O Congresso Nacional recebeu 101 medidas provisórias (MPs) em 2020, o maior número editado em um único ano em quase duas décadas. Com a pandemia de Covid-19, o Governo Federal se valeu mais do que nunca do instrumento, que serve para criar leis e financiar políticas públicas com efeito imediato, porém com validade limitada.
Ao mesmo tempo, o Governo viu um número recorde de MPs ficarem pelo caminho em 2020. Perderam o prazo de validade sem a análise do Congresso 17 medidas provisórias, e uma foi revogada após pressão dos parlamentares. Outras dez MPs que estavam pendentes ao fim de 2019 também caíram, além de duas, nas mesmas condições, que foram revogadas. No total, o Executivo perdeu 30 medidas provisórias em apenas um ano.
Com o ritmo acelerado, o ano de 2020 viu a edição da milésima medida provisória introduzida na legislação brasileira desde 2001. Naquele ano começaram a valer as regras atuais para a formulação de MPs, e a contagem foi zerada.
Desde 13 de março, quando saiu a primeira medida destinada ao combate à Covid-19 — a MP 924/2020, que autorizou R$ 5 bilhões em créditos extraordinários para os ministérios da Saúde e da Educação — o Palácio do Planalto emitiu uma média próxima a uma MP a cada dois dias úteis. Historicamente, desde 2001, o Poder Executivo assinava apenas uma por semana.
MPs aprovadas
Algumas das principais iniciativas contra a pandemia foram tomadas por meio de medidas provisórias. Foi o caso do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (MP 936/2020), enviado em abril e aprovado em junho. Ele permite redução de salários e jornadas e suspensão de contratos, como pagamento de parte do seguro-desemprego pelo Governo, desde que haja a garantia de retorno do trabalhador à função. O programa é o quarto maior destino das verbas extraordinárias contra a Covid-19, tendo recebido mais de R$ 33 bilhões até dezembro.
Também foi por meio de medida provisória que o Executivo aprovou normas especiais para o ano letivo de 2020 (MP 934/2020), garantiu a compensação de repasses federais para estados e municípios (MP 938/2020), estabeleceu regime flexibilizado para compras e contratações (MP 961/2020), prorrogou o auxílio emergencial (com valor menor) (MP 1.000/2020) e, mais recentemente, integrou o Brasil à aliança internacional para desenvolvimento de vacinas (MP 1.003/2020).
No entanto, nem sempre as ações imediatas do Governo tiveram a dianteira no combate à pandemia. Duas medidas provisórias que criavam linhas especiais de crédito para pequenas e médias empresas (MP 944/2020 e MP 975/2020) foram aprovadas pelo Congresso, mas esses programas ficaram em segundo plano em relação ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) — estabelecido por projeto de lei do Senado — que, a partir do próximo ano, tomará o lugar dos demais. As duas maiores ações do poder público, o auxílio emergencial e ao auxílio federativo (veja abaixo), também partiram de projetos de lei, e não de medidas provisórias.
Apesar de dominar as ações do ano, a pandemia não foi o único objeto de MPs. O Executivo também se valeu desse instrumento para autorizar o reajuste salarial dos policiais e bombeiros do Distrito Federal (MP 971/2020); recriar o Ministério das Comunicações (MP 980/2020); estabelecer um novo programa habitacional, o Casa Verde e Amarela (MP 996/2020); e isentar da conta de luz os moradores do Amapá afetados por um apagão em novembro (MP 1.010/2020).
MPs perdidas
A situação excepcional do ano de 2020 criou as condições propícias para a edição recorde de medidas provisórias, mas isso não significou que o Congresso fugiu ao seu papel de analisa-las e até barra-las.
Em abril, quando já se vislumbrava um ano atípico em volume de MPs, a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), afirmou que cabia aos parlamentares que “não se acomodassem”, e ao Governo, que “não cometesse excessos”. As discussões ao longo de 2020 mostram várias situações em que o Congresso entendeu que o Executivo estava indo além do necessário no uso da ferramenta.
O ano teve, por exemplo, a quarta ocorrência da devolução de uma medida provisória desde a promulgação da Constituição de 1988. Essa prerrogativa cabe ao presidente do Congresso — que também é o presidente do Senado — se ele entender que uma MP não cumpre os requisitos constitucionais que justificam a sua criação.
