracterização de grandes obras do cinema brasileiro, como “O Auto da Compadecida” (2000).
“Acho que as pessoas começaram a gostar de coisas vintage”, opina ele em entrevista para Nossa. “Os anos setenta serão para sempre relembrados, não só as tendências absolutamente populares de moda, mas também a revolução do jeans, que começou anos antes e nunca parou”.
Agostinho Carrara way of life
Foi essa década a inspiração para que o estilo de Agostinho Carrara nascesse. O figurinista conta que, primeiramente, usou seu “Tio Gilberto” como uma referência. Além do comportamento “cafajeste”, as camisas exageradas e “um pouco cafonas” na época dariam o primeiro passo para o look do personagem nas telas.
“Depois dessas reflexões, fui comprar tecidos no centro do Rio de Janeiro e encontrei uma loja com uma enorme quantidade de calças dos anos 70 encalhadas. Cheias de poeira em cima. Achei que algumas delas, em xadrez, por exemplo, misturadas com as camisas, criariam o Agostinho”.
Criei a teoria de que cada personagem deveria ser colocado em uma década. A Dona Nenê, a dona de casa dos anos 50, o Lineu com o o militarismo dos anos 60 e o Agostinho o claunesco dos anos 70″.
E por incrível que pareça, a moda na época não influenciou o trabalho de Cao. Na opinião dele, “o melhor da moda é quando ela sai de moda”.
“Nunca trabalhei baseado na moda”, revela. “Alguns colegas trabalham a partir do que as coleções oferecem e o que existe no mercado. Já eu nunca tive essa preocupação, mesmo que me criasse dificuldade. O mais importante é entender como o ator se transforma no personagem”.
Agostinho andou para que Harry Styles pudesse correr?
Quando cito durante a entrevista os memes que o personagem da série brasileira protagoniza, como as comparações com o cantor Harry Styles, eleito a celebridade mais bem vestida de 2020, e a paródia com grifes, Cao não titubeia e responde: “Ver essas coisas me deixa orgulhoso”.
As brincadeiras publicadas, curtidas e compartilhadas — não necessariamente nessa ordem —, na opinião dele, são fruto do reconhecimento do seu trabalho.
“Me sinto honrado por ser uma referência”, comenta. “Seja para o bem ou mal. Um artista tem a obrigação de gerar polêmica e discussão, não de gerar moda ou estilo”.
Meu dever não é fazer com que meu trabalho seja uma moda para sempre, mas seja uma referência eterna”.
O conceito do cafona
Hoje, nada é mais brega do que classificar roupas como cafonas — ainda mais quando usamos a Geração Z como referência.
Nos anos 2000, quando “A Grande Família” foi exibida, provavelmente Agostinho era encaixado nesse quesito pelos telespectadores. Ainda assim, esse argumento é apontado pelo figurinista baiano como antiquado.
“Eu não acho que nada é brega ou tendência, porque depende da classe ou grupo que você quer atingir ou sobressair”, declara.
Ele ainda exemplifica: “O motorista de táxi pode ser brega para mim, mas para quem vive nesse círculo pode ter o efeito completamente contrário. Assim como, para eles, ser todo ‘engomadinho’ pode dar essa mesma impressão”.
A fim de romper com esses estigmas ao redor do que cada um veste, Cao conclui: “Colocar a moda em uma gaveta é antiquado em um mundo em que a diversidade é o que mais importa. Mais do qualquer coisa: é brega falarmos ainda sobre o que é brega e o que é tendência”.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba