Cuba está na expectativa. Na área da saúde, segue com números baixos na pandemia de coronavírus —9.267 casos e 136 mortes, segundo a Universidade Johns Hopkins— e agora torce pela eficiência de duas vacinas desenvolvidas na ilha, a Soberana 1 e a Soberana 2, com tecnologia e pesquisadores locais.
Na economia, o país enfrenta uma grave crise econômica, agravada pela Covid. A projeção é de que o PIB deste ano seja de -8%, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
Na semana passada, o regime anunciou que a partir de janeiro eliminará gradualmente o sistema de duas moedas do peso cubano e vai estabelecer uma cotação única (24 pesos por dólar). Com a desvalorização, economistas preveem inflação de até três dígitos, mas a reforma monetária deve eliminar subsídios e distorções da economia local no longo prazo.
Assim como esperam que os imunizantes produzidos ali funcionem, os cubanos também acreditam que as baixas cifras de infecções e óbitos por coronavírus permitirão a reativação do setor turístico, paralisado pelo fechamento das fronteiras e responsável por 12% do PIB. Em novembro, após sete meses, voos internacionais voltaram a ser autorizados a pousar no aeroporto de Havana.
A perspectiva de melhora econômica também passa pela chegada de Joe Biden à Casa Branca, a começar pela retomada do recebimento de remessas de dinheiro enviadas por cubanos que vivem nos Estados Unidos, transferências limitadas a partir de sanções impostas pelo governo de Donald Trump.
Para o cubano-americano Javier Corrales, professor de ciência política no Amherst College, é justamente a permissão para a volta das transações a melhor maneira de começar esse processo de reconstrução da ponte erguida por Obama sem incomodar a comunidade cubana nos EUA, contrária ao regime da ilha.
O acadêmico argumenta que a decisão também favorece os opositores à ditadura cubana, já que, mesmo que defendam as sanções, o embargo e as políticas que afetam o regime, eles podem enviar dinheiro a parentes, muitos dos quais idosos ou passando por dificuldades.
A economia local também espera que as medidas impostas por Trump antes da pandemia, principalmente as relacionadas ao turismo, sejam revertidas. O atual presidente dos EUA restringiu voos e impediu o acesso de americanos a hotéis, atingindo assim o setor comercial privado, ainda incipiente, mas que começava a desabrochar nos anos de Raúl Castro, assim como a área de gastronomia.
Especialistas, porém, alertam que Biden será cauteloso. “Creio que derrubará medidas hostis de Trump, mas não chegará a liberar tantas coisas como fez Obama, porque para isso dependerá do Congresso, e aí haveria um choque com os republicanos, não desejado nesse início de mandato”, afirma Corrales.
Na eleição, Biden perdeu para Trump a disputa na Flórida, reduto de cubanos-americanos. O resultado oferece um termômetro da resistência que o democrata enfrentará se conceder benefícios ao regime.
Kornbluh, do National Security Archive, lembra que tomar decisões que beneficiem a ditadura cubana é sempre difícil para um presidente americano. Em 2009, por exemplo, havia a esperança de que Obama promovesse muito rapidamente mudanças em relação à ilha, mas isso não ocorreu.
Demorou mais de um ano para que ele permitisse viagens a Cuba. E não foi antes de seu segundo mandato que ele passou a negociar um contato realmente próximo entre Washington e Havana.
Na época em que Obama e Raúl Castro deram o primeiro passo de reaproximação, os EUA fizeram muitas concessões a Cuba, como a liberação das remessas, a retirada da ilha da lista de países ligados a terrorismo e a permissão para o turismo.
O democrata, no entanto, recebeu críticas internas por pedir poucas contrapartidas. “Biden deve ser mais duro nesse ponto e exigir mais liberdades individuais e colaboração na crise da Venezuela”, diz Corrales.
Na área dos direitos humanos, Cuba deu recentemente uma demonstração de que não avançou. Após ensaiar a abertura de diálogo com os artistas do movimento San Isidro, que realizou uma greve de fome pela liberação do rapper Denis Solís, um crítico do governo, a ditadura colocou cerca de uma dezena de ativistas em prisão domiciliar e interrompeu temporariamente o acesso às redes sociais no país.
Antes, o grupo havia feito uma vigília em frente ao Ministério da Cultura para exigir encontros nos quais seriam discutidas questões relacionadas a liberdade de expressão.
“Se existe uma liberdade que o regime não tolera é a de concentração de gente. Se você se manifestar contra o regime sozinho, provavelmente não acontecerá nada. Mas se juntar gente, para um show, uma leitura, uma vigília, a polícia vai aparecer, é uma coisa que vem desde Fidel Castro”, afirma Corrales.
“Por outro lado, eles não mantêm as pessoas presas por muito tempo, para que não digam que há presos políticos em Cuba. Dão sustos e soltam pouco depois. É um modus operandi que não mudou.”
Enquanto a expectativa em torno do novo governo Biden cresce, os cubanos desenvolvem duas vacinas. Segundo José Moya, da Organização Panamericana de Saúde, ligada à OMS, “ambas são promissoras e, se de fato forem eficientes, ajudarão na proteção da população vulnerável de Cuba e do Caribe”.
Por enquanto, os imunizantes estão em fase de testes. A Soberana 1 gerou anticorpos que bloqueiam a infecção por Covid-19 em ratos e coelhos e já provou ser segura em testes intermediários em humanos.
O progresso das vacinas cubanas é monitorado pelo Covax, programa coliderado pela OMS e pela Coalizão para Inovação na Preparação para Epidemias (Cepi, na sigla em inglês), que busca garantir a distribuição global de imunizantes. A Soberana 1 e 2, no entanto, até agora não estão entre as nove vacinas que a Covax escolheu para seu portfólio, de acordo com um porta-voz da Cepi.
A tradição de Cuba na área de Saúde é amplamente conhecida. Institutos e centros de pesquisa locais, que empregam mais de 20 mil pessoas, produzem 8 de cada 12 vacinas do programa nacional de imunização. A estatal BioCubaFarma também exporta vacinas a mais de 40 países.
Além da falta de dinheiro para adquirir matéria-prima para a produção das vacinas, a baixa taxa de infecção na ilha, uma marca celebrada, é ironicamente um obstáculo aos testes do imunizante em larga escala. Ainda assim, o diretor do Instituto Finlay de Havana, Vicente Vérez, afirma que a expectativa é “vacinar toda a população da ilha até a metade de 2021”.
Fonte: Folha
Créditos: Polêmica Paraíba