Em um ano de queda brusca de arrecadação pela Receita Federal provocada pela pandemia do novo coronavírus, brasileiros comunicaram ao órgão transações no valor de R$ 7,3 bilhões com as chamadas moedas digitais – bitcoin como a mais famosa delas. É a primeira vez que os contribuintes foram obrigados a prestar informações relativas a esse tipo de operação. No total, 115 mil pessoas físicas e três mil pessoas jurídicas deram ciência à Receita sobre o uso de criptoativos.
No rastro do aumento da popularidade das moedas digitais, o Brasil estuda lançar a sua própria em 2022, o que para especialistas pode ajudar na recuperação da economia, facilitando o comércio on-line.
O Banco Central (BC) informou ao Metrópoles que um grupo de trabalho intergovernamental está “finalizando o estudo” sobre o tema em suas diversas dimensões. A equipe atua desde agosto, e o primeiro prazo para que apresente a conclusão dos estudos se encerra em fevereiro. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, é um dos maiores entusiastas da medida. Em novembro, ele afirmou que a pandemia do novo coronavírus deve acelerar essa tomada de decisão pelo Brasil.
“A gente vai para um processo de ter uma moeda digital em algum momento. E acredito que esse processo foi acelerado na pandemia pela quantidade de pagamentos a distância e pelas compras on-line”, afirmou. Uma pesquisa da Mastercard e Americas Market Intelligence (AMI) mostrou que 46% dos brasileiros aumentaram o volume de aquisições pela internet no decorrer da crise sanitária.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, também apoia a iniciativa. Em evento no Palácio do Planalto em novembro, Guedes adiantou que o “Brasil está à frente de muitos países” nessa corrida para ter uma moeda digital. Os estudos sobre como será a moeda digital brasileira ainda são mantidos em sigilo, mas o BC pontua que o modelo não é o mesmo das criptomoedas, como bitcoin, uma vez que esses ativos não são regulados pela instituição.
Nas criptomoedas, como o bitcoin, por exemplo, não há intermediários na transferência de dinheiro entre pessoas. É um algoritmo que passa o valor de um para o outro. Ou seja, esses recursos não são regulados pelo Banco Central. As operações são realizadas por Exchanges, que funcionam como corretoras, permitindo a compra e venda da moeda virtual entre os usuários, dentre outras transações.
Não é a única forma de operar moedas como o bitcoin. Também é possível fazer as transações sem intermédio de corretoras, de pessoa para pessoa. No caso das moedas digitais que os bancos centrais do mundo discutem, ocorre o oposto. O estado tem o registro de todo o dinheiro que está circulando. Na prática, as regras são as mesmas para o dinheiro de papel, mas, nesse caso, a moeda é virtual.
A discussão não é exclusiva do Brasil. O Banco de Compensação Internacionais (BIS) e outras instituições financeiras pelo mundo já produziram um documento com princípios básicos comuns e características essenciais de uma moeda digital. Convencionou-se que a emissão não pode comprometer a efetividade da política monetária, nem a estabilidade financeira; a moeda digital do BC deve coexistir e complementar as outras formas de dinheiro e deve promover a inovação e a eficiência. O Brasil é signatário desse documento.
Para Daniel Coquieri, especialista no setor criptoativo brasileiro, a criação de uma moeda digital impactará positivamente a economia do país, ainda mais em tempos de crise fiscal. “O sistema é muito mais barato para o Banco Central, do ponto de vista contábil, uma vez que os custos de imprimir dinheiro, tirar do papel e tantas outras etapas já seriam eliminados”, disse.
Em seu diagnóstico, a moeda digital também é mais acessível a todas as classes sociais do que o dinheiro em papel. “A moeda digital é democrática, porque aumenta a penetração de pessoas que não têm acesso aos serviços bancários ou que não estão envolvidas no mundo econômico”, afirmou.
Mas a iniciativa está longe de ser unanimidade. Para Daniel Cavagnari, coordenador do curso de criptomoedas da Uninter, a moeda digital “não teria nenhum impacto na economia”, e a possibilidade de sua criação “parece mais especulação” do governo. “A moeda digital não é algo que você lança e controla, ela precisa ser livre. Veja o bitcoin, quem é o dono? Não tem. Se tivesse, seria um problema”, observou.
Segundo o BC, “uma eventual moeda digital não faria concorrência ao real, mas seria uma nova forma de representação da atual moeda, tendo garantia do governo e estando sujeita à política monetária, tendo a circulação diminuída quando os juros sobem e elevada quando as taxas caem”.
Receita
É justamente por causa da natureza das criptomoedas que a Receita Federal decidiu que as operações com esse ativo devem ser informadas ao fisco. O órgão seguiu um movimento que tem se intensificado em vários países, após a constatação de que grupos estariam se utilizando do sistema para cometer crimes, como lavagem de dinheiro, sonegação e financiamento ao tráfico de armas e terrorismo.
Quando tomou a decisão de obrigar os contribuintes a declararem operações com criptomoeda, a Receita justificou que, como essas transações podem ser feitas à margem do sistema financeiro tradicional e em anonimato, quadrilhas estariam se aproveitando disso para praticar crimes.
E exemplificou citando um caso famoso, ocorrido em 2017, de um ataque cibernético a hospitais britânicos que impediu a utilização dos computadores das instituições médicas. Para liberar o uso dos computadores, os hospitais foram forçados a pagar aos sequestradores virtuais um resgate com criptomoedas, por serem mais difíceis de rastrear.
A história das criptomoedas
Em 2008, nascia o bitcoin, a primeira moeda virtual descentralizada do mundo. O Bitcoin foi assinado na internet por Satoshi Nakamoto, um pseudônimo de alguém que até hoje não se conhece a identidade real. O objetivo era efetuar pagamentos on-line diretamente de uma pessoa a outra sem passar por uma instituição financeira. Quando nasceu, o bitcoin valia somente US$ 0,00076.
A moeda ganhou popularidade quando o banco americano chamado Lehman Brothers quebrou, após a crise mundial de 2008. Os meios de pagamentos tradicionais passaram a ser criticados pelo mundo por apenas “favorecer o enriquecimento de uma pequena elite branca”. Em outras palavras, o Bitcoin foi gerado por motivos políticos.
Em 2009, aconteceu a primeira transação entre duas contas. Durante anos, a moeda digital evoluiu longe do grande público e interessava apenas a investidores ou àqueles que queriam lavar dinheiro. Mas em 2013 cada bitcoin já superava os US$ 1.000, e, a partir de então, viu o valor explodir.
Segundo dados da Bloomberg, o ano de 2017 foi a virada-chave da criptomoeda, quando o seu valor passou de US$ 1 mil para quase US$ 20 mil. Hoje, um bitcoin vale cerca de R$ 187 mil.
Existem mais de 2 mil criptomoedas no mercado. O investimento, na avaliação de economistas, é de alto risco, devido à alta volatilidade. Mas, diferentemente das criptomoedas, a moeda digital que o BC está estudando criar seria regulamentada e garantida pela instituição.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Polêmica Paraíba