Atleta será julgada pelo STJD nesta terça (6) por gritar “Fora, Bolsonaro” em entrevista ao vivo
Carol Solberg, jogadora de vôlei de praia que se manifestou com um “Fora, Bolsonaro” em entrevista ao vivo para o SporTV, pode se tornar uma divisora de águas no esporte brasileiro. Entre o silêncio dos atletas e a coragem de desafiar as federações e se manifestarem politicamente. Depois de conquistar a medalha de bronze na primeira etapa do Circuito Brasileiro do Vôlei de Praia desta temporada, em Saquarema-RJ, Carol chamou atenção e trouxe novamente à tona as discussões sobre as manifestações de atletas brasileiros em causas políticas e sociais. A atleta será julgada nesta terça-feira (6), às 18 horas, ela pode ser multada entre R$ 100 e R$ 100 mil e até ser vetada de competições por seis partidas, além de suspensão de 15 a 180 dias ou advertência.
Nas redes sociais, as manifestações de apoio a Carol ganharam força e muitos acreditam que o ato da jogadora pode servir como incentivo para mais esportistas emitirem suas opiniões, dentro do campo de jogo ou fora dele, e a possibilidade da flexibilização das regras que proíbem tais manifestações.
Atualmente, o regulamento do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia afirma que: “o jogador se compromete a não divulgar, através dos meios de comunicações, sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar ou denegrir a imagem da CBV e/ou os patrocinadores e parceiros comerciais das competições.”
O subprocurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Vieira Dantas. que denunciou Carol Solberg com base nos artigos 191 (deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento de regulamento, geral ou especial, de competição) e 258 (assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras) do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) também compartilha da opinião que a atitude de Carol pode servir de incentivo para outros atletas e para uma mudança na legislação.
Vieira Dantas é alinhado à posição política de Carol, se declara antifascista e, em suas redes sociais, possui publicações contra o governo e a favor da democracia. Recentemente, postou uma foto em seu perfil no Facebook em que aparece usando uma máscara preta com a mesma manifestação realizada pela atleta: “Fora, Bolsonaro”. Entretanto, ele afirma que vai pedir pena máxima para a jogadora por entender que houve quebra do regulamento das regras da modalidade.
“Esse debate é extremamente salutar para a democracia e pode estabelecer um marco sobre manifestações de atletas em arenas de jogo. Deve servir como um precedente para os próximos casos e vai afastar totalmente qualquer dúvida sobre o assunto, o que é muito salutar para o esporte, para as competições e, principalmente, para a democracia”, apontou em entrevista ao Estadão.
Opiniões
No Brasil, poucos atletas se posicionam politicamente, principalmente nas arenas de jogo, sobre política e questões sociais, como na defesa dos direitos humanos e o combate aos preconceitos.
Renato Janine Ribeiro, cientista político, professor de Ética e Filosofia Política da USP e e ex-ministro da educação do governo Dilma Rousseff afirma que a manifestação de Carol tem um valor social maior que o regulamento da competição: “A manifestação da Carol não é político-partidária, que não deve ser feita em campos de esporte. Foi uma manifestação que tem a ver com a defesa dos direitos humanos e da civilização. Não é propaganda de um candidato ou de um político determinado. Trata-se da defesa dos valores da Constituição, que é mais importante que qualquer regulamento de competição”.
“Possivelmente a maior parte dos atletas não tem consciência ou eles não pensaram em protestar. É importante um atleta quebrar esse muro do silêncio. O que ela fez deveria ser feito por todos”, sugeriu Janine Ribeiro.
O professor de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo Monteiro, disse que os atletas deveriam manifestar apoio a Carol: “O esporte sempre vai manifestar aspectos políticos, a demonstração de sua diversidade, de suas tensões e diferenças. Os atletas deveriam manifestar apoio a Carol, independentemente da defesa de seus pontos de vistas. É uma defesa à liberdade de expressão”.
Rodrigo Falcão, psicólogo e mestre em Psicologia do Esporte cita o exemplo dos atletas norte-americanos que deveriam servir como incentivo: “O atleta brasileiro dificilmente se expressa e isso é muito negativo. Não que o atleta tenha a obrigação de se expressar. Isso é uma questão pessoal. Mas eles, por terem uma penetração muito grande na sociedade e serem seguidos por diversas pessoas nas redes, são formadores de opinião. Parece que alguns vivem em bolhas e até mesmo em outros mundos. Eles poderiam muito bem emitir opiniões e serem mais ativistas, como estão sendo os atletas da NBA. O que eles estão fazendo pelo racismo lá é emblemático. Falta isso aqui no Brasil”.
Nos Estados Unidos, a NBA, principal liga de basquete do mundo, ofereceu suporte aos jogadores que decidiram paralisar o campeonato em apoio aos protestos antirracistas no país. No Brasil, as entidades raramente apoiam manifestações de atletas.
No mundo
Se a NBA hoje apoia protestos antirracistas, há ligas e entidades que vão no caminho contrário, como a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), que vem se esforçando para proibir os protestos de Lewis Hamilton contra a discriminação racial. No GP da Toscana, na Itália, o piloto da Mercedes vestiu uma camiseta, no pódio, com os dizeres: “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor”. Os policiais foram atrás de um ex-namorado da jovem negra de 26 anos no Kentucky, e, mesmo ela sendo inocente, a mataram com oito disparos.
A FIA divulgou novas regras com o objetivo de impedir manifestações durante a cerimônia de premiação e determinou que os pilotos de F1 não vão poder vestir outra roupa que não seja o macacão de corrida. No entanto, o hexacampeão mundial, único negro da modalidade, se manifestou e garantiu que não mudará sua postura em defesa dos direitos humanos e contra o racismo.
Com Carol Solberg, além da denúncia, a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) repudiou, através de nota, o comportamento da jogadora no mesmo dia de seu protesto e afirmou que vai tomar “todas as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados”. A entidade foi criticada pelo uso do verbo “denegrir”. Carol não quis se pronunciar depois da denúncia. Mas afirmou em entrevista anteriormente que “esse papo de que não se deve misturar esporte e política não dá mais”.
No entanto, a CBV não condenou a conduta de Wallace e Maurício em 2018. Durante a disputa do Mundial Masculino, os dois jogadores da seleção brasileira fizeram 17 ao posarem para uma foto, em alusão ao número do então candidato à presidência Jair Bolsonaro.
Pelo lado positivo, diante de uma pressão global do movimento internacional de atletas, conhecido por “Global Athlete”, o Comitê Olímpico Internacional (COI) estuda o relaxamento da regra 50 da Carta Olímpica, que proíbe qualquer protesto político, religioso ou racial nos Jogos Olímpicos. Os atletas exigem que essa norma seja retirada.
No entanto, Thomas Bach, presidente do COI, chegou a dizer que puniria aqueles que protestassem em Tóquio por causa da morte de George Floyd, homem negro asfixiado brutalmente por policiais nos Estados Unidos, e dos manifestos no esporte contra a desigualdade racial, mas depois recuou. Hoje, as manifestações são liberadas durante entrevistas nas zonas mistas e no centro de imprensa. Mas ainda não nas arenas esportivas.
No Brasil, na década de 1980, a Democracia Corintiana pode ser um espelho para os esportistas da atualidade, como sugere Janine Ribeiro: “Não era um projeto partidário e introduziu a questão da democracia em um dos clubes mais populares do Brasil”, lembra o filósofo sobre o movimento liderado por Sócrates e Casagrande, entre outros, que lutou pelas Diretas Já e contra a Ditadura Militar.
Fonte: Notícias ao Minuto
Créditos: Polêmica Paraíba