Quinze países da Ásia e da Oceania assinaram no domingo (15) um acordo para formar a maior associação comercial do mundo, em uma grande vitória para a China, principal promotora do projeto desde que ele começou a ser negociado, em 2012. A Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês) exclui os Estados Unidos, mas reunirá 2,1 bilhões de consumidores e 30% do PIB mundial.
China, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia assinaram o pacto, juntamente com os dez países que compõem a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) ―Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia, Filipinas, Vietnã, Myanmar, Camboja, Laos e Brunei― ao fim da reunião de cúpula desta organização, realizada neste ano por videoconferência devido à pandemia. A Índia, que decidiu abandonar as negociações no ano passado devido ao temor de que produtos chineses baratos inundem seu mercado, terá a possibilidade de se incorporar à RCEP no futuro, se quiser.
Como a reunião foi por videoconferência, a assinatura do acordo seguiu um protocolo próprio, adaptado às circunstâncias da pandemia. Cada país realizou sua própria cerimônia, na qual o respectivo ministro do Comércio firmou o documento sob o olhar de seu chefe de Governo ou de Estado.
“Estou muito satisfeito porque, depois de oito anos de negociações complexas, finalmente concluímos hoje de forma oficial as negociações da RCEP”, afirmou o primeiro-ministro vietnamita, Nguyen Xuan Phuc, cujo país preside atualmente a Asean.
Impulso
O sucesso das negociações e a assinatura do acordo representam um impulso econômico e político para Pequim. Como principal propositor dessa iniciativa, a China consolida sua influência na Ásia, em detrimento dos Estados Unidos. Envia a mensagem de que é Pequim, e não Washington, o Governo que está realmente interessado na região. Ela poderá desempenhar um papel-chave no desenvolvimento das regras comerciais do continente. O pacto abre ainda novos mercados para suas exportações, em um momento de incerteza sobre a evolução da economia global. E reforça as credenciais que o país busca como defensor global do multilateralismo, em meio a uma tendência à desglobalização que foi acelerada pela pandemia de covid-19.
O pacto é uma alternativa ao TPP, o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica. A administração do ex-presidente americano Barack Obama via o ambicioso acordo entre países dois lados do Pacífico, do qual a China estava ausente, como um pilar econômico para sustentar a influência dos Estados Unidos na Ásia. Quando chegou à Casa Branca, o presidente Donald Trump ordenou a retirada americana do pacto, que outros 11 países ratificaram.
A saída americana foi um golpe quase fatal para o TPP e reforçou os argumentos de quem afirmava que a maior potência mundial não tem interesse em se envolver realmente na região. A decisão de Trump reavivou as negociações para a RCEP, que se arrastavam havia anos. O interesse dos Governos regionais de encontrar formas de estimular suas economias, afetadas primeiro pela guerra comercial e tecnológica entre EUA e China e depois pela pandemia, fez o resto.
Para o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, “nas atuais circunstâncias mundiais, [o acordo] traz um raio de luz e de esperança em meio às nuvens escuras” deixadas neste ano pela pandemia e pelas tendências desglobalizantes. A RCEP, acrescentou, “mostra claramente que o multilateralismo é o caminho correto e representa a direção adequada para a economia mundial e o progresso da humanidade”.
“Acreditamos que a RCEP, como o maior acordo de livre comércio do mundo, é um importante passo rumo a um marco ideal de comércio global e regras para o investimento”, assinalaram os países signatários em um comunicado. É um grupo muito diverso, que inclui algumas das economias mais avançadas do mundo, como o Japão; a “socialista com características chinesas” em Pequim; e algumas das mais pobres do planeta, como Laos e Camboja.
Diferenças
A RCEP e o TPP são muito diferentes. Enquanto o TPP se concentrava na redução de barreiras não tarifárias (proteção do meio ambiente, padrões para investimento estrangeiro), a RCEP dá ênfase principalmente às tarifas, sem a preocupação com proteções dos direitos trabalhistas, oferecidas pela tratado promovido originalmente pelos EUA.
A aliança elimina tarifas sobre mais de 90% dos bens trocados entre os membros. O acordo também inclui proteções sobre propriedade intelectual e capítulos sobre investimentos e comércio de bens e serviços. Além disso, estipula mecanismos para a resolução de disputas entre os países.
No total, a RCEP reduz tarifas e estabelece regras em cerca de 20 áreas. Entre outros, elimina impostos sobre 61% das importações de produtos agrícolas e pesqueiros da Asean, Austrália e Nova Zelândia, juntamente com 56% da China e 49% da Coreia do Sul.
Com a assinatura do acordo, aumenta a pressão sobre o presidente eleito dos EUA. Joe Biden, para demonstrar o compromisso de seu futuro Governo com a região que acumula o maior potencial de crescimento nos próximos anos. Biden afirmou no ano passado que tentará renegociar o TPP para que os Estados Unidos se reincorporem ao pacto, o que não parece ser uma tarefa fácil.
As próprias negociações iniciais para levar adiante o pacto promovido pelos EUA já se mostraram muito espinhosas, e é possível que economias como a japonesa exijam condições mais rígidas. O próximo inquilino da Casa Branca também terá de lidar com um Congresso muito mais reticente em relação a grandes acordos comerciais. À medida que a campanha eleitoral foi avançando, Biden foi se mostrando menos enfático sobre suas aspirações de retomar o TPP, e já declarou que prefere se concentrar primeiro na recuperação econômica e na luta contra a pandemia.
Fonte: EL País
Créditos: EL País