O caso aconteceu em junho, quando o presidente Davi Alcolumbre devolveu a MP 979/2020, que permitia a nomeação de reitores de universidades federais pelo Ministério da Educação sem consulta à comunidade acadêmica. Davi afirmou que a norma violava a autonomia universitária. A medida havia sido remetida apenas uma semana após a expiração de outra MP com o mesmo conteúdo (MP 914/2019), e a devolução foi cobrada por senadores da oposição. O Executivo acabou revogando a MP. Pressões do Legislativo também levaram à revogação de outra medida provisória, ainda no início do ano. A MP 905/2019, que criou regras trabalhistas flexibilizadas para a contratação de pessoas menores de 29 e maiores de 55 anos, não teve consenso no Senado e, apesar de pautada para votação, não andou no Plenário. Líderes afirmaram que o tema não era urgente e precarizava as relações de trabalho. No dia em que a medida perderia a validade, o Planalto decidiu revogá-la (MP 955/2020).
A simbólica MP 1.000/2020 deve ser uma das próximas vítimas da extinção por prazo de validade. O texto, que garante o auxílio emergencial (reduzido de R$ 600 para R$ 300) até o fim do ano, só tem eficácia até o dia 10 de fevereiro de 2021, logo após o fim do recesso parlamentar, o que dá ao Congresso pouco tempo para votá-lo no retorno aos trabalhos. A medida ainda não foi aprovada por nenhuma das Casas. No entanto, a sua expiração não deve fazer diferença. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia já adiantou que a MP não será votada — como o conteúdo da medida só diz respeito ao ano de 2020 e já terá sido cumprido em fevereiro, ela não precisa ser confirmada pelos parlamentares.
O decurso de prazo é a principal causa de perda de medidas provisórias, e ele acontece quando o Congresso não vota uma MP dentro do seu prazo de validade. Dessa forma, fica compreendida uma rejeição automática da proposta por parte dos parlamentares. Em 2020 isso aconteceu, por exemplo, com a contratação temporária de servidores públicos aposentados (MP 922/2020), a mudança nas regras de acesso à informação durante a pandemia (MP 928/2020), a permissão para compartilhamento de dados cadastrais em empresas telefônicas com o IBGE (MP 954/2020) e a relativização da responsabilidade de gestores públicos durante a pandemia (MP 966/2020).
Créditos
Parte significativa das medidas provisórias de 2020 foi destinada a abastecer o combate à Covid-19 com créditos extraordinários — recursos que não fazem parte do Orçamento regular previsto para o ano e que não estão sujeitos ao limite do teto de gastos. Foram 40 MPs, que encaminharam mais de R$ 600 bilhões a ações contra a pandemia. O valor se aproxima de 10% de todo o produto interno bruto (PIB) do país no ano de 2019, que foi de R$ 7,4 trilhões.
Desse total, R$ 512 bilhões, ou cerca de 82%, já foram gastos. Os números são do portal Siga Brasil, mantido pela Consultoria de Orçamento do Senado.
O Ministério da Cidadania foi o maior beneficiado por essas emissões, graças ao fato de ser o órgão do Executivo que administra o auxílio emergencial — de longe a política mais dispendiosa contra a pandemia de Covid-19 (Lei 13.982, de 2020). Mais de R$ 328 bilhões foram autorizados para a pasta, que usou cerca de R$ 297 bilhões. Para pagar o auxílio emergencial, foram cerca de R$ 231 bilhões.
Na sequência, o auxílio federativo da União (Lei Complementar 173, de 2020) faz com que as transferências para estados e municípios sejam a segunda maior destinação dos créditos extraordinários da pandemia.
O Ministério da Saúde, que é encarregado, principalmente, de compras de suprimentos médicos e de investimentos em pesquisa, vem em seguida, acompanhado pelo Ministério da Economia, gestor dos programas de subvenção econômica.
No total, 11 ministérios receberam verbas que foram encaminhadas por medidas provisórias, além da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Presidência da República.
A eficácia instantânea das MPs permitiu que, em abril, o Senado parasse de votar propostas de créditos extraordinários. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre, explicou que, como a disponibilização do dinheiro não depende da aprovação dos parlamentares, os repasses não são impactados pela eventual perda de vigência das medidas.
Fonte: Agência Senado
Créditos: Agência Senado