Pela primeira vez desde o início do Festival de Cinema de Veneza, a tarde iniciou com um clima nublado e uma chuva leve. Os presentes corriam em volta das grades de um tapete vermelho encharcado, que antecede a Sala Grande, para entrar na sessão de gala de Narciso em Férias, documentário sobre a prisão de Caetano Veloso durante a ditadura militar.
Os diretores do longa, Renato Terra e Ricardo Calil, não puderam estar presentes na Itália. A fronteira do país continua fechada para turistas brasileiros. Mesmo assim, acordaram cedo para uma coletiva de imprensa por videochamada com os jornalistas do festival e acompanharam a repercussão da sessão, que ocorreu em seguida.
Esta segunda-feira, 7, marca a exibição do filme em Veneza e também a estreia nacional do longa. Por conta da pandemia, o documentário não ficará em cartaz nos cinemas brasileiros, mas já está disponível na plataforma Globoplay.
“O filme ganhou uma boa divulgação na mídia. Existe muita expectativa, por ser um filme do Caetano. E também pelos possíveis paralelos entre a ditadura e o momento atual”, analisa Calil em entrevista a VEJA.
O título do longa foi retirado do romance Este Lado do Paraíso, de F. Scott Fitzgerald, e já fora usado por Caetano para nomear o capítulo do livro autobiográfico Verdade Tropical, de 1997, em que contava sobre sua prisão.
A ideia de transformar as lembranças do período em documentário partiu de Paula Lavigne, esposa e empresária do cantor, no início de 2018. A gravação foi feita no mesmo ano, pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais.
“O Caetano estava muito mexido com as semelhanças que o país tomou com 1968, guardada as devidas proporções. Ele estava comovido com o peso político do período em que estava voltando a viver”, relembra Renato Terra sobre o clima no dia da entrevista com o cantor.
A dupla de diretores foi convidada por Lavigne, que assina a produção do longa. Veloso já havia participado de outro documentário de Terra e Calil, Uma Noite em 67 (2010), sobre o terceiro Festival de Música Popular Brasileira, que ocorreu em outubro de 1967.
Com quase 90 minutos de duração, Narciso em Férias não usa imagens de arquivo ou entrevistas com outras pessoas. É composto apenas por um longo relato do artista, captado com duas câmeras. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos quatorze dias depois da instituição do AI-5, e ficaram 54 dias encarcerados.
Durante o relato, o cantor relembra os primeiros dias em uma solitária e o momento em que o levaram para cortar os longos cabelos cacheados, por exemplo. “Fiquei feliz porque não ia morrer”, ele declara.
O formato é uma “homenagem” ao diretor Eduardo Coutinho, segundo Renato Terra. “Ele criou a maneira de fazer documentário, em que não há trilha sonora ou imagens, para deixar o filme se sustentar apenas pela palavra.” O filme é uma coprodução da Uns Produções, de paula lavigne, e da VideoFilmes.
Em um vídeo para o público de Veneza, exibido antes da sessão, Caetano desejou um “buongiorno” aos presentes e declarou que “é muito importante conhecer nosso passado, para imaginarmos nosso futuro”.
“O filme traz o alerta de que precisamos ficar atentos para que a história não se repita”, declara Calil. “As realidades de 1968 e 2020 são diferentes, mas vemos sinais preocupantes de pessoas pedindo a volta da ditadura ou um novo AI-5.”
“Quando filmamos, em 2018, o streaming não era tão relevante”, recorda Calil. “Mas o mundo mudou e não queríamos que o documentário ficasse engavetado ou fosse exibido para poucas pessoas”.
https://www.youtube.com/watch?v=XhX3gmtS8Q4
Fonte: MSN
Créditos: MSN