As duas principais forças políticas da eleição presidencial de 2018 — o bolsonarismo e o PT — chegam à eleição de 2020 com poucas chances de conquistar as principais prefeituras do país.
Numa situação incomum, o presidente Jair Bolsonaro participa do pleito apoiando candidatos avulsos de diferentes partidos, já que ele próprio está sem legenda desde que saiu do PSL, após uma disputa de poder interna com o presidente da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE).
Nas duas maiores capitais do país, Bolsonaro decidiu apoiar candidaturas do partido Republicanos (legenda ligada à Igreja Universal): o deputado federal Celso Russomano em São Paulo, e o prefeito Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, que tenta reeleição. No entanto, pesquisas de intenção de voto indicam que os dois correm o risco de não chegar ao segundo turno. E, se conseguirem, terão dificuldade para vencer os líderes das disputas: o atual prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB), e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM).
O PT, por sua vez, já vem de um péssimo desempenho eleitoral em 2016, ano em que o partido estava fortemente desgastado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e pelas acusações de corrupção da operação Lava Jato. Há quatro anos, a sigla perdeu 60% das prefeituras que havia conquistado em 2012 (de 630 foi para 256), vencendo em apenas uma capital, Rio Branco (AC). Dessa vez, o PT tem boas chances de chegar ao segundo turno em apenas duas capitais (Vitória e Recife), mas, por enquanto, as pesquisas indicam que os candidatos perderiam no segundo turno.
A disputa que ilustra com maior simbolismo a fraqueza do PT neste pleito é a de São Paulo, cidade que foi três vezes governada pelo partido desde a redemocratização (1988). Após o ex-prefeito Fernando Haddad ter perdido em 2016 no primeiro turno para o atual governador paulista, João Dória (PSDB), o partido caminha para ficar em quinto lugar na eleição desse ano. Seu candidato, Jilmar Tatto, não conseguiu somar até agora mais de 6% de intenção de voto nas pesquisas Datafolha e Ibope.
Quem ganhou o protagonismo da esquerda na eleição da maior cidade do país foi o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, que aparece em segundo lugar nas pesquisas, mas tecnicamente empatado com Russomano e Márcio França (PSB).
PT pode iniciar recuperação fora das capitais
Para a cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o PT ainda sofre as consequências da Lava Jato, que colou no partido a imagem de corrupto. Mais esse não é o único fator que afasta o eleitor da sigla, segundo pesquisa de campo que ela conduz com pessoas que deixaram de votar em candidatos petistas.
“A falta de renovação das lideranças e da cúpula burocrática do partido é uma crítica que ouvimos muito, assim como o afastamento do PT dos territórios, do convívio mais cotidiano com a população. Há um sentimento de abandono nas entrevistas com ex-eleitores petistas”, afirma Solano.
“As grandes capitais, que simbolicamente são um palco, um cenário de visibilidade para os partidos, vão ser de fracasso para o PT nessas eleições. Mas temos que ver como será o desempenho nas cidades medianas e menores, pode ser que aí o partido vá melhor”, pondera.
Segundo o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), o partido deve apresentar recuperação em cidades de grande e médio portes, fora das capitais.
Ele, que monitora pesquisas eleitorais em dezenas de cidades, projeta que o partido deve vencer em ao menos sete municípios dos 95 com mais de 200 mil eleitores (há pesquisas para 88 deles).
Desse grupo, o PT lidera (não necessariamente com grande vantagem) em nove — Santarém (PA), Vitória da Conquista (BA), Anápolis (GO), Contagem (MG), Juiz de Fora (MG), Caxias do Sul, São Gonçalo (RJ), Guarulhos (SP) e Diadema (SP) — e está em segundo em outros oito, incluindo aí as capitais Recife e Vitória.
Em 2012, o PT venceu em 17 das cidades com mais de 200 mil eleitores (aquelas em que pode haver segundo turno), resultado que despencou 94% para apenas uma vitória em 2016, quando levou Rio Branco.
“Acho que o PT vai começar um processo de recuperação. Como vem de um patamar muito baixo, necessariamente vai crescer”, afirma Lavareda.
A disputa neste ano, no entanto, tende a ser majoritariamente uma “eleição mantenedora”, afirma ele. Na sua avaliação, a pandemia favoreceu o debate mais pragmático e pode levar à reeleição de até 80% dos prefeitos que tentam um segundo mandato nos 95 maiores colégios eleitorais. Já os nomes da “nova política”, com raras exceções, estão indo mal nas pesquisas.
“A covid-19 deu protagonismo aos prefeitos, objetivou a reflexão, esvaziou as paixões e chamou a política de volta. PSDB, DEM e MDB lideram na maioria das capitais”, analisa Lavareda.
“Chance desperdiçada por Bolsonaro”
No caso de Bolsonaro, Lavareda considera que, ao sair do PSL, o presidente “desperdiçou a chance” de continuar o crescimento que o partido conquistou em 2016 (quando elegeu a segunda maior bancada de deputados federais) e, assim, consolidar uma sigla robusta para a disputa de 2022.
