O Brasil é o país com a maior população negra fora da África. Mas essa não é a realidade que se reflete no espelho da política. A representatividade de pessoas negras ocupando cargos políticos eletivos segue o caminho contrário aos dados populacionais.
“Coisa de preto é a poesia de Cartola. Os dedos a bailar sobre o violão de Paulinho da Viola. Ah, só podia ser preto – Romário, Imperador, Ronaldinho. Responder ao racismo com Lamentos em forma de chorinho. Pixinguinha, preto rei, rei dessa coisa escura”, diz um trecho do escritor Johnatan Oliveira Raimundo.
No entanto, o texto não menciona referências a política no país. E tem um motivo: política, no Brasil, ainda não é coisa de preto.
Decisões que implicam em mudanças no dia a dia, como políticas públicas que são votadas e atingem substancialmente uma minoria social, muitas vezes sequer tem a participação de um representante da etnia ou classe, que diz respeito, opinando.
Nas Eleições Municipais de 2020, em João Pessoa, 43% dos candidatos se autodeclaram brancos e outros 43%, pardos. Apenas 2 dos 14 candidatos ao cargo Executivo se autodeclaram negros, esse número representa apenas 14%.
Nilvan Ferreira (MDB) e Rama Dantas (PSTU) compõem essa minoria.
Se autodeclaram brancos: Anísio Maia (PT), Camilo Duarte (PCO), Carlos Monteiro (REDE), Ítalo Guedes (PSOL), Ricardo Coutinho (PSB) e Ruy Carneiro (PSDB).
Se declaram pardos: Cícero Lucena (Progressistas), Edilma Freire (PV), João Almeida (Solidariedade), Rafael Freire (UP), Raoni Mendes (DEM), Wallber Virgolino (Patriotas).
Rama Dantas falou, em entrevista ao Polêmica Paraíba, que a política deve ser um reflexo da sociedade: “Precisamos entender que a política deve representar a sociedade, o Brasil é um país de predominância da raça negra, ela está no seu gene, somos descendentes deste povo escravizado pela ganância capitalista, são mais de quinhentos anos de opressão, sem reparações. Nosso país foi o último a libertar os escravos e quando o fez, lhes negou a cidadania, o direito ao trabalho, à educação, à terra. E ainda hoje lhe são negados. Está passada a hora de ocuparmos nosso lugar e exigirmos igualdade e condições dignas, por isso dedico minha vida desde os 15 anos”.
Tema que, não deveria, mas costuma dividir opiniões, as cotas raciais foram defendidas pela candidata: “As cotas são uma pequena resposta frente a tantos abusos que sofremos. Sem elas, como um negro pobre pode ter acesso a mudar sua condição? Lutamos para o dia em que haja educação, saúde, trabalho, segurança e respeito para todos”.
Nilvan Ferreira não respondeu as perguntas sobre o tema.
Diferença étnica entre os eleitos em 2016 e candidatos em 2020
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as últimas eleições municipais de 2016, em todo o país, mostram que 5.138 candidatos às prefeituras se autodeclaravam negros e 10.530, brancos. Entre os eleitos, foram 3.895 autodeclarados brancos e 1.604 negros.
No legislativo, 222.217 candidatos a vereador se declaravam brancos, ante 212.106 negros. 33.057 dos eleitos foram brancos e 24.325 negros.
Já nas Eleições deste ano, o perfil médio dos candidatos sofreu uma alteração significativa no quesito raça, mas vale salientar a interpretação. É a primeira vez desde 2014, quando TSE começou a coletar os dados relacionados à raça, que o perfil médio dos candidatos é negro. Vale lembrar, no entanto, que os dados coletados pelo portal G1 consideram as pessoas que se declararam pardas ou pretas.
Na Paraíba, o perfil muda por uma questão de classificação. Os candidatos pardos representam mais da metade. De acordo com o TSE, são 54,22% que se declaram dessa forma. Depois, se declaram brancos 35,44%. E apenas 7,15% se autodeclararam negros.
Na interpretação do levantamento, se constata que a auto declaração como pessoa negra ainda está bem abaixo daqueles que se declaram brancos ou pardos.
Distribuição proporcional de recursos entre candidatos negros e brancos já neste ano
No Brasil, a Lei das Eleições não prevê nenhum tipo de cota mínima obrigatória para os partidos candidatarem políticos negros, o que acontece com um percentual para gênero, estabelecendo que os partidos preencham, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% das candidaturas para cada gênero.
Mas a partir das Eleições deste ano, o cenário começou a mudar. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que determinava a adoção da cota financeira para candidatos negros imediatamente, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir que só passaria a valer em 2022. Vale lembrar que a medida é válida para os cargos legislativos.
Os partidos agora precisam distribuir a verba do fundo eleitoral de acordo com a proporção de negros que concorrem no pleito. A medida provocou insatisfação dos dirigentes partidários, eles argumentaram que o tema não havia sido regulamentado e que havia incertezas sobre a forma de aplicação da norma.
De acordo com o sociólogo Augusto Campos, em entrevista ao site Politize, esse era um dos fatores que impediam maior representatividade negra na política: “Mesmo que um percentual considerável de políticos negros se candidate, a arrecadação que conseguiam para investir em suas campanhas era baixa. Além disso, se comparados aos políticos brancos, os gastos também são menores. Isso acontece porque não possuem um apoio tão concreto de seus partidos para suas candidaturas”.
Divisão
A determinação prevê que o cálculo para divisão dos recursos deve levar em consideração, primeiro, o gênero dos concorrentes para, depois, ocorrer a distribuição proporcional relativa à raça do candidato. Os partidos deverão distribuir igualmente a verba entre as concorrentes mulheres negras e brancas e entre os homens brancos e negros.
Não haverá duplicidade de cota. Já que, no caso de um partido ter 30% de candidatas mulheres, todas negras, sendo os candidatos homens todos brancos, poderia haver a obrigação de as legendas destinarem 60% dos recursos às candidaturas femininas.
As regras são válidas para o fundo eleitoral, que está estipulado em R$ 2 bilhões. Recursos do fundo partidário que forem aplicados nas eleições também têm que seguir as normas, mas a fiscalização será local.
“Racismo estrutural e dívidas históricas da escravidão”
Presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso assumiu uma postura digna de aplausos: “Eu acho que temos dívidas históricas da escravidão, de um racismo estrutural, e pensando pragmaticamente, nós precisamos de pessoas negras em postos importantes para serem símbolos motivacionais”.
“O ídolo do jovem negro não pode ser o traficante, tem de ser um senador da República, um deputado federal, um ministro do STF”, afirmou Barroso em resposta aos líderes partidários que demonstraram insatisfação com a distribuição proporcional de recursos.
Com suas declarações, Barroso assumiu uma postura que já deveria ser normal, mas veio no momento certo, reforçando a necessidade da medida.
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Polêmica Paraíba