Vale-tudo na reta final

Rubens Nóbrega

Nem mesmo a presidente Dilma resistiu à tentação de aderir ao vale-tudo na reta final de segundo turno e partiu para desqualificar um adversário por razões que nada têm com a história ou prática política do oponente atacado.
Foi durante comício em Salvador (BA) na noite de sexta-feira (19), quando ela fez uma clara, desnecessária e despropositada alusão à baixa estatura de ACM Neto, candidato do Democratas a prefeito da capital baiana.
“Aqui não pode ter um governinho, um governo pequenininho, que gosta de perseguição, de gente que discrimina as pessoas”, disse, mesmo depois de dizer que não estava ali para falar mal do adversário, mas só de bem de Nelson Pelegrino, candidato do PT.
Apesar de concordar que o neto de ACM não está à altura do cargo de prefeito de Salvador, berço da brasilidade e terceira megalópolis do país, faço minhas as palavras do jornalista Ricardo Noblat, que apropriadamente classificou de ‘bullying’ a fala-atitude presidencial.
Toquei-me, confesso. Também sou baixinho e, se a régua do Noblat estiver certa, ACM Neto tem 1,68m de altura, exatamente o meu tamanho. E fico aqui torcendo pra ela não dizer, se ler esse artigo (olha só a pretensão!), que os leitores deste Jornal merecem mais do que uma ‘coluninha’.
De todo modo, até pelo respeito e admiração que tenho pela presidente, prefiro acreditar que ela cometeu ato falho. Escapou-lhe pela boca o desejo íntimo de esculachar feroz crítico de seu governo que, não por acaso, encontra-se à frente nas pesquisas de intenções de voto para prefeito da Boa Terra.


Cícero pega carona no Samu

Pois bem, se foi daquele jeito com Dilma, que perdeu a fleuma e rebaixou a estatura do exercício da Presidência, por que campanhas ou candidaturas em situação ‘pelegrina’ como a de Cícero Lucena, em João Pessoa, resistiriam ao uso semelhante de recursos do gênero?
Aqui, o candidato do PSDB assumiu como verdade e vem usando exaustivamente em debates e entrevistas matéria da revista Época sobre um suposto esquema de “venda de plantões” no Samu em João Pessoa, que estaria ainda servindo ao tráfico de drogas e armas.
Cícero parecer querer botar na cabeça do povo que o adversário compactuaria com crimes não provados e improváveis somente pelo fato de o Samu estar operacionalmente vinculado a uma Prefeitura onde seus principais dirigentes, começando pelo prefeito, apóiam a candidatura petista.
Com isso, o candidato tucano, que as pesquisas sobre intenções de voto colocam de 30 a 40 pontos percentuais atrás de Luciano Cartaxo (PT), faz de uma denúncia meia boca (pelo menos quanto à história das armas e drogas) tábua de salvação de um projeto eleitoral que parece irremediavelmente condenado ao naufrágio.
Faltou-lhe, com todo respeito, lealdade intelectual para reconhecer e dar à reportagem o seu real tamanho, pois quem lê com um mínimo de isenção o que diz Época sobre o “escândalo” percebe logo que o título força uma gravidade que o texto não sustenta.

A própria PF não quis apurar

A Polícia Federal, à qual foi levada a denúncia das ambulâncias transformadas em ‘aviões’ do tráfico, não se dispôs a apurar o ‘transporte’ de armas e drogas porque o denunciante do Samu não apresentou provas materiais, argumentos convincentes ou informações verossímeis para tanto.
E olha que os crimes relacionados a drogas ilícitas ou contrabando de armas são, justamente, a ‘praia’ de investigação da PF. Eis um detalhe a reforçar evidências de que uma história assim não cola, além de transparecer desespero que a campanha cicerista faria melhor negócio se mantivesse longe da percepção dos eleitores.
O desespero subiu a Serra?

Já em Campina, a campanha tucana fez coisa de quem só canta vitória da boca pra fora, pois internamente a apreensão seria tamanha que valeria a pena induzir a Justiça Eleitoral a apreender gêneros alimentícios coletados em show gospel sob o argumento de que seriam trocados por votos em favor da adversária.
O show, promovido por entidades evangélicas, foi sexta (19) à noite no Spazzio, dentro da programação de um evento – o Abençoa Campina – que este ano chegou à sua quarta edição. Para assistir às apresentações de cantoras como Jamille, menina-prodígio da música gospel, valeram como ingresso dois quilos de não perecíveis.
Pastores das igrejas envolvidas e organizadores do Abençoa Campina cuidaram de rebater as acusações da coligação que dá suporte à candidatura Romero Rodrigues. Os adversários acusados, por seu turno, usaram o episódio para lembrar que as pessoas atingidas diretamente pela denúncia representam “cerca de 25 mil fiéis”.
Resta, então, imaginar como essa história será contada e avaliada nos cultos programados para esta semana, sobretudo aqueles mais próximos ou próprios do Dia D do segundo turno, ou seja, domingo que vem.