Ele ressalta que, historicamente, o partido que chega ao Palácio do Planalto tende a ter um grande salto no número de prefeituras na disputa municipal subsequente.
“O PSDB, que chegou ao poder em 1994 (com a eleição de Fernando Henrique Cardoso), quase triplicou o número de prefeituras em 1996. O PT, por sua vez, mais que duplicou seu número de prefeitos em 2004, após eleger Lula em 2002)”, destacou.
“O PSL, que em 2016 elegeu apenas 0,25% dos prefeitos do país, era para ser o partido que mais cresceria esse ano. Só que o presidente abandonou o PSL e o partido perdeu parte importante do seu significado e da sua narrativa. Virou o ex-partido do presidente, isso não é motivador de voto”, acrescenta.
Para Lavareda, outro problema do bolsonarismo nesta eleição é “a falta de coordenação” das candidaturas de sua base. “O bolsonarismo está disperso entre vários partidos e há capitais em que vários candidatos disputam essa marca. A consequência disso é o enfraquecimento da marca”.
“Em Recife quatro candidatos reivindicaram estar alinhados com o presidente, até Bolsonaro na última semana manifestar apoio à Delegada Patrícia (candidata do Podemos em quarto lugar nas pesquisas, com 14%), mas continua a disputa com os outros candidatos dizendo que eles que são os mais leais ao presidente”, exemplifica.
Lavareda cita também o caso de São Paulo, em que Bolsonaro apoia Russomano, mas há outros candidatos que são do campo bolsonaristas ou de partidos da base do governo, como Arthur do Val (Patriota), Joice Hasselmann (PSL) e Andrea Matarazzo (PSD).
“Se somasse todos esses candidatos, teria um bolsão de votos bastante razoável para tentar chegar no segundo turno”, analisa.
No entanto, embora Bolsonaro esteja se mostrando um cabo eleitoral e um coordenador político limitado nas disputas municipais, a professora Esther Solano (Unifesp) considera que o bolsonarismo pode mostrar bom desempenho nas eleições de vereadores.
“Se é verdade que candidatos apoiados por Bolsonaro nas grandes capitais estão sendo um fracasso nas pesquisas, há pautas bolsonaristas, por exemplo a negação da política e a mobilização do discurso punitivo, que continuam fortes”, afirma.
“Será importante ver as bancadas da bala (como ex-policiais) que serão eleitas. Ou quantos serão eleitos com o discurso religioso, se apresentado como pastores”, disse também
Eleição municipal não é determinante para disputa de 2022
Para os partidos, eleger muitos prefeitos e vereadores pelo país significa ter uma capilaridade maior para a campanha presidencial e as eleições estaduais de 2022. Mas isso não é determinante para os resultados, como ficou evidente na vitória de Bolsonaro em 2018. Para os analistas ouvidos pela BBC News Brasil, o bolsonarismo e o PT continuarão como forças políticas importantes daqui a dois anos.
“Bolsonaro só se tornou presidente porque teve uma retórica antissistema. Não acredito que ele dependa tanto de resultados de aliados locais”, nota o historiador Lincoln Secco, professor da Universidade de São Paulo (USP).
“A imprensa brasileira tende a ver a política com os óculos do passado, Bolsonaro não. Veja o (Donald) Trump: todos diziam que ele perderia com facilidade e ele surpreendeu na reta final (da eleição americana, que perdeu para Joe Biden, mas com desempenho melhor do que as pesquisas projetavam). Em São Paulo, Bolsonaro dificilmente terá um aliado eleito, mas Lula, enquanto presidente, jamais elegeu o prefeito paulistano”, reforçou.
No campo da esquerda, Lincoln Secco, que é pesquisador da história do PT, acredita que o partido continuará “indispensável em 2022, tenha ou não candidato próprio”.
Ele diz que é improvável que partidos menores, como PSOL e PCdoB, conquistem mais prefeituras que o partido de Lula. Apesar de a legenda de Boulos estar indo bem nas pesquisas em São Paulo, o professor da USP lembra que o partido elegeu em 2016 apenas 5 prefeitos nos 5.564 municípios brasileiros. Já o PDT e o PSB, na avaliação de Secco, não são legendas com forte identidade de esquerda, mas partidos “pragmáticos”.
“As disputas municipais não necessariamente afetam o cenário nacional. Haddad teve 47 milhões de votos no segundo turno de 2018 depois de ser o petista com o pior desempenho histórico no município de São Paulo dois anos antes”, lembra ele.
“É cedo para saber se Boulos se tornará uma figura nacional. Mas, se a esquerda não tiver uma força política agregadora de votos como o PT foi até aqui, a disputa ficará entre a direita tradicional e o bolsonarismo. Portanto, a questão não é se o PT será substituído e sim se a esquerda será viável em 2022”, disse ainda.
**Esse texto não reflete, necessariamente, com a opinião do Polêmica Paraíba
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Uol